A mentalidade de cruzada em Portugal (sécs.XII-XIV)
Ricardo da COSTA
In: Estudos sobre a Idade Média Peninsular.
Anos 90 - Revista do Programa de Pós-Graduação em História da UFRGS.
Porto Alegre: UFRGS, n. 16, 2001-2002, p. 143-178
(ISSN 0104-236X)
Tanto na crônica da batalha do Salado escrita pelo cronista-refundidor de 1380-1383 quanto na carta do cruzado inglês presente à conquista de Lisboa de 1147 encontrei uma mentalidade cruzadística de cunho sagrado e idealizada para a cavalaria cristã.
Como objeto simbólico desta mentalidade e com significado de catalisador das forças cruzadas, a cruz do Santo Lenho, presente em ambos os acontecimentos, teve sua presença intensificada no discurso da batalha do Salado. Como? Através da ligação feita pelo cronista entre a figura do prior do Hospital D. Álvaro Pereira (e sua linhagem) e a Ordem do Hospital, ambos presentes na batalha e enaltecidos pela fonte (JOHNSON: 1997, p. 206).
O homem medieval vivia num mundo em que toda a matéria tinha um significado próprio, tudo possuía correspondência, num eterno jogo de relações contínuas. Esta exigência de proporção (proportio) criava um mundo simbólico, uma mentalidade simbolística (ECO: 1989, p. 73) na qual se inseria o objeto sagrado do Santo Lenho. Um objeto por onde Deus se manifestava, que fazia parte do ethoscristão.
O que permanece em ambos os documentos? A cruz. O que varia? Quem a carrega em campo de batalha. Este elemento intermediário entre o objeto cristológico e o restante do corpo guerreiro realça seu significado simbólico. Além disso, como o discurso sobre o Salado foi produzido cerca de quarenta anos mais tarde, é bem possível que esta mentalidade cruzadística tenha se prolongado por entre a nobreza até as vésperas da chamada Revolução de Avis (1383-1385), como um elemento ideológico de coesão nobiliárquica face às mudanças sociais que se avizinhavam.
Neste artigo, analisarei dois documentos utilizados para comprovar esta tese, utilizando como método aferidor a análise comparativa e semântica (CARDOSO: 1983, p. 409): a Conquista de Lisboa de 1147e a narrativa da batalha do Salado (1340) contida no título XXI do Livro de Linhagens do Conde D. Pedro — escrito entre 1380 e 1383. Contextualizarei os textos, quem narra, de onde, qual sua posição social, para quem e como está narrando.
Os estudos do prof. Lindley Cintra fixam a data da redação do Livro de Linhagens do Conde D. Pedro entre 1325 e 1344, e o seu acabamento depois de 1340 (CINTRA: 1983, p. CLXXXVI). Trata-se de genealogias nobiliárquicas onde estão inseridas narrativas históricas. Enquanto fonte histórica, os Livros de Linhagens são considerados pelos especialistas documentos de ideologia social (MATTOSO: s/d, p. 08). Sua edição integral pode ser encontrada nos Portugaliae Monumenta Historica, Scriptores, volume I, publicados por Alexandre Herculano (1856: p. 143-390), além de uma reedição moderna e aperfeiçoada de José Mattoso (MATTOSO: 1980).
Seu autor, o conde D. Pedro (1285?-1354) era filho bastardo do rei D. Dinis (CINTRA: 1983). Um dos fidalgos mais ricos do reino, o cronista escreveu o Livro de Linhagens com um propósito bem definido: preservar a memória das linhagens de sangue em Portugal (MATTOSO: 1980, p. 55-57). O autor narra para seus próprios pares sociais, a nobreza, grupo tão poderoso quanto reduzido — nos séculos XIV e XV menos de 1% da população (SOUZA: s/d, p. 441).
Como D. Pedro narra? Através de uma compilação de seqüências linhagísticas das principais famílias nobres portuguesas no século XIV. O autor procurou estabelecer padrões consangüíneos nobiliárquicos que deviam possuir origens e motivos comuns. Por um lado, o glorioso passado visigodo. Para isso, o conde acrescentou às linhagens portuguesas, genealogias galegas, leonesas e castelhanas, num total de 776 famílias fidalgas (4.783 nomes). Por outro lado, a unidade da nobreza peninsular é colocada numa concepção ideológica pan-hispânica. A maior qualidade da aristocracia peninsular — e motivo maior de sua coesão enquanto grupo social — deveria ser a predestinação guerreira-cruzada, salvadora da cristandade (KRUS: s/d, p. 16).
A versão original do Livro de Linhagens se perdeu. Após a morte do conde D. Pedro, o texto original sofreu dois importantes acréscimos de dois cronistas desconhecidos — chamados de refundidores. São estas cópias que foram preservadas. Interessa-me particularmente a segunda refundição. É nela que se encontra a narrativa portuguesa da batalha do Salado — título XXI. A forma literária e o estilo deste novo autor colocam a narrativa como um documento quase independente do restante das genealogias do Livro de Linhagens (MATTOSO: 1985, p. 101). É considerada uma “obra-prima do gênero historiográfico antes de Fernão Lopes” (SARAIVA: 1988, p. 157).
Atualmente aceita-se que esta segunda refundição tenha sido escrita entre os anos 1380-1383 (a primeira nos anos 1360-1365) (MATTOSO: 1980, p. 42-50). O refundidor de 1380, além de acrescentar o título XXI, retocou algumas narrativas de outros títulos (V, VII). Provavelmente esta última refundição deve ter sido bruscamente interrompida pela revolução de 1383. De qualquer modo, encontrei vários indícios relativos à mentalidade de cruzada. O desinteresse deste segundo refundidor numa atualização mais precisa das informações linhagísticas contidas no Livro de Linhagens tem relação direta com o espírito de cruzada que caracteriza sua narrativa. A exaltação da família dos Pereiras mostra que este cronista anônimo tinha como principal objetivo um panegírico de D. Álvaro Gonçalves Pereira, prior dos hospitalários portugueses (SARAIVA: 1971, p. 02).
Como? Numa “prosa sábia”, “sem paralelo na prosa contemporânea e anterior”, de nível literário só encontrada no século XVI, o refundidor ampliou as narrativas heróicas da linhagem dos Pereiras, associando alguns amigos, em particular os Telos (MATTOSO: 1980, p. 43).
Este letrado, habituado a redigir em latim (SARAIVA: op. cit.), era provavelmente um clérigo, intimamente ligado à Ordem do Hospital — comandada na ocasião por D. Álvaro Gonçalves — e “muito influenciado pelo espírito das ordens militares” (SARAIVA: 1988, p. 157). Acredita-se que este refundidor conhecia vários membros da família do prior do Hospital (MATTOSO: 1980, p. 48). Os especialistas não descartam a possibilidade da narrativa da batalha do Salado ter sido colhida em testemunho direto do prior D. Álvaro ao refundidor, tal a intensidade e vivacidade da descrição do combate.
Estas hipóteses levantadas pelos especialistas possuem um rigor que leva-me a aderir a elas. Explicam a estreita conexão entre o destaque dado à presença da Ordem do Hospital na batalha do Salado e a mentalidade cavaleiresca e cruzadística que aflora naquelas páginas — Também trabalharei a breve descrição da batalha do Salado contida na Crónica de Don Alfonso el Onceno (SÁNCHEZ-ALBORNOZ: 1986, p. 502-509).
*
Conhecido como De Expugnatione Lyxbonensi — Manuscrito do códice n.º 470, folhas 125-146, Corpus Christi College da Universidade de Cambridge —, é aceito hoje que este manuscrito que chegou até nossos dias foi escrito entre 1180 e 1220. Portanto, trata-se de uma cópia posterior do original elaborado durante o cerco de 1147. Seu autor era um cruzado inglês, possivelmente Raul, presbítero normando, oriundo da região de Norfolk (ou Sufolk) (LIVERMORE: 1990).
O cronista escreveu a um tal Osb. de Baldr. — Osberno, Osberto ou Osborne de Baldresseia — relatando as “adversidades desta nossa viagem, e bem assim os feitos, os ditos, ou tudo o que, durante ela, virmos ou ouvirmos e for digno de relato” (Conquista de Lisboa aos Mouros em 1147, p. 17). Seu latim é o baixo latim bíblico e eclesiástico, e não o latim barbarizado. Tratava-se de figura culta e, mais importante, testemunha ocular do acontecimento.
A crônica da Conquista de Lisboa aos mouros em 1147 pode ser aproximada analiticamente da crônica da batalha do Salado de 1340 contida no Livro de Linhagens através da mentalidade de cruzada que se manifesta em ambos os escritos. É sob esse prisma que minha análise será desenvolvida. O principal elo material e ideológico de ligação entre as duas fontes é a relíquia do Santo Lenho — cruz do Marmelar — presente nos dois acontecimentos e guardada em Portugal pela Ordem do Hospital.
*
A cidade de Lisboa, provavelmente de origem nativa — ibérica — após a conquista romana foi sede de um bispado cristão (antes de 357), sendo uma das praças de apoio militar visigodo, a partir de meados do século V (MATTOSO: s/d, p. 310). Os muçulmanos a conquistaram em 714, e a cidade tornou-se capital de distrito (kura). Os cristão a retomaram em 953 e 1093, sempre perdendo-a pouco depois. Quando da conquista definitiva de Afonso Henriques, a cidade contava com aproximadamente 5.000 habitantes, 20 hectares (MARQUES: 1988, p. 81).
Esta vitória cristã contou com a importante participação de cruzados ingleses, flamengos e frísios. Tratava-se de uma expedição que partiu para a Terra Santa um pouco antes da Segunda Cruzada (1146-1148), dos reis Luís VII (França) e Conrado III Hohenstaufen (Alemanha). Fora incentivada à cruzada pelas pregações de São Bernardo de Clairvaux. Ao chegarem ao Porto em 1147, os cruzados foram recebidos pelo bispo, D. Pedro Pitões (1146-1152), que fez um discurso, compelindo-os a ajudarem Afonso Henriques a tomar a cidade dos mouros:
...Portanto, irmãos, tomai com essas armas a força com que na guerra defendemos dos bárbaros a nossa pátria, dos inimigos a nossa casa, dos ladrões os nossos amigos; porque ela está cheia de justiça (...) Fazei a guerra por zelo de justiça e não por impulso violento da ira.
Ora a guerra justa, diz o nosso Isidoro, é a que se faz por reaver o que é nosso, ou para repelir os inimigos (...) Quem mata os maus só no que eles são maus e o faz com justo motivo, é ministro do Senhor (...) Portanto não é lícito duvidar de que seja legitimamente empreendida a guerra que se faz por ordem de Deus.” (Conquista de Lisboa aos Mouros em 1147, p. 28-30)
Encontrei neste discurso uma autêntica exortação cruzada — ao contrário da clássica interpretação de Carl Erdmann — A Idea de Cruzada em Portugal — (voltarei novamente à tese de Erdmann adiante) (ERDMANN: 1940). Segundo o cronista, as palavras proferidas pelo bispo do Porto aos cruzados continham trechos persuasivos genuinamente cruzadísticos: os peregrinos, “revestidos de Cristo”, vieram à Península guiados pelas mãos de Deus, que outrora “feriu à ponta de espada toda a Espanha, com a incursão de mouros e moabitas”.
Assim, o bispo do Porto esperava suscitar nos cruzados o ímpeto guerreiro que auxiliaria Afonso Henriques a tomar Lisboa. O simbolismo da cruz é motivo de várias passagens do cronista-presbítero. Numa delas, já quando do sítio à cidade, os cristãos mostravam-se profundamente ofendidos pelos insultos dos muçulmanos a virgem Maria (“...em arruídos e palavras injuriosas e insultantes, afrontavam constantemente a Santa Maria, mãe do Senhor”) e sobre seu símbolo, a cruz: “...cuspiam-lhe em cima, limpavam com ela a sujidade posterior, e depois de urinarem sobre ela, atiravam a nossa cruz para o meio de nós, como um supremo opróbrio.”
Esta passagem do cerco a Lisboa possui a mesma estrutura narrativa do cerco a Jerusalém (1099) durante a Primeira Cruzada: um texto dicotomizado, binário, onde o inimigo muçulmano é sempre descrito como um insultador e associado à destruição e ao saque. Além disso, a narrativa sempre possui um ápice, que acontece após um discurso de exortação, geralmente de um clérigo, que leva os guerreiros à comoção cruzada.
Por exemplo, o cerco a Jerusalém é descrito por um dos principais cronistas da Primeira Cruzada, Raimundo de Aguillers, capelão de Raimundo de Toulouse, na obra Historia Francorum qui ceperunt Jerusalem. Raimundo começou a escrevê-la durante o cerco a Antioquia (1098), terminando-a no final de 1099. Sua história concentrou-se basicamente na expedição de Raimundo de Toulouse. Segundo o cronista, numa procissão ao redor das muralhas de Jerusalém ordenada pelo padre Pedro Desidério — que alegou ter tido uma visão do bispo de Le Puy, Ademar de Monteil — os muçulmanos, do alto das muralhas, insultavam os cruzados.
Estas ofensas tiveram o efeito de uma exultação às hostes cristãs penitentes. Após a procissão, os cruzados, que seguiam descalços e com cruzes e relíquias sagradas, foram guiados pelos bispos e sacerdotes até o monte das Oliveiras. Ali ouviram os sermões de Pedro, o Eremita, o próprio Raimundo de Aguillers e Arnulfo de Rodes, capelão de Roberto da Normandia. A força das palavras de Arnulfo atingiu diretamente os exércitos, que ficaram profundamente comovidos e excitados, dispostos para o combate.
A oposição temática cristãos-muçulmanos é a mesma nos dois documentos (Jerusalém — Lisboa). A dicotomização total se dá durante um cerco de uma cidade sob o domínio muçulmano e que está prestes a cair para mãos cristãs. O “outro”, acuado pela ofensiva cristã, é colocado nas duas fontes como um blasfemador da fé verdadeira. Por fim, as forças cristãs são finalmente vencedoras, o que comprova a eficácia da penitência peregrina e exortação monástica aliada à força militar.
Momentos antes do assalto final à Lisboa, foi rezada uma missa campal. Um sacerdote desconhecido, presente entre as fileiras dos cruzados, trouxe a cruz do Santo Lenho — também chamada nas fontes de Marmelar ou Vera Cruz. Acreditava-se que este objeto era um pedaço de madeira legítimo da cruz onde Cristo tinha sido crucificado. Assim, era adorado como uma verdadeira relíquia, e já tinha neste momento a função de adoração cristã e cruzada. Com ele em suas mãos, o eclesiástico proferiu uma exortação à vitória final, de grande significado entusiástico entre os soldados cruzados:
Eia, irmãos! A luta vai começar! (...) É grande conforto para a fragilidade humana saber que a cada um de nós foi destinado um anjo para nos salvar (...) Reconciliai-vos de novo com Deus e revesti-vos de Cristo para que sejais seus filhos imaculados! (...) Mostrai-vos pois nesta acção quais éreis quando aqui chegastes, e eu vos prometo seguramente que quebrareis as forças dos vossos inimigos (...) Eles não resistirão contra vós (...) Acordai de uma vez, irmãos, e tomai as armas! Não tendes que lutar com gigantes ou com lapitas. São bandidos, salteadores fracos e tímidos os que, cheios de tanta loucura, vos pode oferecer a sua multidão desordenada e confusa.
Eis, irmãos, eis o Lenho da Cruz do Senhor! Ajoelhai-vos em terra! Batei nos vossos peitos pecadores, confiando no auxílio do Senhor, e ele virá; sim, virá! Vereis sobre vós o auxílio do Senhor. Adorai a Cristo Nosso Senhor que neste madeiro da cruz redentora vos estende as mãos e os pés para vossa salvação e glória! (...) Com a ajuda de Deus ficarei convosco nesta máquina de guerra, como guarda e companheiro inseparável deste Lenho Sacrossanto, enquanto me durar a vida, certo de que nem a fome, nem a espada, nem a tribulação, nem a angústia nos separará de Cristo. E certamente seguros da vitória atacai os inimigos e tereis a eterna glória como prémio desta luta (...) Glória a Jesus Cristo, Nosso Senhor, a quem é devida a glória pelos séculos dos séculos! Amen.” (Conquista de Lisboa aos Mouros em 1147, p. 62-66)
Ainda segundo o cronista-presbítero, com estas palavras, todos se deitaram no chão, com gemidos e lágrimas. Depois, foram benzidos pelo sacerdote, num último preparativo para a batalha santa — ao contrário do primeiro sermão do bispo do Porto, neste segundo Carl Erdmann reconhece o sentimento cruzado. “É um autêntico sermão de cruzada: procura levantar o ânimo, já então decaído, dos cruzados...” (ERDMANN: 1940, p. 23-24). Mais uma vez, as analogias com várias passagens das cruzadas ultramarinas são marcantes. O discurso de Urbano II em Clermont (Deus le volt! Deus le volt!), a pregação de São Bernardo para a Segunda Cruzada em Vézélay (“Cruzes, dêem-nos cruzes!”); em vários momentos os cronistas medievais acentuaram a catarse produzida nas massas durante uma exortação cruzada.
Nestas passagens do discurso que antecede à tomada de Lisboa, observei a importância do culto dos objetos sagrados para os exércitos cristãos. A liturgia que precede o combate é um verdadeiro ritual mágico-político: a comunicação entre os atores sociais é feita sobretudo pela ligação destes agentes através de um símbolo — no caso a cruz do Santo Lenho (LUKES: 1996, p. 673). A eficácia do rito é medida pela capacidade de transformar em realidade os anseios dos guerreiros prontos para a luta, “mediante a força social que lhe é atribuída” (ROMANO: 1994, p. 359). Portanto, a vitória cristaliza a magia dos desejos coletivos dos exércitos. A presença do símbolo sagrado confere ao grupo social presente uma qualidade de comportamento mágico (LEACH: 1994, p. 325).
A vitória deu-se após 17 semanas de cerco. Em contrapartida, a Crónica Geral de Espanha de 1344 não considera a conquista de Lisboa digna de maiores comentários, nem lhe atribui momentos ritualísticos e mágicos de cruzada: “E, des que hy foy (Afonso Henriques), guisou sua fazenda e ajuntou sua hoste o mais encubertamente que pode e foy sobre Lixboa. E chegou hy no mes d’Octubro na era de mil e [...] annos. E os mouros sayrõ a elle e lidarom com elle e forõ vecidoss. E cobrou delles a cidade de Lixboa per força d’armas.” (CINTRA: 1984, p. 232).
Ao invés disso, o conde D. Pedro enfoca a benevolência de Afonso Henriques na entrega de terras aos cruzados que participaram do combate, numa ênfase ao processo de repovoamento embutido na Reconquista portuguesa: “E forõ en sua ajuda en esta tomada muytas conpanhas d’Alemãaes e Framegos e doutras naçõoes que veerom per mar, antre os quaaes forom hy IIII capitãaes que avyã nome: dom Guilhe de Licorny, e dom Roolim, e dom Juzbercez, e dom Ligel. Estes IIII demãdavã parte da villa a el rey dom Affonso por que forom na tomada della. E elle lhes disse que nõ o faria mas que lhes daria outros logares que pobrassem elles e seu linhagem pera todo sempre e que lhe conhocessem delles o senhorio. E a huu delles deu Azambuja; e ao outro Villa Verde, e ao outro a Lourinhãa, e ao outro a Atouguya. E estes dizem que forom de Frandres. E trouxerõ todos seus linhagees e seus averes e pobrarom estes logares.” (CINTRA: 1984, p. 232)
A que se deve esta diferença de perspectiva? Muito provavelmente à lenta construção do mito afonsino através das crônicas portuguesas. Embora na Crónica Geral de Espanha já esteja embutida uma perspectiva do maravilhoso cristão associada à figura de Afonso Henriques, esta figura histórica possui, ao longo do processo de formação da identidade nacional portuguesa, progressivas mutações e apropriações. Assim, neste acontecimento, o autor da Crónica Geral de Espanha optou por realçar a atitude de realeza — mesmo num momento de guerra, preocupado com o futuro de seu reino. Repovoamento cristão e doações de terras por parte de Afonso I aos cruzados que tomaram parte na empreitada, foram mais importantes para o cronista D. Pedro, e dignos de nota.
A prática da doação de terras conquistadas aos guerreiros que tomaram parte na conquista remonta, na Península Ibérica, às guerras entre romanos e nativos. Com esta medida, Afonso I mostrava grande senso de compreensão do processo de fortalecimento dinástico da casa de Borgonha que estava intrínseco à Reconquista. De qualquer modo, o processo cruzadístico tinha em seu bojo uma ideologia bem definida de reocupação das terras reconquistadas, no caso da Ordem do Hospital. Assim, a preocupação de Afonso I e seus sucessores com repovoamento se insere numa perspectiva cruzadística (por exemplo, Sancho I, após a vitória em Alcácer do Sal, além de dar terras aos cruzados que participaram da conquista, enviou agentes à França e Inglaterra para recrutar mais “estrangeiros”) (SARAIVA: 1991, p. 14).
Após a vitória, foram encetadas negociações da entrega da cidade de Lisboa. O fato de os muçulmanos preferirem entregar-se ao rei foi encarado por Carl Erdmann como um claro indicativo da distinção entre a mentalidade de cruzada existente entre os peregrinos a caminho da Terra Santa e as guerras peninsulares contra os mouros (ERDMANN: 1940, p. 25).
No entanto, considero que a decisão muçulmana deve ter sido tomada pela constatação de que era preferível entregar-se ao futuro governante da cidade, pois este provavelmente deveria levar em conta seus futuros súditos. Os próprios muçulmanos derrotados estavam cientes dos distintos comportamentos que diferenciavam cruzados nativos e “estrangeiros”.
Além disso, os islamitas lisboetas, ao se renderem a Afonso I, entregaram ouro, prata e “todos os restantes haveres dos habitantes da cidade”. O que nos leva a supor que as divergências entre portugueses e cruzados tinham outros interesses materiais além das supostas diferenças de mentalidade cruzadística atribuídas por Erdmann aos dois grupos cristãos vencedores. Portanto, ao contrário da tese de Erdmann, entendo que a preocupação de Afonso I em preservar os muçulmanos lisboetas da fúria dos cruzados “estrangeiros” não exclui o sentimento cruzadístico presente nas campanhas daquele rei. Mesmo assim, apesar da preocupação real em preservar a cidade e seus habitantes, alguns cruzados ainda praticaram atos de vandalismo na cidade após a vitória:
Os colonenses e flamengos, vendo na cidade tantos excitativos de cobiça, não observam respeito algum ao juramento e fidelidade; correm aqui e ali; fazem presa; arrombam portas; esquadrinham os interiores de cada casa; afugentam os habitantes, afrontando-os com injúrias contra o direito divino e humano; estragam vasos e vestidos; procedem injuriosamente para com as donzelas; igualam o lícito ao ilícito; e às ocultas surripiam tudo que devia ser dividido por todos. Contra o direito e o lícito matam até o bispo da cidade, já muito idoso, cortando-lhe o pescoço. (Conquista de Lisboa aos Mouros em 1147, p. 77)
O tom discordante do cronista-presbítero da conquista de Lisboa quanto aos atos dos cruzados bem mostra o quanto isto não pode ser relacionado com mentalidade de cruzada e sim puro frenesi após a vitória. O fato de o cronista ser um clérigo alicerça minha tese: mesmo a Igreja em plena expansão cruzada tinha em suas hostes religiosos que não eram coniventes com os barbarismos praticados pelos europeus após cada vitória cruzada. Também neste aspecto, a Conquista de Lisboa de 1147 pode ser comparada com a de Jerusalém, em 1099. Após a vitória cristã na Terra Santa, os cruzados realizaram uma grande e indiscriminada matança. Segundo um cronista muçulmano, o maior massacre aconteceu na mesquita de al-Aqsa: “Em Masjid al-Aqsa os francos massacraram mais de 70.000 pessoas, entre elas um grande número de imãs (espécies de puxadores de reza) e estudantes muçulmanos, homens devotos e ascetas que abandonaram suas terras de origem para viverem na Terra Santa em piedade e reclusão (a tradução é minha).” — (Ibn al-Athir, X, 193-195).” (GABRIELI: 1984, p. 11)
Muitos cristãos ficaram então verdadeiramente horrorizados com esta sede de sangue (RUNCIMAN: 1983, p. 272). O fato de os cruzados também massacrarem cristãos — tanto na Jerusalém de 1099 quanto na Lisboa de 1147 — mostra que estes atos eram transgressões orgásticas de guerreiros enlouquecidos pela vitória (RUNCIMAN: op. cit.). Os massacres perpetrados pelos cruzados após as vitórias em Jerusalém e em Lisboa não distingue sua mentalidade de cruzada dos exércitos comandados por Afonso I.
Assim, é legítimo considerar a tomada de Lisboa de 1147 como uma autêntica batalha de caráter cruzado, não só pela presença dos guerreiros peregrinos de além-Pireneus mas também pelo combate estar inserido num âmbito peninsular maior, o da afirmação militar da casa de Borgonha às expensas muçulmanas. A nova dinastia européia legitimava-se assim pela força das armas.
Mas o mais notável é que encontramos o símbolo cruzado por excelência daquela ocasião — a cruz do Santo Lenho — quase duzentos anos mais tarde guardado em Portugal sob os auspícios da Ordem do Hospital. Esta associação não é gratuita. Nenhuma instituição melhor que a última ordem militar hierosolimitana ainda existente em 1340 para salvaguardar uma relíquia cruzada que precedeu a vitória de Lisboa em 1147. A cruz estaria novamente presente na batalha do Salado cumprindo as mesmas funções simbólicas de exortação cristológica contra o inimigo muçulmano. Mas desta vez nas mãos de outros atores sociais: os hospitalários portugueses (BALANDIER: 1982, p. 05).
Neste aspecto, é de suma importância a mudança dos personagens (da Conquista de Lisboa em 1147 à batalha do Salado de 1340) que portam a relíquia do Santo Lenho: eles dão novo sentido ao objeto em cena, o redimensionam dentro do espírito das ordens militares, novas portadoras da fé cruzada. É dentro deste novo sentido que procuramos a força dramática da nova união Santo Lenho — Ordem do Hospital. Este poder cruzado se realiza na manipulação do símbolo cristológico, organizado pelo cronista num quadro cerimonial específico: a Batalha do Salado (BALANDIER: op. cit., p. 07).
Mas antes de tratar da Batalha do Salado contida no título XXI do Livro de Linhagens, farei uma breve análise semântica da Conquista de Lisboa aos mouros em 1147. Assim, pretendo confirmar alguns dos vários núcleos de sentido do cronista-presbítero ao relatar o acontecimento (BARDIN: 1994).
Como metodologia, a semântica se ocupa de ações paradigmáticas. O discurso do emissor (produtor da mensagem) remete a um significado: o enunciado, objeto lingüístico resultante da enunciação. Na produção deste enunciado, como já levamos em conta o contexto histórico, material e social, além das motivações psicológicas, resta-nos agora observar os vestígios do próprio enunciado (MAINGUENEAU: 1996, p. 06).
No caso específico aqui tratado, a ação paradigmática é o próprio acontecimento da conquista de Lisboa. Este é definido de forma dupla: pela ruptura que provoca e pelo conhecimento que os pares sociais possuem dele (LACOUTURE: 1993, p. 231). Registrá-lo num documento é indicativo de sua importância. Este significado da fonte reporta a um universo simbólico próprio e específico: os ideais cruzados da cavalaria. Trata-se portanto de sua simbolização escrita.
Realizei um inventário das palavras segundo sua quantificação no texto da Conquista de Lisboa. Ele pode ser elucidativo das categorizações que podem ser feitas tomando como base a análise semântica da fonte (BARDIN: op. cit., p. 114). A partir disso, posso fazer algumas relações interpretativas.
O texto é narrativo, linear, bem escrito no latim eclesiástico, praticamente um diário da aventura de Lisboa — apesar de ser uma carta. Mas é preciso que se diga que não se escrevia uma carta no século XII como hoje — se é que ainda se escrevem cartas — a escrita se conformava a regras precisas (DUBY: 1995, p. 68).
Nele, o cronista-presbítero elabora uma verdadeira descrição geográfica das regiões por onde os exércitos passaram (138 citações), sem ênfase nos personagens cruzados e sim na história da viagem e da conquista propriamente dita. Os personagens bíblicos são sempre inseridos nos sete (07) discursos transcritos pelo narrador. O maior número de citações dos personagens bíblicos em comparação com os personagens cruzados (185 para 138) indica uma clara preocupação com o conteúdo clerical nas passagens exortatórias. A erudição, o virtuosismo e o jogo das palavras feito pelo escritor são características da retórica das missivas do período (DUBY: 1995, p. 69).
Além disso, os personagens cruzados não são o centro da narrativa, e sim motivos para o desenrolar da história — por exemplo, não existe nenhuma descrição física deles. Mesmo os clérigos, que discursam para as hostes guerreiras, estão inseridos no contexto apenas para que o cronista-presbítero desenvolva a idéia de guerra santa e cruzada.
Seu autor, como vimos, era provavelmente um clérigo inglês, muito próximo de Herveo de Glanvill — logo, é o segundo cruzado mais citado. Possui uma preocupação moral que se acentua nas passagens oratórias. Estes trechos exortatórios do documento se baseiam na tradição eclesiástica: para respaldar a mentalidade de cruzada, os oradores recorrem aos personagens bíblicos. Os discursos são estes (com seus respectivos conteúdos), na ordem que se segue:
1.º) Sermão em latim feito pelo bispo do Porto, Pedro (17/06/1147):
Este sermão possui uma verdadeira teoria sobre a guerra santa e cruzada. As passagens bíblicas e os personagens ibéricos (como Santo Isidoro, bispo de Sevilha) servem de erudição e base religiosa para a exortação cruzada do bispo aos cruzados recém-chegados de viagem.2.º) Discurso de Afonso I aos cruzados, na festa do Apóstolo São Pedro (29/06/1147):
Na mesma linha ideológica do primeiro, este discurso de Afonso I é uma proposta de ataque à Lisboa muçulmana feita aos cruzados. Nele, o rei incentiva as hostes com vantagens materiais (“...nem por isso deveis desprezar a nossa promessa, pois que consideramos como sujeito ao vosso domínio tudo que a nossa terra possui...”)3.º) Discurso de Herveo de Glanvill (30/06/1147):
O cruzado, condestável inglês que comandava os homens de Norfolk e Suffolk, faz uma intervenção junto aos outros cruzados em defesa de Afonso I. Alguns exércitos normandos, comandados por Guilherme Vítulo, se recusavam a participar da empreitada. O discurso de Herveo de Glanvill uniu novamente as hostes para o ataque a Lisboa (“...e todos choravam de alegria, exclamando: Deus, ajudai-nos!”)4.º) Discurso do arcebispo de Braga (30/06/1147):
Após a união dos cruzados em torno de Afonso I para a batalha por Lisboa, o arcebispo de Braga fez um discurso junto aos mouros lisboetas, conclamando os “mouros e moabitas” a se renderem.5.º) Resposta dos mouros (30/06/1147):
O “mais velho entre os circunstantes”, respondeu negativamente. Seria necessário luta.6.º) Réplica do bispo do Porto (30/06/1147):
O bispo então declara oficialmente a guerra ("Já que não é possível falar aos vossos ouvidos benévolos, falarei aos vossos ouvidos irritados (...) Ao retirarmo-nos desta cidade, nem vos saudarei, nem de vós receberei saudações”)7.º) Sermão do sacerdote que trouxe a relíquia do Santo Lenho (19/10/1147):
Após uma missa campal rezada pelo arcebispo, um sacerdote, com a relíquia do Santo Lenho em suas mãos, faz uma exortação cruzada, conclamando os exércitos à luta sagrada (Conquista de Lisboa aos Mouros em 1147, p. 37, 42 e 47)
*
Como se vê, todos as arengas transcritas pelo cronista-presbítero estão inseridas dentro da mentalidade de cruzada do contexto. Obviamente não se pode asseverar a autenticidade dos discursos. Como já foi visto, o documento foi escrito pelo menos 33 anos depois do acontecimento — da mesma forma que a narrativa da Batalha do Salado (escrita 40 anos mais tarde). José Saramago sugeriu a hipótese do discurso de Afonso I aos cruzados narrado na Conquista de Lisboa ter sido escrito por alguém com experiência diplomática e eclesiástica, talvez o próprio bispo do Porto, D. Pedro Pitões, ou o arcebispo de Braga, D. João Peculiar.
Ele bem reparou na “absurdidade do discurso”: “...não se pode mesmo acreditar que a boca deste rei Afonso, sem prendas ele, de clérigo, tenha saído a complicada fala, bem mais à semelhança dos sermões arrebicados que os frades hão-de dizer daqui a seis ou sete séculos do que dos curtos alcances duma língua que ainda agora começava a balbuciar (...) não é preciso ser dotado duma imaginação prodigiosa para supor que os dois prelados, de caminho, vieram fazendo o rascunho, com o fito de adiantar trabalho, ponderando os argumentos, insinuando muito, acautelando o possível (...) nunca viremos a saber que palavras disse realmente D. Afonso Henriques aos cruzados.” (SARAMAGO: 1989, p. 44 e 46).
De qualquer forma, todos os discursos possuem a mentalidade de cruzada característica dos textos anglo-franceses de meados do século XII. Além da transcrição destes discursos, a fonte fornece outra documentação em segunda mão: documentos escritos, que dão força jurídica às relações entre Afonso I e os cruzados, além de uma correspondência dos muçulmanos lisboetas e interceptadas pelos exércitos cristãos. São eles, em ordem de aparição na fonte:
1.º) Carta de Afonso I a Pedro, bispo do Porto sobre os cruzados (16/06/1147):
Afonso I, que havia saído dias antes com um exército num fossado sobre Lisboa, enviou uma carta ao bispo do Porto, solicitando a este que recebesse os cruzados em seu lugar.2.º) Pacto entre Afonso I e os cruzados (30/06/1147):
Este documento especificava o que caberia aos cruzados em caso de vitória. Os “francos” receberiam todos os haveres do inimigo, resgates e o saque da cidade. Após isso, seriam distribuídas terras na cidade para os cruzados que desejassem ali viver. Por fim, os navios dos cruzados (e de seus herdeiros) ficariam isentos de taxas (direito consuetudinário sobre mercadorias — direito de portagem) em território de Afonso I.3.º) Carta dos muçulmanos lisboetas (final de agosto):
Os muçulmanos de Lisboa pediam socorro a Abu Mahomede, rei dos eborenses, apesar da pouca valerosidade dos guerreiros cristãos (“Eles nem são muitos, nem muito guerreiros...”).4.º) Carta resposta do rei dos eborenses:
Abu Mahomede nega pedido de socorro. Afirma que possui um pacto de paz com Afonso I (“Há já muito tempo que tenho tréguas com o rei dos portugueses, e não posso quebrar meu juramento para o incomodar a ele ou ao seus com a guerra”) (Conquista de Lisboa aos Mouros em 1147, p. 56.)
*
A mentalidade de cruzada também está expressa nas passagens do maravilhoso cristão: sereias durante a viagem (“de voz horripilante”), visões, peixes que entorpeciam a mão de quem os tocassem, mas principalmente presságios divinos. Num deles (“...um prodigioso sinal...”), uma grande massa de nuvem branca que acompanhava a viagem dos navios desde a Gália se encontrou com outra, negra, vinda do sul.
Os cruzados interpretaram o sinal como uma guerra cruzada celeste, análoga à que seria travada entre cristãos e muçulmanos. Nesse combate cruzado onírico (“...à maneira de infantaria ligeira...”), a nuvem branca, cristã, foi a vencedora, deixando no céu um “...azul puríssimo...”. Os cruzados exaltaram: “Venceu a nossa nuvem! Deus está conosco! Foi dispersado o poder dos inimigos e estão confundidos, porque o Senhor os dissipará”.
A transformação da comida, estragada durante o cerco a Lisboa, que tornou-se comestível após a vitória cristã (“...um prodígio muito de admirar...”) (Conquista de Lisboa aos Mouros em 1147, p. 56.), é outra passagem que ressalta a conquista da cidade através da alegoria da transmutação. De forte raiz bíblica, a dádiva divina do alimento pode ser entendida como uma preparação do alimento escatológico, a eucaristia, como no caso da primeira multiplicação dos pães descrita em Mateus (Mt, 14, 13-21).
Por fim, os dois textos analisados possuem uma raiz literária distinta. A Conquista de Lisboa — como também a Historia Francorum qui ceperunt Jerusalem, de Raimundo de Aguillers — se insere no padrão literário cruzadístico anglo-saxão corrente nos séculos XI-XII — da mesma forma que as obras de Fulcher de Chartres (Gesta Francorum Iherusalem Peregrination) — escrito nos anos de 1101, 1106 e 1124-1127 e Guilherme de Tiro (Historia Rerum in Partibus Transmarinis Gestarum) — escrita entre 1169 e 1173, existem dezenas de obras de contemporâneos relativas às cruzadas e a idéia de guerra santa (autores latinos, árabes, gregos, armênios e sírios), além de documentos oficiais e cartas de cruzados a parentes.
Já a narrativa da Batalha do Salado contida no título XXI do Livro de Linhagens do Conde D. Pedro faz parte de outra tradição literária. Ibérica, de cunho narrativo-genealógico, esta obra segue o viés literário português iniciado no final do século XIII com o Livro Velho de Linhagens.
Em contrapartida, a Crónica Geral de Espanha de 1344, também atribuída ao conde D. Pedro, não se insere nesta tradição genealógica. Esta fonte é considerada a “...primeira obra de historiografia que se escreveu em Portugal.” (SARAIVA: 1985, p. 153), portanto, pertence a outra tradição literária. Os Livros de Linhagens reúnem fontes superpostas. Entre as listas genealógicas compostas para registrar a memória do grupo social nobiliárquico, existem narrativas interpoladas — entre elas as do título XXI. Estas narrativas circulavam oralmente (nos meios palacianos, aristocráticos, nos saraus das cortes, nas cantigas trovadorescas) e tinham uma relativa independência de suas versões escritas.
Embora pertencente à tradição literária cruzadística anglo-saxã, o texto da Conquista de Lisboa ao mouros em 1147 não possui a dicotomização cruzadística idealizada presente na narrativa da Batalha do Salado. Seriam necessários quase duzentos anos para que na Península Ibérica se acentuasse este paradigma guerreiro na tradição literária portuguesa: o ideal cruzado expresso nas ordens militares.
*
Por sua vez, a batalha do Salado pode ser considerada o paradigma literário-linhagístico da mentalidade cruzadística em Portugal (ERDMANN: op. cit., p. 54), fruto de um longo processo de afirmação da idéia de cruzada na história da Reconquista ibérica. Mas como se chegou a este desfecho?
A estabilização política trazida pelo reinado de D. Dinis firmou a corrente migratória dos cavaleiros andantes em Portugal, e o movimento perdeu seu caráter coletivo (MATTOSO: 1987, p. 367). Desta maneira, a mentalidade cavaleiresca sofreu uma transformação: difundiu-se um culto generalizado da poesia trovadoresca e dos romances de cavalaria. Com o maior controle das pulsões, os costumes tornaram-se menos rudes (ELIAS: 1993, p. 18 e 44).
O gradativo controle das guerras santas por parte do papado trouxe uma absorção do código do guerreiro pela missão cristã (KEEGAN: 1995, p. 310). Em seu modo de vida, que misturava os ideais cavaleirescos com o ascetismo religioso, as ordens militares propagaram rapidamente a mentalidade cruzada pela Europa (CONTAMINE: 1984, p. 75). O fim das cruzadas na Palestina ofereceu à Igreja — através destes monges-guerreiros — um novo e abençoado palco de atuação para o exercício militar: as “Espanhas” (LE GOFF: 1994, p. 267-279).
Mais tarde, este fascínio pela cavalaria enquanto modus vivendi da nobreza foi, gradativamente, cedendo terreno a novas formas de combate. Não existe melhor exemplo deste declínio do que a descrença de Maquiavel pela cavalaria enquanto corpo eficaz de combate. Em seu tratado A arte da guerra, de 1519-1520, ele diz: “Quanto aos cavaleiros, principalmente a cavalaria pesada (...) pode-se admitir que a artilharia a mantenha na retaguarda” (MAQUIAVEL: 1994, p. 31).
Assim, o limiar do século XIV marcou também a mudança para novos tempos, em que o uso da besta e do canhão solapou os ideais cavaleirescos. Então, a idéia de cruzada em Portugal já tinha cumprido sua missão maior: a unificação da nação portuguesa num corpo geográfico talhado à custa da Reconquista. Digno de nota da influência do desenvolvimento das armas na mudança da mentalidade guerreira é o fato de, na batalha do Salado, aparecerem pela primeira vez as bombardas — máquinas de guerra com que se arremessavam grandes blocos de pedra (também conhecida como tron) (RUCQUOI: 1995, p. 241).
A guerra passava gradativamente a servir como instrumento de trabalho, tanto a fabricantes de armas quanto de armaduras. A batalha do Salado é uma espécie de epílogo dessa mentalidade cavaleiresca-cruzada de que as ordens hierosolimitanas foram protagonistas. Praticamente foi uma das últimas vezes que assistimos na Península a guerra ser travada sem os determinantes técnicos e econômicos que a idade moderna consagrou. Portanto, o Salado ainda não pode ser considerado uma guerra moderna, tal qual a entendo hoje (ANCONA: 1989, p. 371).
É neste contexto de transformação — tanto do material disponível quanto da mentalidade bélica — que se deu a batalha do Salado. Neste aspecto, a ideologia social defendida pelo cronista-refundidor estava em franco processo de esfacelamento. Com efeito, a revolução de 1383-1385 em Portugal enterrou definitivamente o projeto político do cronista, quando novos atores sociais a “arraia miúda” participaram decisivamente na construção da nova dinastia, de Avis.
*
A ofensiva cristã promovida por Afonso XI de Castela fez com que Muhammad IV de Granada apelasse para o Marrocos. Uma nova dinastia emergente — merínidas, uma dinastia berbere de Fez que reinou no Marrocos de 1196 a 1464, substituindo o poder Almôada — controlava a região, anexando outros reinos berberes do norte da África (KRUS: s/d, p. 133). Tinha como grande líder e comandante militar o sultão Abu-Hasan’ Ali (1331-1351).
Seus olhos voltaram-se para a Península. Em 1333, Abu-l-Hasan’ Ali retomou Gibraltar para o mundo muçulmano. Apesar de o papa João XXII garantir uma nova pregação de cruzada, em 1334 Afonso XI de Castela fez uma trégua com Yusuf I de Granada (HOUSLEY: 1995, p. 279). Com o final do pacto de não agressão, as hostilidades reiniciaram.
Em 30 de junho de 1340, forças marroquinas merínidas comandadas por Abu-l-Hasan’ Ali invadiram a Península, unindo-se com as de Yusuf I — nas duas crônicas consultadas, Abu-l-Hasan’ Ali é chamado de Almafacem, Albofacem ou Albohacem. Após quatro meses do desembarque, fizeram cerco a Tarifa, quando uma coalizão cristã composta por Portugal, Castela e Aragão, veio em auxílio dos sitiados. O corpo português era composto quase que exclusivamente da cavalaria. Calcula-se numericamente em aproximadamente 1.000 lanças (4.000 a 5.000 homens). A batalha foi travada às margens do rio Salado (30.10.1340), na Andaluzia. Na formação dos exércitos, Afonso XI de Castela postou-se à direita das forças cristãs, avançando pelo rio contra as forças marroquinas-merínidas (SELVAGEM: 1991, p. 123).
Coube a Afonso IV de Portugal o confronto com forças em sua maior parte granadinas. Os portugueses lutaram à esquerda: “Os reis cristãos houverom seu acordo que fossem partidos em duas partes: el rei de Castela pela riba do mar, el rei de Portugal per antre as montanhas e o campo (...) Os reis partirom-se ali, e uu foi a destro e o outro a seestro” (MATTOSO, 1980, p. 243). Após várias horas de luta, os Muçulmanos, mesmo numericamente superiores, foram derrotados (MARQUES: 1987, p. 500).
Segundo a Crónica de Don Alfonso el Onceno — que obviamente se preocupa muito mais em descrever os acontecimentos do lado castelhano — os cruzados, após a debandada muçulmana, como de hábito, mais uma vez realizaram uma chacina, matando crianças e mulheres: “...muchos Christianos se pararon en los reales de los Moros a matar et a cativar los Moros del Rey Albohacen, et las mugeres, et los mozos pequeños, et a robar grandes averes de oro et de plata que y fueron fallados.” (SÁNCHEZ-ALBORNOZ: 1986, p. 507).
Entre os cativos, encontrava-se o filho mais velho do sultão Abu-l-Hasan’ Ali, Abohamar e seu sobrinho (“fijo de su hermano Abohali, que fue Rey de Sujulmenza”). Foram mortas esposas muçulmanas e cristãs, além de outra esposa do sultão, a filha do rei de Túnis, Tunecia Hatima (“...la más honrada que él avía”).
Os cristãos ainda mataram sua irmã, de nome Homalfat, dois filhos seus ainda pequenos e três escravas alforriadas. O cronista castelhano termina o massacre louvando Deus pelo pequeno número de cristãos mortos, afirmando que: “Et Dios que fue vencedor en esta sancta lid tovo por bien que nom moriesen y más de quince a veinte Christianos de los de caballo, que morieron en el comienzo de la pelea; et de los Moros fueron y mortos et cativos muchos dellos (...) et fueron y muertos et cativos otros muchos moros de grandes solares et muy poderosos.” (SÁNCHEZ-ALBORNOZ: 1986, p. 508).
É importante frisar que todas as manifestações do maravilhoso cristão contidas na fonte portuguesa não são corroboradas pela fonte castelhana. Muito pelo contrário, nesta última não existe nenhuma hierofania presente no acontecimento, como veremos adiante a respeito da narrativa do Salado contida no Livro de Linhagens. A Crónica de Don Alfonso el Onceno é mais “crua” e direta, tanto em suas informações quanto em seus comentários sobre a batalha.
Do lado português, a vitória cristã foi realçada pelo cronista-refundidor ao afirmar que era grande o número de muçulmanos presentes na luta. Os campos, vales e montanhas, cheios de mouros, deram-lhe a impressão que nem em “todo Africa nem em Asia” poderiam existir tantos cavaleiros muçulmanos (MATTOSO: 1980, p. 243). A vitória cristã no Salado acabou com as pretensões do Islã — pelo menos a curto prazo — de recuperar os territórios perdidos para os reinos cristãos.
Conquanto a derrota muçulmana-merínida não se compare com os retrocessos muçulmanos dos séculos anteriores, o fato é que, visto em retrospecto, a vitória cristã no Salado foi decisiva para a fase final da Reconquista, pois inibiu os merínidas de novas intervenções na Península (HOUSLEY: 1995, p. 280). Salado foi a última grande batalha na Península onde os portugueses enfrentaram os mouros, o paradigma de uma mentalidade guerreira de cunho religioso com base ideológica nas ordens militares.
Embora numericamente os exemplos de personagens portugueses mortos nas guerras santas tenham sido menores do que nas guerras com Castela (MATTOSO: 1987, p. 367), o fato é que, na primeira metade do século XIV, o ideal de cruzada ainda ativava o imaginário cavaleiresco dos nobres guerreiros lusitanos, relembrando velhos feitos passados frente ao inimigo maior: o mouro. Uma exortação célebre de Afonso IV momentos antes da batalha do Salado bem mostra este ideal:
Meus naturaes e meus va//ssalos, sabedes bem em como esta terra da Espanha foi perduda por rei Rodrigo e ganhada pelos Mouros, e em como outra vez entrou Almançor, e em como os vossos avoos, donde descendedes, por gram seu trabalho e por mortes e lazeiras ganharom o reino de Portugal. Em como el rei dom Afonso Anrequiz, com que a eles guanharom, lhis deu honras e coutos e liberdades e contias por que vivessem honrados, e nom tam solamente fez esto a eles, mais por a sua honra dava os maravedis aos filhos que jaziam nos berços, e os padres serviam por eles; em como os reis, que depos el veeram, aguardarom esto. Eu, depois que viim a este logo, fiz aquelo que estes reis fezerom; e, se algua cousa i há pera emendar, eu o corregerei se me Deus daqui tira. (MATTOSO: 1980, p. 243)
Neste trecho, observamos o sentido nobiliárquico do cronista-refundidor. Seus escritos possuem público certo: a nobreza peninsular. Ela deveria ser novamente unida através da fraternidade de armas. A terra — seu grande elo de ligação — também era seu patrimônio hereditário (SARAIVA: 1971, p. 15). Afonso IV, em seu chamamento, trouxe de volta velhas lembranças das cruzadas de Reconquista. A ideologia senhorial e o ideário dos cavaleiros resumidos neste discurso, dão continuidade ao ideal de Reconquista, agora relido na idéia de cruzada (SARAIVA: op. cit.).
Pela intensidade com que resume o espírito e as motivações da nobreza portuguesa das vésperas da revolução de 1383, António Saraiva chega a comparar o discurso de Afonso IV ao de Péricles aos atenienses, durante a guerra do Peloponeso (433-404 a.C.) (TUCÍDIDES: 1987, p. 77-80). O sentido de unidade religiosa, que excluía o “outro” de seu espaço cultural (TODOROV: 1993, p. 12), fincou raízes em terras lusas e permaneceu como um dos motivos ideológicos formadores da nacionalidade portuguesa.
A invasão marroquina-merínida de 1340 e a vitória cristã na batalha do Salado foi o paradigma bélico dessa idéia guerreira em terras peninsulares. Como afirma Erdmann, “salta aos olhos a semelhança (do Salado) com a batalha de Navas de Tolosa” (1212) (ERDMANN: 1940, p. 54). Neste aspecto, pode-se perfeitamente caracterizar a batalha do Salado como uma cruzada, a cruzada do Salado (HOUSLEY: 1995, p. 281). A invasão muçulmana de 1340 trouxe sentimentos distintos aos combatentes do Salado.
Segundo o cronista-refundidor, muitos cavaleiros acreditavam que era um castigo divino, como que para expiarem seus pecados. Outros pensavam que a multiplicação dos cavaleiros muçulmanos tinha uma explicação mágico-astrológica: “...porque os Mouros som grandes estrologos, que faziam parecença de fantasmas d’homees de cavalo, e nom eram tantos como pareciam. Estavam tam fremosamente ordinhados pera lidar que bem era de pensar que, posto que todos Espanhoes e Franceses e Alemaes e Ingreses ali estevessem, que haveriam lides pera VIII dias” (MATTOSO: 1980, p. 243).
O poder da astrologia não era exclusividade dos muçulmanos (astronomia e astrologia diferem entre si basicamente por um ponto: enquanto a astronomia trata da posição relativa e do movimento dos corpos celestes, a astrologia se auto-intitula a “arte de predizer acontecimentos na Terra mediante observação dos movimentos do Sol, Lua e demais corpos celestes.”).
Embora a astrologia tenha sido inicialmente condenada pela Igreja — que a considerava um conhecimento mágico que envolvia a interpretação dos astros — na Península Ibérica, desde o século VI, as obras de São Martinho de Braga (De correctione rusticorum) e Santo Isidoro de Sevilha (Originum seu Etymologiarum libri XX) arrolaram tais práticas.
Vários textos árabes sobre astrologia foram traduzidos para o castelhano, fazendo esta ciência ressurgir no século XIII (SANTOS: 1996). Ela passou então a ser valorizada na cultura cristã como uma ciência erudita e especulativa do futuro (Ciencia Iuditiorum Estelarum) — magia natural proveniente de Deus.
Em Portugal, a arte do agouro não era desconhecida. Tanto o Livro do Deão (escrito entre 1337 e 1340) quanto o Livro de Linhagens falam a respeito de um tal Fernam Pires Farinquel, que “catou bem os agouros” (PIEL: 1980, p. 415). O prior da Ordem do Hospital D. Álvaro Gonçalves também era possuidor deste tipo de conhecimento divinatório. Seus conhecimentos de astrologia eram famosos na época. O cronista Fernão Lopes afirma que o prior tinha demoradas práticas com um mestre-pedagogo astrólogo de nome Tomás (FERNÃO LOPES: 1983, p. 10).
Como existiam grandes tratados árabes sobre a astrologia, é possível que o estreito contato das ordens militares hierosolimitanas com o mundo muçulmano tanto na Palestina quanto na Península tenha favorecido esta prática no alto escalão da hierarquia hospitalária. Esta sabedoria mágica de D. Álvaro também é demonstrada na batalha do Salado. Segundo o cronista-refundidor, durante o combate, quando os cristãos se encontravam numa situação delicada, três cavaleiros desesperados foram ao seu encontro — aqui talvez uma alusão cristã aos três reis Magos — e perguntaram-lhe: “Senhor, que fazedes? Os cristãos estam em perdiçom, assi como veedes, si Deus i nom pom outra salvaçom. As azes de coinha e do corral e cinque mogotes estam folgados, e nom é cousa que, como veerem a lidar, os possade sofrer. A Vera Cruz nom teedes aqui?” (MATTOSO: 1980, p. 247)
O prior se preocupou, pois tinha vaticinado a Afonso IV a vitória cristã graças à bem-aventurada Santa Vera Cruz. Quando o fim do dia se aproximou e o combate já estava decidido a favor dos portugueses, o cronista-refundidor mais uma vez deu a contenda um caráter maniqueísta: “Os Mouros virom que seu feito ia pera mal de todo. Disserom que seu Mafomede (Maomé) nom havia poder pera os defender. Ali começarom de fugir...”. Nesse embate universal pela conquista das almas, o vaticínio do prior hospitalário foi asseverado quando da vitória final: “Aqui se cumpriu o que disse o priol dom Álvaro de Pereira a el rei dom Afonso, que el, pela Santa Vera Cruz e pelos nobres fidalgos, havia de vencer primeiro.”
Os poderes mágico-astrológicos de cristãos e muçulmanos estavam a serviço de seus credos. Eles eram mais um instrumento confirmador das ortodoxias em luta. Mesmo no momento da derrota muçulmana, a astrologia era posta a serviço das ações militares. Ao ver suas forças batendo em retirada, o sultão Almofacem lamentou a má sorte e clamou aos céus a perda de seu prestígio: “Ai, Deus poderoso, ai Deus vencedor! Porque desamparasti este velho, coitado de pressa de mezquiidade, coberto de mingua de vergonha sobre todolos reis do mundo? Ai velho, hoje perdiste o teu nome que havias em toda Eiropa, em toda Africa, e em Asia. Lançava as mãos da barva, que tiinha muii longa e cãa, e messava-a toda e dava grandes feridas em seu rostro.” (MATTOSO: 1980, p. 184-187 e 249-250).
Ciente da gravidade da situação, o comandante turco Alcarac sugeriu ao sultão Almofacem que se retirasse do combate e fosse escoltado para Algeciras, no reino de Granada (KRUS: s/d, p. 134). O rei não concordou, e resolveu tentar uma última investida contra as forças cristãs, baseando-se mais uma vez nos astros: “Alarac, sabe que as costulações do ceo das pranetas, e as bõas ventuiras e as maas destas costulações nacem pelo poderio que lhis Deus ordinhou. E se ora houvemos maa costaalaçom, have-la-emos bõa. Estes cristãos veem desacaudelhados e teem que já nom podemos tornar a eles. Segue-me, Alcarac, e nom me desempares, e tornemos aa lide.”
A interpretação da conjunção astral deu forças ao rei muçulmano para tentar mais uma derradeira ofensiva. Mas antes, fez uma exortação aos seus, conclamando-os ao último ataque:
Senhores, nembre-vos que eu soo vosso rei Almafacem, aventurado e vencedor de todalas lides que fiz. (...) Sabedes que a Espanha foi de vossos avoos. Estes cristãos perros, que vo-la teem forçada, nom parecerom hoje em campo XIII mil cavaaleiros, e muitos deles som mortos e som fora de força, por o gram trabalho que hoje houverom. Nom percades as famas de bondades de cavaleria que sempre houvestes (...) E disse Mafomede, Mafomede, nom desampares os teus! (MATTOSO: 1980, p. 250-251)
No entanto, a vitória cristã já estava assegurada. Sabendo disso, o comandante mouro Alcarac dissuadiu o sultão Almofacem deste ataque suicida. “Senhor, nom é hoje o dia vosso (...) ca nom não queremos que aqui moirades...”. O cronista-refundidor dá voz aos muçulmanos, para que estes comentem entre si sua derrota. Neste olhar entre culturas, são arroladas diversas explicações, todas de cunho mágico e maravilhoso envolvendo a cruz do Santo Lenho, guardada pela Ordem do Hospital. Neste momento, acredito que nosso cronista-refundidor cria um elo imaginário idealizado entre a vitória cristã e a presença da ordem hierosolimitana na batalha.
Como veremos, sem a cruz mágica, a vitória muçulmana seria certa. É essa a opinião que se credita aos mouros. Sua presença deu forças às hostes cristãs e permitiu seu crescimento justamente nas horas em que se encontravam em maior desvantagem. Além do que, como vimos, o prior D. Álvaro predisse que a vitória de Afonso IV seria graças às forças emanadas da “Santa Vera Cruz”. Ela foi o centro irradiador do espírito cruzado vencedor no Salado.
Segundo a narrativa do cronista-refundidor, logo no início da batalha do Salado, o comandante mouro Alcarac, reconhecendo os cavaleiros hospitalários presentes e temendo que estes se organizassem numa az de curral, ordenou que suas hostes formassem uma az de cunha. O cronista-refundidor então discorre sobre tais táticas de guerra, demonstrando grande respeito pelo poder bélico da Ordem do Hospital, pois os hospitalários “lidam com o poder dos Turcos”.
Na Idade Média, az era a unidade de combate (az — do latim acies: exército romano formado na linha de batalha. O termo é encontrado na obra de Júlio César, De bello Gallico (I, 51, 1) (CARCOPINO: s/d, p. 233-372). Correspondia aproximadamente de 700 a 1.000 lanças — 2.100 a 3.000 homens (MARQUES: 1987, p. 342).
A formação muçulmana (az de cunha) era uma forma triangular com a ponta para a frente, justamente com o objetivo de desfazer a az de curral hospitalária — formação defensiva em forma de quadrado que tinha como intuito reorganizar as forças dispersas no campo de batalha. Como a guerra medieval tinha como principal característica a falta de uma coordenação perfeitamente hierarquizada entre os cavaleiros (PRESTWICH: 1993, p. 55), os monges hospitalários preenchiam um importante função tática com a az de curral no campo de batalha: dar um sentido organizacional aos seus comandados.
O movimento da az de curral consistia num rápido desmonte dos cavaleiros e em seguida sua organização em pé em forma de quadrado ou retângulo. Pode-se designá-la conceitualmente como umacavalaria desmontada. Caso o inimigo atacasse esta formação, a derrota era quase certa (MARQUES: 1987, p. 342). A disciplina necessária para este movimento bélico era realçada pela tradicional forma de ataque da cavalaria cristã: o impulso desordenado. Desafeito à disciplina e à ordens de comando, o cavaleiro medieval considerava o avanço impetuoso e desorganizado como símbolo de coragem e honra (MARQUES: 1987, p. 342).
Assim, o corpo de cavaleiros das ordens militares, além de oferecerem seus serviços praticamente em tempo integral — uma espécie de corpo de elite cavaleiresco — tornavam-se o grupo medieval de cavalaria mais coeso e disciplinado em campo de combate. O mouro Alcarac bem o sabia. E, ao que parece, exatamente pela necessidade de contar com cavaleiros treinados e disciplinados, a az de curral era uma especialidade dos hospitalários: “E aquel mouro Alcarac, polo que já vira no ordinhamento das lides que faziam os cavaleiros hospitaleres, que sempre faziam a az do curral, temendo-se que os cristãos fezessem este ordinhamento daaz do curral, ordinhou estas duas azes de coinha pera a fenderem.”
Em outros momentos, a descrição da batalha comenta as duas formações táticas dos cristãos: azes de cunha e curral. Ao que tudo indica, os cavaleiros da Ordem do Hospital presentes no combate utilizaram a az de curral, enquanto que os outros fidalgos portugueses a az de cunha. Dessa forma, ao ressaltar a az de curral, o cronista-refundidor atribui a vitória cristã no Salado, em que pese sua inferioridade numérica (“E assi estavam os campos e vales e montanhas cubertas deles — mouros”), ao seu melhor preparo estratégico, onde os cavaleiros hospitalários desempenharam importante e decisivo papel.
*
Encontraram-se no Salado duas visões teológicas de mundo que aspiravam à totalidade: cristianismo e islamismo. Com todas as suas cargas estruturais e sistêmicas — ambas sincrônicas e autônomas em relação às suas respectivas sociedades (ELIADE: 1995, p. 18) — as duas religiões pretendiam moldar o vivido, rematerializando-o sacramente. Enquanto o Islão já era nesse momento uma religião estatal, o cristianismo afirmava-se universal, acima de reis e imperadores. O papado, desde Inocêncio III (1198 — 1216), exercia, pelo menos em teoria, o que a Igreja chamava de plenitudo potestatis— a plenitude do poder. Nesta perspectiva teológica globalizante, ambos os lados viam-se maravilhosamente.
Entendo o maravilhoso como um “...conjunto das representações que exorbitam do limite colocado pelas constatações das experiências e pelos encadeamentos dedutivos que estas autorizam.” (PATLAGEAN: 1993, p. 291). É um dos pilares do sistema de representações de um período, seja ele “verbal ou visual, filosófico ou estético, intelectual ou emocional” (GREENBLATT: 1996, p. 40). Dessa forma, os limites entre o real e o imaginário variam conforme as experiências coletivas e individuais, ocupando diferentes lugares em cada cultura, em cada indivíduo, e, por esse motivo, sujeitando-se às variáveis cronológicas, espaciais e mentais.
No entanto, o maravilhoso insere-se dentro da perspectiva da ideologia; seria mesmo uma das manifestações da ideologia. As representações do maravilhoso estão contidas na perspectiva social do indivíduo ou grupo que o atesta, seja manifestação pessoal ou coletiva, esta última o próprio caso do maravilhoso expresso na batalha do Salado. Seu registro escrito passa pelos filtros do narrador e de que posição social narra. A ideologia maravilhosa cria identidade de grupo e faz com que este passe a agir coletivamente. Esta é uma das funções da ideologia (CALLINICOS: 1987, p. 135).
No caso do Salado, como veremos, as manifestações da hierofania fizeram com que os guerreiros cruzados sentissem suas forças revigoradas e mudassem o curso do combate. Este momento histórico é um período em que os historiadores das mentalidades e do imaginário afirmam ter ocorrido uma estetização do maravilhoso (LE GOFF: 1990, p. 21). Houve uma diversificação do sobrenatural, que redimensionou estas expressões visuais fantásticas dentro do universo da religião cristã. Esta imaginação mágica teve na Idade Média uma época privilegiada para a sua propagação. O campo de batalha medieval afigurou-se um novo teatro abençoado do exercício militar (LE GOFF: 1994, p. 275). Nele irromperam miraculosus — o milagre propriamente cristão (LE GOFF: 1990, p. 22).
A narrativa do Salado está recheada de passagens que confirmam estas manifestações maravilhosas. Segundo os especialistas, esta auréola maravilhosa que cerca a narrativa do combate do Salado faz com que o texto seja dotado de uma certa ambigüidade, um duplo sentido (real/imaginário) que, no entanto, não invalida seu sentido realístico (SARAIVA: 1971, p. 01).
A visão que o cronista-refundidor do Salado tem dos mouros é o olhar cristão do “outro”. Esse olhar é, sobretudo, o do cruzado, e, como vimos, muito provavelmente o do monge-cruzado (SARAIVA: 1988, p. 157). Os diálogos que nos foram legados pelo cronista-refundidor do título XXI estão recheados de maravilhas cristãs, que são afirmadoras da verdadeira fé. E o mais inusitado: o miraculosusfoi visto e comentado por muçulmanos, mas através do olhar de um cristão. Explica-se: o cronista-refundidor que narra a batalha é cristão, e ele faz o “outro” falar: “E vi estes Portugueses assi revolver a lide e ferir tam estranhamente que semel[h]avam diaboos do inferno”.
Muito provavelmente, estas são representações do imaginário muçulmano que faziam parte do universo dicotômico e cruzadístico do cronista-refundidor. Em outras palavras, nestas passagens deparamo-nos com um cristão imaginando o que se passava na mente dos muçulmanos derrotados. Ao dar voz ao outro lado, nosso escritor anônimo deu-nos a oportunidade de entrar em contato com uma projeção idealizada que a mentalidade cruzadística dos quatrocentos fazia dos muçulmanos.
Uma das imagens da guerra cruzada foi a do maravilhoso cristão; ele possui amplo espaço nas crônicas da época. A forma como ele se manifesta, como a guerra, é também um produto cultural (LE GOFF: 1990, p. 25). O contato entre culturas que a guerra proporcionou trouxe imagens que distorceram a realidade, tornando concretas novas atitudes perante o “outro”, mas com objetivos bem específicos. Um deles foi o da afirmação cristã. Mostrar a superioridade do cristianismo obtida no campo de batalha, palco maior das decisões divinas. Mostrar que Cristo era superior a Maomé. A vitória no Salado é um momento escatológico. Uma batalha decisiva como esta é como um feixe de luz que ilumina as trevas (DUBY: 1993, p. 165).
Mas o maior paradigma maravilhoso e cruzadístico do Salado está intimamente ligado à Ordem do Hospital. Trata-se da Santa Cruz do Marmelar, ou Santo Lenho, guardada em Portugal por esta ordem militar e trazida para o campo de batalha a pedido do rei Afonso IV. Também presente na crônica da Conquista de Lisboa aos mouros em 1147, a Santa Cruz do Marmelar teria sido “trazida do Além mar, onde no confronto com os Infiéis, passara muitos perigos e feitos de armas” (KRUS: s/d., p. 135) por Afonso Pires Farinha, mestre em Portugal da Ordem do Hospital e um dos grandes auxiliares e confidentes de Afonso III (MATTOSO: 1986, p. 163).
A Ordem então edificou, por volta de 1268, o mosteiro de Santa Cruz do Marmelar para servir de monumento depositário da relíquia. Em seu derradeiro testamento, D. Dinis mandou restituir aos hospitalários da Igreja do Marmelar a santa cruz que havia tirado para uso próprio, afirmando “ca nom filhei senon por devançam que em ela havia, e com entençom de a fazer tornar u ante sia” (SOUZA: p. 100). A Crónica da Tomada de Ceuta provavelmente também se refere à relíquia do Santo Lenho. Antes de morrer, a rainha Filipa “mandou trazer ua cruz daquele verdadeiro pao em que Nosso Senhor padeceu e partiu-o em quatro partes segundo os quatro braços que estão na cruz e deu a cada um dos infantes seu braço, e o quarto guardou para el-rei seu Senhor” (SARAIVA: 1988, p. 239).
Mas volto ao Livro de Linhagens. Segundo o cronista-refundidor — em mais uma construção genealógica falsificada com os mesmo objetivos de ligação Ordem do Hospital-família dos Pereiras — Afonso Pires possuía parentesco com a linhagem dos Pereiras através de sua bisavó, Elvira Froiaz de Trastâmara, tia de D. Gonçalo Rodrigues de Palmeira — na verdade, a bisavó de Afonso Pires Farinha teria sido Maria Anaia (KRUS: op. cit., p. 135).
De qualquer modo, a cruz do Marmelar teve, tanto no Salado quanto na tomada de Lisboa, uma função unificadora típica dos objetos que se tornam símbolos nos fenômenos mágico-religiosos (ELIADE: 1993, p. 355 e 368). A alegoria simbólica da presença da Santa Cruz do Marmelar na Batalha do Salado — e na Conquista de Lisboa aos mouros em 1147 — também pode ser interpretada através daestaurologia (parte da Teologia que trata da simbologia da cruz nas Sagradas Escrituras).
A cruz é madeira transformada pela mão do homem: ela mescla o símbolo cristão da árvore (árvore/lenho/madeiro). Na tradição bíblica pode significar tanto a vida e morte (Gn 2,16-17) quanto o conhecimento (Gn 3,22) e a cura (Ap, 22,1-2). A própria alegoria da cruz cristã anuncia a boa nova: enquanto na tradição judaica a dualidade cruz-árvore é um símbolo da maldição (Dt,21,22), no Novo Testamento ela é o cerne da mensagem cristã (1Cor,18,22), e do poder de Deus (Gl,6,14).
Lendas cristãs acreditavam que, do madeiro da árvore do conhecimento do Paraíso, foi construída a cruz de Cristo; no Gólgota, a cruz de Cristo teria sido erguida no cepo da árvore do conhecimento (HEINZ-MOHR: 1994, p. 35).
Dentre os três significados para a cruz descritos acima, a presença da Cruz do Santo Lenho em campo de batalha (tanto em Lisboa quanto no Salado), foi redimensionada dentro da perspectiva cruzadística. Ela pode ser interpretada alegoricamente como instrumento de vida e morte, um elo com os desígnios de Deus: as forças guerreiras irradiadas a partir do Lenho no Salado possuem ligação direta com os freires encarregados de transportá-la. A Ordem do Hospital, guardadora do Lenho, teve um papel preponderante na impregnação desta mentalidade mágica cruzada (MATTOSO: s/d, p. 257). Na narrativa do cronista-refundidor é enfatizado o momento da entrada no campo de batalha da cruz do Marmelar, trazida por freires hospitalários: "Disse (Afonso IV) [a] dom Álvaro Gonçalvez de Pereira, prior da Ordem da cavalaria de Sam Joham no reino de Portugal, que fezesse mostrar a Vera Cruz do Marmelar que lhi el mandara trager. E o prior dom Álvaro de Pereira mandou vestir uu crerigo de missa em vestimentas alvas, e a Vera Cruz em ua hasta grande, que a podessem veer de todas partes, e fez o crerigo cavalgar em uu muu muito alvo e trouxe a Vera Cruz ant’el rei..." (MATTOSO: 1980, p. 244)
A cruz do redentor venerada em Santa Cruz do Marmelar, era a “mais preciosa relíquia de todas” (MATTOSO: s/d, p. 257), e estava sob a guarda dos hospitalários portugueses. Isso bem demonstra o grau de sacralidade que envolvia a Ordem e sua relação direta com a eficácia cristã na guerra contra os mouros. O ato narrado também sugere-nos uma crença na sacralidade mística das práticas religiosas que precediam o momento de uma batalha cruzada.
Assim como na analogia que fiz entre a tomada de Jerusalém de 1099 e o cerco de Lisboa de 1147, em muitos aspectos esta passagem da narrativa do Salado também lembra um episódio passado na Primeira Cruzada, conhecido como Santa Lança — a mesma que tinham perfurado a costela de Cristo na cruz (“Chegando a Jesus e vendo-o já morto, eles não lhe quebraram as pernas, mas um dos soldados traspassou-lhe o lado com a lança e imediatamente saiu sangue e água" (Jó, 19, 33, 34).
É interessante observar que esta passagem — origem da lenda do Santo Graal (José de Arimatéia teria colhido com o cálice da Última Ceia este sangue de Cristo — só consta do Evangelho de João. Mateus, Marcos e Lucas não nos dizem nada a respeito do soldado e da lança. Este símbolo do sofrimento divino foi revelado em sonhos e visões por Santo André a um pobre camponês que acompanhava a expedição de nome Pedro Barthélemy.
Após um aviso premonitório — um meteoro que pareceu ter caído no campo turco — um fragmento da lança foi encontrado sob as lajes de uma Igreja em Antioquia, e incutiu nas hostes cruzadas um fervor inusitado para a luta. Este acontecimento é relatado pelo cronista Raimundo de Aguillers, que acreditou inteiramente em Pedro Barthélemy, em sua obra Historia Francorum qui ceperunt Jerusalem(RUNCIMAN: 1983, vol. I, p. 234).
A veracidade das visões do camponês foi posta em dúvida mais tarde tanto por cruzados quanto pelo enviado papal, Ademar de Le Puy. Mas o que me interessa aqui é a eficácia da crença no momento de sua anunciação, plenamente realizada em meio aos guerreiros cruzados. No Salado, a Cruz do Marmelar teve um efeito semelhante. Momentos antes da luta, Dom Álvaro Gonçalves portou-se como um autêntico líder cruzado, ao pedir pela fé em Cristo que seu povo fosse o vencedor daquela contenda maniqueísta: “Senhor, vedes aqui a Vera Cruz. Orade-a e poede em ela feuza e pedide-lhi que aquel que prendeu morte e paixom em ela por vos salvar, qu’el (?) vos faça vencedor destes que som contra a sua fe. E nom dultedes que, pela sua vertude e por os boos fidalgos vossos naturaes que aqui teedes, havedes de vencer estas lides, e vós havedes de vencer primero.” (MATTOSO: 1980, p. 244)
Este papel de exortação guerreira era função dos líderes hospitalários. Assim como D. Álvaro, outro hospitalário, frei Guérin, eleito de Senlis, mais de cem anos antes esteve em outra batalha, a de Bouvines (1214), com esta mesma função. Segundo o cronista então presente, Guilherme, o Bretão, o frade professo do Hospital, além de “homem sábio e maravilhoso na previsão das coisas futuras”, estava no campo de guerra “...armado, não para combater, mas para admoestar e exortar os barões e os outros cavaleiros em prol da honra de Deus, do rei e do reino, e da defesa de sua própria integridade” (DUBY: 1993, p. 60).
Também no Salado, D. Álvaro predissera a vitória graças à santa cruz. Sua entrada no campo de batalha trouxe as energias guerreiras necessárias ao triunfo cristão (KRUS: s/d, p. 136). O discurso do prior hospitalário renovou as forças dos cruzados portugueses:
El rei e aqueles que com ele estavam forom mui ledos e esforçados destas palavras do priol dom Álvaro, e dixerom: <<Assi o compra Jesus Christo.>> E fezerom sua oraçom a Vera Cruz muito homildosamente (...) Os Portugueses andavam per a lide ferindo e derribando, e diziam uus contra os outros: <<Senhores, este é o nosso dia, em que havemos d’escrarecer, e este é o dia da salvaçom de nossas molheres e filhos e daqueles que de nós decenderem. E este é o dia em que havemos semelhar nossos avoos, que ganharom a Espanha. Este é o dia da salvaçom das nossas almas; nom se perca hoje per nossa fraqueza. Feiramo-los de toda crueldade>> (MATTOSO: 1980, p. 245)
Sempre relacionando o presente com o passado glorioso da Reconquista, o cronista-refundidor atribui à Santa Cruz a divindade guerreira carismática da cavalaria cristã. Como relíquia cristológica, ela mediatizava os guerreiros eleitos para este combate final (KRUS: s/d, p. 136). São descritos vários momentos do combate (“Ali se renovou a lide mui doorida de crueza e de sanha.”), quando então os cristãos passam por dificuldades. É elaborada uma dicotomia narrativa opondo o silêncio dos cristãos (“As vozes deles eram baixas e tam mudadas que se nom entendiam uus a outros...”) ao turbilhão sonoro das hostes muçulmanas:
E os gritos deles e das trombas e anafiis e d’altântaros e atavaques e gaitas assi reteniam que parecia que as montanhas se arreigavam de todas partes. Esta hora foi aos cristãos d’escoridõe, d’amargura, de gimidos. E diziam contra Jesu Cristo: <<Senhor, porque entraste no ventre da Virgem Maria e naciste dela, e foi virgem ante parto e depois parto? (MATTOSO: 1980, p. 251)
A utilização de sons escatológicos em campo de batalha era uma característica do modo muçulmano de se fazer a guerra, introduzida na Península com a invasão almorávida. Esta dicotomia silêncio x som, uma das formas clássicas de oposição de um mesmo tema (CHEVALIER: 1995, p. 275), é desenvolvida pelo cronista-refundidor como uma espécie de prólogo-tensão ao clímax da narrativa, que se dá no segundo momento do aparecimento da Santa Cruz na batalha, novamente com a função de renovar as forças dos cristãos, que se encontravam em desespero.
A Santa Cruz do Marmelar é o ponto de convergência entre o Salado — momento crucial da Reconquista para os portugueses — e a Terra Santa — espaço simbólico de “comunicação entre o celeste e o terrestre” (KRUS: s/d, p. 136). O espaço físico do Salado torna-se sagrado, com um valor existencial de referência cristã: é o ponto fixo, centro do mundo (ROSENDAHL: 1997, p. 31).
Quando um cavaleiro, presumivelmente hospitalário, chegou ao campo de batalha com seus três criados “bem armados” e a Cruz do Santo Lenho, posta numa grande haste para que todos a vissem, as milícias estiveram em comunhão divina: a graça de Deus “era com eles”. Naquele momento, os cristãos sentiram-se “...valentes e esforçados come em começo da lide, e disserom a grandes vozes: ‘Senhor Jesu Christo, louvado é o teu nome, ca assi praz a ti. Senhor piedoso, que acorres a quem te praz, mantem-nos em estas forças que nos deste, ca hoje o teu nome seera espargudo e nomeado antre todas as gentes do mundo.” (MATTOSO: 1980, p. 251)
A presença da cruz insuflou o ardor belicista nos cristãos. Naquele momento, viram suas forças crescerem e “...mudou-se a aventura, que estava de choro [e de lagrimas e de gram lastima] e amargura a toda a cristaidade, e tornô-se em toda [ledice] (?) e em todo goivo. Os cristãos seguirom a Vera Cruz per u ia.” Os exércitos cristãos, “cobertos da graça da Vera Cruz”, viram suas forças físicas se renovarem. As espadas, antes “muito alvas”, cobriram-se de sangue que escorria pelas lorigas até os cotovelos, “pelos mui grandes golpes que se ali faziam”.
Mas a cruz do Marmelar não saiu de cena após a vitória cristã. O mouro Alcarac, ao explicar a derrota ao sultão Almofacem, afirmou que tinha visto coisas estranhas acontecerem durante a batalha:Senhor si, porque eu vi cousas estranhas e tam maravilhosas que por homees nom se poderia pensar.” Alcarac ressalta o “valor e a honra” da cavalaria portuguesa, mas credita seu sucesso à fatos mágicos ocorridos no campo de batalha. Segundo o cronista-refundidor, o mouro afirmou que os portugueses metamorfosearam-se em gigantes e seus cavalos eram maiores que camelos. Mais: um cavaleiro luso, “antressinado de sobressinais vermelhos el e o cavalo [de sobressinae]s de prata”, penetrou nas hostes muçulmanas carregando uma cruz que brilhava como o sol e lançava raios de fogo.
Este foi um momento de grande dor para os muçulmanos. Os portugueses vieram com todo ímpeto, seguindo o cavaleiro com a cruz do Marmelar. Graças à santa cruz, os cavaleiros portugueses estavam agora rápidos e certeiros nos golpes. O mouro Alcarac, vendo que o sultão Almofacem não acreditava em suas palavras (“Alcarac, nom posso creer taes cousas como me dizes, ca som contra natura...”), ainda afirmou que o cavaleiro com a “grande haste” trouxe a derrota para o árabes.
E asseverou: “Respondeu Alcarac: Senhor, nom dovidedes na verdade. E ainda mais, sabede que, como aquel cavaleiro pareceu com aquela grande hasta en’o cabeço que estava acima donde lidavades a vista dos vossos, que logo a essa hora forom vençudos (...) E se dovidades desto, pergunta[d’]estes cavaleiros muitos que aqui estam, que passarom todo. E os cavaleiros disseram que aquela era a verdade.” (MATTOSO: 1980, p. 253)
Considero estas manifestações físicas resultantes da aparição da Santa Cruz em campo de batalha contidas na narrativa do cronista-refundidor uma hierofania — algo de sagrado que se revela, algo de misterioso ligado à realidade que não pertence a este mundo (ROSENDAHL: op. cit., p. 27).
O cronista-refundidor, aceitando a hierofania do acontecimento, exprimiu-se através de um sentimento religioso de caráter não-venerativo, mas de adoração do sagrado como um momento de distinção do cotidiano. A Cruz do Santo Lenho se lhe revelou uma realidade sobrenatural, representando algo que simbolicamente está contido dentro de um espaço sagrado peninsular e cruzado (ELIADE: 1991, p. 35).
Além da hierofania, o que mais tornou esta força miraculosa vitoriosa frente ao Islã? A combinação Santa Cruz-Ordem do Hospital. Sem esta conexão mental de cunho apologético-cavaleiresco e messiânico criada pelo cronista-refundidor, as forças cristãs não seriam vencedoras. Trata-se de uma concepção providencialista das milícias peninsulares (KRUS: s/d, p. 137), da qual as ordens militares foram seu expoente bélico maior.
Através da pena do cronista-refundidor, a presença dos hospitalários na batalha, além de conferir ao Salado o status ideológico de cruzada — desde 1312 a Ordem do Hospital era a única ordem hierosolimitana na Península — criou uma estreita sintonia ideológica entre os hospitalários portugueses e a nobreza peninsular hispânica. Neste sentido, o título XXI do Livro de Linhagens, além de um documento de ideologia social, é também um manifesto programático (KRUS: op. cit., p. 140), que se utilizou da Ordem do Hospital como um instrumento político de coesão social nobiliárquica.
D. Álvaro e seus hospitalários representaram a Igreja em armas. Eles deram à Reconquista o tom impiedoso da guerra à outrance que marcou os cavaleiros cruzados até em seus momentos finais. O apoio da Igreja através das ordens militares deu um poderoso impulso à libertação da Península do Islã. A guerra santa também foi ali, nas “Espanhas”. Como no caso da Conquista de Lisboa aos mouros em 1147, a narrativa da Batalha do Salado contida no título XXI do Livro de Linhagens do Conde D. Pedro reporta aos ideais peninsulares de cavalaria, também sendo uma simbolização escrita de um acontecimento paradigmático.
Seguindo a mesma metodologia utilizada na crônica da conquista de Lisboa, inventariamos as palavras segundo sua quantificação no texto da batalha do Salado. A partir desta breve quantificação, num processo de categorização, fiz algumas classificações valorativas sobre a mensagem do cronista-refundidor (emissor do texto) que reforçam as teses desenvolvidas até aqui.
A palavra mais vezes citada, cavalaria (33), indica que a primeira intenção do cronista-refundidor era o enaltecimento da instituição da cavalaria, fosse ela cristã ou muçulmana — a palavra possui o mesmo número de citações tanto no contexto cristão quanto no muçulmano. A cavalaria deveria guiar os bons-homens. Sem este referencial social, o universo estabelecido, tal qual o cronista-refundidor o entendia, não teria significado.
Qual a relação feita no texto entre Deus e a cavalaria (um dos exemplos mais característicos dos textos cruzadísticos)? A cristandade possui a dádiva de possuir as graças divinas: o campo de batalha exprime Seus desígnios. A vitória cristã é explicada através desta associação perfeita: sua materialização se dá através da presença da Ordem do Hospital e a guarda da relíquia do Santo Lenho, trazida no momento crucial do combate. Na concepção do cronista-refundidor, Deus não abandona Sua cavalaria, Maomé sim.
Esta dor é exprimida na lamentação do rei Albofacem após a derrota: “Senhor, porque desamparaste o meu senhorio, que era têmedo (?) e guardado (...) Senhor, porque desamperaste a mea boa ventura, que sempre por ti houve em todalas lides que fiz? E porque desemperast[e] meus filhos (...) e mea nobre cavaleria...” Nesta passagem, o cronista-refundidor nos mostra o desamparo dos muçulmanos. Maomé os abandonou. A cavalaria cristã vence porque Deus não a abandona. Por esse motivo, a sociedade cavaleiresca perfeita se cristaliza no Salado: através da vitória sobre os muçulmanos e na união Santo Lenho-Ordem do Hospital.
A dicotomia cristão-muçulmano está em claro destaque. O mesmo número de vezes que as duas palavras são citadas indica a disposição do enunciador de tornar claro o embate das duas concepções religiosas, cada uma em busca de uma supremacia. Esta dualidade cristão-muçulmano expressa pelo cronista-refundidor no texto pode dar-nos uma abertura para um novo agrupamento de palavras dentro do processo de categorização.
Embora o cronista-refundidor seja cristão — e provavelmente membro da Ordem do Hospital — o maior número de palavras citadas são relativas ao mundo muçulmano. Nobres (reis e príncipes) ou mesmo as divindades (Deus ou Maomé) são mais citadas do que personagens cristãos, além de diálogos inteiros entre personagens muçulmanos onde os cristãos não tomam parte ativa, sendo utilizados como motivo do discurso.
Assim, o texto aponta para o seu oposto. Ao abrir um espaço tão significativo para o “outro lado” do combate, o cronista-refundidor utiliza uma técnica chamada de euforização — admiração e enaltecimento do inimigo para que a vitória cristã seja ainda mais ressaltada. Isto fica claro no número de reis e príncipes muçulmanos citados (11), em oposição ao número de cristãos (04), ou nas citações de Deus (07) e Maomé (14).
Neste último item, a soma das citações de Deus (07) e Jesus Cristo (07) se iguala às citações de Maomé (14). O texto possui um padrão binário de pensamento; sua narrativa tem como preocupação básica o equilíbrio entre os dois mundos, com um eixo de oposição de forças proporcionais. Apesar de euforizar o universo muçulmano, o cronista-refundidor não perde a perspectiva da dicotomização do mundo conhecido, entre as forças cristãs e muçulmanas.
Em contrapartida, o destaque dado ao universo político de al-Andaluz, esta clara predileção pelos personagens muçulmanos faz com que se possa fazer uma esquematização ideológica desta oposição (SARAIVA: 1971, p. 02).
E como se inserem estes personagens na narrativa? Num estilo elegante e erudito (alatinado), o cronista-refundidor constrói um discurso dramatizado com passagens oratórias. Valendo-se de períodos longos, com construções enfáticas, o autor ressalta a importância dos ideais cavaleirescos através das ações dos combatentes cruzados de ambos os lados na freqüência bastante regular de adjetivos (“mouros mui esforçados e feridores”) e substantivos abstratos (honra, fiuza [fé], pecado, fraqueza, coragem [coraçom], crueldade, amor, bondade [“O priol do Hospital sempre deu muitos bons conselhos”]).
Seus personagens são tipos idealizados, num estilo panegírico imediatamente predecessor das biografias dos séculos seguintes. A narrativa da batalha possui pelo menos um fio condutor (o prior do Hospital D. Álvaro Gonçalves Pereira) um clímax (a vitória no Salado) e um desenlace (a morte de D. Álvaro). Este personagem monástico-cavaleiresco serve de ponto referencial para as várias seqüências narrativas que fazem parte do restante do título XXI do Livro de Linhagens. Posso supor que este novo modelo de narrativa criado pelo cronista-refundidor no Livro de Linhagens influenciou os cronistas portugueses do século seguinte. Os especialistas acreditam encontrar em Zurara o mesmo espírito literário do cronista-refundidor: a exaltação dos valores senhoriais, da cavalaria, a mesma concepção de história-biografia.
*
Fontes
Crónica Geral de Espanha de 1344. CINTRA, Luís Filipe Lindley (ed. crítica). Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 04 volumes, 1983-1991.
Livro de Linhagens do Conde D. Pedro (ed. crítica por MATTOSO, José). Lisboa: Publicações do II Centenário da Academia das Ciências, 1980, 02 volumes.
Narrativas dos Livros de Linhagens (sel. de MATTOSO, José). Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985.
Livros Velhos de Linhagens (ed. crítica por PIEL, Joseph e MATTOSO, José). Lisboa: Publicações do II Centenário da Academia das Ciências, 1980, volume I.
La España Musulmana — Según los autores islamitas y cristianos medievales. SÁNCHEZ-ALBORNOZ, Claudio (org.). Madrid: Espasa-Calpe, S. A., 1986, 02 volumes.
A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Edições Paulinas, 1991.
LOPES, Fernão. Crónica de D. João I. Primeira Parte, XXXIV. Apud. MARTINS, Oliveira. A vida de Nun’Álvares — História do estabelecimento da dinastia de Avis. Porto: Lello & Irmão — Editores, 1983.
MAQUIAVEL. A Arte da Guerra. Brasília: Editora UnB, 1994.
PEREIRA, Esteves (ed.). Crónica da Tomada de Ceuta. Lisboa: 1915, p. 126. Apud: SARAIVA, António José. A cultura em Portugal. Teoria e História. Primeira Época: a Formação. Lisboa: Gradiva, 1991, volume II.
TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1987.
Arab historians of the crusades. GABRIELI, Francesco (sel.). London: Routledge & Kegan Paul, 1984.
Conquista de Lisboa aos Mouros em 1147 — Carta de um cruzado Inglês. Lisboa: Livros Horizonte, 1989.
Bibliografia citada
ALVES, José da Felicidade. “Apresentação”. In: Conquista de Lisboa aos Mouros em 1147 — Carta de um cruzado Inglês. Lisboa: Livros Horizonte, 1989.
ANCONA, Clemente. “Guerra”. In: ROMANO, Ruggiero (dir.). Enciclopédia Einaudi 14. Estado — Guerra. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1989.
BALANDIER, Georges. O Poder em Cena. Brasília: Editora UnB, 1982.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1994.
CALLINICOS, Alex. Making History. London: Basil Blackwell, 1987.
CARCOPINO, Jérôme. Júlio César. Lisboa: Publicações Europa-América, s/d.
CARDOSO, Ciro Flamarion e BRIGNOLI, Héctor Pérez. Os Métodos da História — Introdução aos problemas, métodos e técnicas da história demográfica, econômica e social. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983.
CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT. Dicionário de Símbolos — mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, números. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1995.
CINTRA, Luís Filipe Lindley. “O Conde D. Pedro de Barcelos, autor da Crónica de 1344?”. In: CINTRA, Luís Filipe Lindley (ed. crítica). Crónica Geral de Espanha de 1344. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, volume I, 1983.
CONTAMINE, Philippe. War in the Middle Ages. New York: Oxford University Press, 1984.
DUBY, Georges. Heloísa, Isolda e outras damas no século XII. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1995.
DUBY, Georges. O Domingo de Bouvines — 27 de julho de 1214. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.
ECO, Umberto. Arte e beleza na estética medieval. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1989.
ELIADE, Mircea. Tratado de História das Religiões. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1993.
ELIADE, Mircea e COULIANO, Ioan P. Dicionário das Religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
ELIADE, Mircea. Imagens e Símbolos. Ensaio sobre o simbolismo mágico-religioso. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993, 02 volumes.
ERDMANN, Carl. A Idea de Cruzada em Portugal. Coimbra: Publicações do Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, 1940.
GREENBLATT, Stephen. Possessões Maravilhosas — o deslumbramento do Novo Mundo. São Paulo: Edusp, 1996.
HEINZ-MOHR, Gerd. Dicionário dos símbolos — Imagens e sinais da arte cristã. São Paulo: Paulus, 1994.
HOUSLEY, Norman. The Later Crusades — From Lyons to Alcazar (1274-1580). New York: Oxford University Press, 1995.
JOHNSON, Allan G. Dicionário de Sociologia. Guia Prático da Linguagem Sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
KEEGAN, John. Uma História da Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
KRUS, Luis. A concepção nobiliárquica do espaço ibérico (1280-1380) — Geografia dos Livros de Linhagens medievais portugueses. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, s/d.
LACOUTURE, Jean. “A história imediata”. In: LE GOFF, Jacques (dir.). A História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
LEACH, E. “Ritualization in man in relation to conceptual and social development”. In: “Philosophical Transactions of the Royal Society of London”, série B, CCLI, 772, p. 403-404. Apud. ROMANO, Ruggiero (dir.). Enciclopédia Einaudi 30. Religião — Rito. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1994.
LE GOFF, Jacques. O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente Medieval. Lisboa: Edições 70, 1990.
LE GOFF, Jacques (dir.). A História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
LE GOFF, Jacques. O Imaginário Medieval. Lisboa: Editorial Estampa, 1994.
LUKES, Steven. “Ritual Político”. In: OUTHWAITE, William e BOTTOMORE, Tom (ed.). Dicionário do Pensamento Social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996.
MAINGUENEAU, Dominique. Elementos de lingüística para o texto literário. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
MARQUES, A. H. de Oliveira. Portugal na Crise dos Séculos XIV e XV. Lisboa: Editorial Presença, 1987.
MARQUES, A. H. de Oliveira. Novos Ensaios de História Medieval Portuguesa. Lisboa: Editorial Presença, 1988.
MATTOSO, José. “Prefácio”. In: KRUS, Luis. A concepção nobiliárquica do espaço ibérico (1280-1380) — Geografia dos Livros de Linhagens medievais portugueses. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, s/d.
MATTOSO, José. Portugal Medieval — novas interpretações. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985.
MATTOSO, José. Ricos-Homens, Infanções e Cavaleiros — A nobreza medieval portuguesa nos séculos XI e XII. Lisboa: Guimarães Editores, 1985.
MATTOSO, José. Identificação de um país — ensaio sobre as origens de Portugal (1096-1325). Lisboa: Editorial Estampa, 1986, 02 volumes.
MATTOSO, José. Fragmentos de uma composição medieval. Lisboa: Editorial Estampa, 1987.
MATTOSO, José. A nobreza medieval portuguesa — A Família e o Poder. Lisboa: Editorial Estampa, 1987.
MATTOSO, José. A escrita da História — teoria e métodos. Lisboa: Editorial Estampa, 1988.
MATTOSO, José (dir.). História de Portugal — Antes de Portugal. Lisboa: Editorial Estampa, volume I, s/d.
MATTOSO, José (dir.). História de Portugal — A Monarquia Feudal (1096- 1480). Lisboa: Editorial Estampa, volume II, s/d.
OUTHWAITE, William e BOTTOMORE, Tom (ed.). Dicionário do Pensamento Social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996.
PATLAGEAN, Eveline. “A história do imaginário”. In: LE GOFF, Jacques (dir.). A História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
PRESTWICH, Michael. “A Era da Cavalaria”. In: BOYLE, Charles (ed.). A arte da guerra. Rio de Janeiro: Abril Livros/Time-Life, 1993.
ROMANO, Ruggiero (dir.). Enciclopédia Einaudi 14. Estado — Guerra. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1989.
ROMANO, Ruggiero (dir.). Enciclopédia Einaudi 30. Religião — Rito. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1994.
ROSENDAHL, Zeny. Espaço & Religião — uma abordagem geográfica. Rio de Janeiro: UERJ/NEPEC, 1996.
RUCQUOI, Adeline. História Medieval da Península Ibérica. Lisboa: Editorial Estampa, 1995.
RUNCIMAN, Steven. Historia de las Cruzadas. Madrid: Alianza Universidad, 1983, 03 volumes.
SANTOS, Dulce Oliveira Amarante dos. Entre o Público e o Privado: Práticas Mágicas nos Reinos Ibéricos (1250-1350). Trabalho baseado em tese de doutorado da congressista, apresentado em “O Público e o Privado na Antigüidade e no Medievo: II Simpósio Internacional de História Antiga e Medieval do Cone Sul/VII Simpósio de História Antiga”. Porto Alegre: UFRGS, 1996.
SARAIVA, António José. “O autor da narrativa da batalha do Salado e a Refundição do Livro do Conde D. Pedro”. In: Boletim de Filologia, n.º 22, 1971.
SARAIVA, António José. O Crepúsculo da Idade Média em Portugal. Lisboa: Gradiva, 1988.
SARAIVA, António José. A cultura em Portugal. Teoria e História. Primeira Época: a Formação. Lisboa: Gradiva, 1991, volume II.
SARAMAGO, José. História do Cerco de Lisboa. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
SELVAGEM, Carlos. Portugal Militar. Compêndio de História Militar e Naval de Portugal — Desde as origens do Estado Portucalense até o fim da Dinastia de Bragança. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1991.
SOUZA, António Caetano de. História Genealógica da Casa Real Portuguesa. Lisboa: 1739, volume I, pág. 100. Apud: MATTOSO, José. Identificação de um país — ensaio sobre as origens de Portugal (1096-1325). Lisboa: Editorial Estampa, 1986, vol. II.
SOUZA, Armindo de. “1325-1480”. In: MATTOSO, José (dir.). História de Portugal — A Monarquia Feudal (1096- 1480). Lisboa: Editorial Estampa, volume II, s/d.
TODOROV, Tzvedan. Nós e os outros — A reflexão francesa sobre a diversidade humana — 1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993.