O que é Deus?
Os atributos divinos no tratado Da Consideração (1149-1152), de São Bernardo de Claraval
In: Revista Coletânea.
Revista de Filosofia e Teologia da Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro: Editora Lumen Christi, Ano IX, fasc. 18, jul-dez 2010,
p. 223-238 (ISSN 1677-7883).
Trabalho apresentado no XIV Encontro Nacional da ANPOF
(04 a 08 de outubro de 2010, Águas de Lindóia, São Paulo)
no Grupo de Trabalho (GT) “Filosofia na Idade Média”.
Conferência proferida na Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro
no dia 17 de novembro de 2009.
In: Revista Coletânea.
Revista de Filosofia e Teologia da Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro: Editora Lumen Christi, Ano IX, fasc. 18, jul-dez 2010,
p. 223-238 (ISSN 1677-7883).
Trabalho apresentado no XIV Encontro Nacional da ANPOF
(04 a 08 de outubro de 2010, Águas de Lindóia, São Paulo)
no Grupo de Trabalho (GT) “Filosofia na Idade Média”.
Conferência proferida na Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro
no dia 17 de novembro de 2009.
Imagem 1
Bíblia historiada (1310-1355), de Guyart des Moulins (1251-1322). BnF Fr155, folio 5v. Deus cria o Sol e a Lua.
São Bernardo de Claraval é a síntese do pensamento tradicional (calcado no Trivium) de seu efervescente tempo, o século XII.1 De sua volumosa obra, o (último) tratado, De consideratione, é considerado um de seus textos mais significativos. Em seu último livro, o quinto dessa larga epístola, Bernardo trata exclusivamente da consideração (consideratione), a ação de observar e meditar sobre si, pois, segundo o nosso autor, só a consideração ordena o que está confuso, concilia o irreconciliável, reúne o disperso, penetra no âmago do oculto, encontra (e examina) a similitude de verdade, e investiga o fingimento dissimulado. Ela prevê o que deve ser feito, reflete sobre o que já foi feito, faz com que se pressinta a adversidade na prosperidade – isso é Prudência – e, graças a Fortaleza dela oriunda, os infortúnios da fortuna quase não são sentidos (Livro I, VII.8).2 Trata-se, portanto, de uma meditação no puro estilo socrático do conhece-te a ti mesmo, tradição filosófica clássica da qual Bernardo é o representante medieval mais ilustre.3
Mas meditar sobre si nada mais é do que ascender filosoficamente em direção às realidades invisíveis; sair da pátria corporal para a região dos espíritos. Plotino (205-270) já percorrera esse caminho quando discorreu sobre o Belo; da alma para a forma ideal, a razão seminal (o conceito estóico de logos spermatikos):4 todo aquele que quisesse contemplar a Deus, ao Belo, teria que, antes, tornar-se divino e belo.5
Para isso, a alma do filósofo deveria ser autárquica, já que é naturalmente auto-suficiente para conhecer o que quer (para a tradição filosófica clássica, a autarquia era a necessária condição da alma para a consecução do estado de eudaimonia).6 Ademais, ela também deveria habituar-se a voar em direção aos cumes mais sublimes por inesperados arrebatamentos (Livro V, II.3), passagem mística do texto de Bernardo em que ecoa a filosofia do Pseudo-Dionísio Areopagita (séc. V).7
I. “Pensas tu que eu posso falar do que o olho nunca viu, nem o ouvido escutou, nem homem algum imaginou?”
Para alçar tal vôo místico – o conhecimento de Deus – Bernardo afirma que há três tipos de consideração: a dispensativa, a estimativa e a especulativa. A primeira serve-se dos sentidos, a segunda tudo examina com prudência, e a terceira é o recolhimento em si para libertar-se das coisas humanas: enquanto a primeira deseja, a segunda cheira, e a terceira degusta (Livro V, 4).
Pode-se conhecer a Deus por três caminhos: a Opinião, a Fé e a Inteligência. A Opinião se apóia na similitude da verdade, já que considera verdadeira uma coisa falsa; a Fé se baseia na autoridade, e é uma pregustação voluntária e certa de uma verdade ainda não manifesta. Por fim, a Inteligência se apóia na razão, definida como o conhecimento certo e evidente de qualquer realidade visível. Enquanto a Opinião não tem certeza de nada – pois procura a verdade na verossimilhança e nunca a alcança – a Fé e a Inteligência possuem a verdade com certeza, embora esta seja velada e obscura no caso da fé, já que está coberta por um véu que o intelecto não descobre. Em seu socratismo cristão, Bernardo afirma que será completamente feliz quando contemplar nitidamente e sem véus a verdade que já tem como certa pela fé (Livro V, 6).
Após iniciar sua meditação rumo a Jerusalém Celeste principiando com um longo trecho descritivo de angelologia baseado na Hierarquia Celeste do Pseudo-Dionísio, Bernardo passa a “explorar o inexplorável” e exclama: “Ah, Eugenio, como é bom estar aqui!” (Livro V, 9), passagem claramente evocativa de seu estado extático, para, a seguir, fazer uma breve digressão imaginativa a respeito da inocuidade das preocupações terrenas:
Quam fore melius, si quando tamen toti sequamur quo ex parte praecessimus! Praecedimus animo, et ne ipso quidem toto, sed parte, et parte modica nimis. Affectus iacent mole corporea praegravati et, luto haerentibus desideriis sola interim arida et tenuis consideratio praevolat.
Como será melhor quando tivermos penetrado inteiramente nessa realidade na qual, por enquanto só demos os primeiros passos! Já avançamos um pouco na alma, mas não totalmente, apenas com uma parte dela, e uma parte mínima. Isso porque nossos afetos jazem abatidos pelo peso do corpo, e nossos desejos apegados à lama, de modo que nossa consideração, árida e tênue, só pode por enquanto elevar-se um pouco.
Et tamen ex tantillo quod iam datur, libet exclamare: Domine, dilexi decorem domus tuae et locum habitationis gloriae tuae. Quid si totam se colligat anima et, reductis affectibus e cunctis locis, quibus captivi tenentur, timendo quae non oportet, amando quae non decet, dolendo vane, gaudendo vanius, cum his ineat tota libertate volatum, pulset in impetu spiritus et in pinguedine gratiae illabatur?No entanto, apesar de por ora nos ser concedido tão pouco, já podemos exclamar: “Senhor, amei a beleza de tua casa, e o lugar onde habita a tua glória”.8 Como seria, então, se a alma pudesse recolher-se inteiramente em si mesma, reunir os afetos [474] dispersos que a mantêm cativa, com seus temores infundados e seus amores indevidos, sofrendo em vão, e alegrando-se ainda mais em vão, para lançar-se afinal num vôo totalmente livre com todo o ímpeto de seu espírito e banhar-se no caudal da graça? (Livro V, 9) (os grifos são nossos).
Essa passagem da obra de Bernardo (“...nossos afetos jazem abatidos pelo peso do corpo, e nossos desejos apegados à lama...”) é muito semelhante a um trecho do Fédon em que Sócrates afirma que
Há de haver para nós outros algum atalho direto, quando o raciocínio nos acompanha na pesquisa; porque enquanto tivermos corpo e nossa alma se encontrar atolada em sua corrupção, jamais poderemos alcançar o que almejamos. E o que queremos, declaremo-lo de uma vez por todas, é a verdade (Fédon, 66b).9
A seguir, nosso abade-filósofo inicia suas especulações metafísicas com um belo e eloqüente recurso retórico: a encadeada repetição da pergunta “o que é Deus?” com diferentes e progressivas respostas filosóficas.10 São dez perguntas, e a cada resposta Bernardo fundamenta sua reflexão, conforme pretendemos aqui defender, tanto em Platão (c. 427-347 a.C.) Plotino e Boécio (c. 476-525, a quem cita literalmente), quanto em Aristóteles (384-322 a.C.) – via Sêneca (4-65 d.C.) – e na tradição sapiencial da Bíblia, naturalmente.11
II. O que é Deus?
Assim, o que é Deus? A primeira – e a melhor resposta – de Bernardo é: aquele que é.12 Nenhuma outra compete mais à eternidade de Deus.13 Se Ele é Bom, Magno, Beato, Sábio ou qualquer outra coisa, tudo se resume a essa sentença: o que é. Para Ele, ser simplesmente é ser tudo aquilo, já que, caso acrescentássemos mais cem coisas, nunca sairíamos do Ser (Livro V, VI.13). Ele é aquele sem o qual nada existe, “...e é tão impossível que exista algo sem Ele, que nem sequer Ele próprio poderia existir. Ele é para si e para os demais e, de certo modo, pode-se afirmar que Deus é um solitário, por ser a raiz de si e de todos os seres (Livro V, VI.13) (o grifo é nosso).
A solidão de Deus (solitudo), supremo isolamento, pode ser compreendida como a autarquia perfeita, o perfeito governo de si mesmo, e, por isso, completamente feliz, bom e inteiramente virtuoso.14 Nesse sentido, o estóico Sêneca faz uma analogia bastante semelhante, quando afirma a seu discípulo Lucílio que Deus é nu:
O que te fará igual a um deus não é o dinheiro, porque um deus nada possui. A toga pretexta também não, porque Deus é nu. Nem a fama, nem a ostentação da tua pessoa, ou a propaganda do teu nome espalhada entre os povos; Deus, ninguém o conhece, muitos pensam mal dele, e impunemente. Não será a multidão de escravos que transporta a tua liteira pelas ruas da cidade ou pelas estradas: Deus, esse ente superior e potentíssimo, põe, ele próprio, todo o universo em movimento (o grifo e nosso).15
Por ser nu e solitário, Deus é o princípio, a raiz de todas as coisas. Em uma passagem tipicamente aristotélica (apesar de não ter conhecido a Metafísica, já que ela só foi traduzida no século XIII por Michael Scot [c. 1175-1232]16), Bernardo afirma que o princípio puro não tem princípio, pois
Quamobrem si quaeras verum simplexque principium, invenias oportet quod principium non habuerit. Ex quo universum coepit, ipsum profecto minime coepit; nam, si coepit, aliunde coeperit necesse est: a se enim coepit nihil, nisi forte quis putaverit, quod non erat dare sibi potuisse ut esse inciperet, aut fuisse aliquid antequam esset, quod utrumque quia ratio non consentit, constat nihil sibimet exstitisse principium. Quod vero aliud principium habuit, primum non fuit. Verum ergo principium nequaquam coepit, sed totum ab ipso coepit.
Se procuras, pois, o princípio verdadeiro e simples, necessariamente encontrarás Aquele que não teve princípio. O ser pelo qual tudo começou é o único que não teve início, porque se tivesse tido que principiar, necessariamente teria principiado em outro ser. Nada pode começar por si mesmo, a menos que suponhamos gratuitamente que, quando ainda não existia, podia dar-se a si mesmo o começar a ser, ou que existiu como ser antes de existir. Como ambas essas coisas são contrárias à razão, é evidente que nada pode ser o princípio de si mesmo. E tudo que teve princípio não pode ser o primeiro. Portanto, o verdadeiro princípio nunca teve princípio, mas foi o princípio de tudo (Livro V, VI.13) (os grifos são nossos).
Por isso, Deus é aquilo do qual tudo procede17, mas por criação, não por geração – uma sutil, porém fundamental diferença conceitual, porque criar (creare) é dar a existência do nada a algo, e gerar (generare) é dar o seu ser a. Nesse caso, tudo procede de Deus por Ele ter criado tudo do nada, não por ter dado seu Ser a tudo. Ademais, Bernardo se vale da teoria (aristotélica) das quatro causas para afirmar que tudo procede d’Ele, mas não como se Deus fosse a matéria procedente (causa material), mas eficiente.18
Para Bernardo, o mais misterioso nessa questão é o fato de Deus ter criado seres corruptíveis de Sua própria substância incorrupta e incorruptível. Onde Ele está? Que espaço pode contê-Lo? Há algum lugar onde Ele não esteja? Deus é incompreensível:
Incomprehensibilis est Deus; sed non parum apprehendisti, si hoc tibi de eo compertum est, quod nusquam sit qui non clauditur loco, et nusquam non sit qui non excluditur loco. Suo autem illo sublimi atque incomprehensibili modo (...) Alias vero, ubi erat antequam mundus fieret, ibi est. Non est quod quaeras ultra ubi erat: praeter ipsum nihil erat ; ergo in seipso erat.
Deus é incompreensível, mas já terás apreendido muito a respeito d’Ele se tiveres aprendido que Ele não pode ser contido em lugar algum, nem há lugar do qual esteja ausente. Assim como todos os seres estão n’Ele19, também Ele está em todos os seres20 de um modo sublime e incompreensível (...) Ademais, Ele está onde estava antes [479] de o mundo existir. Portanto, não tens que continuar a perguntar onde Ele estava: fora d’Ele não existia nada, logo, estava em Si mesmo (Livro V, VI.14).
Por isso, Ele é o melhor que se pode cogitar (VI.15). Quase sessenta anos antes, Anselmo de Canterbury (c. 1033-1109) já havia iniciado seu argumento ontológico com essa premissa: Deus é o maior que se pode cogitar.21 Ademais, por ser o que é, Deus é mera simplicidade, Sua própria forma e essência, pois não é formado, é forma, não é afetado, é afeto, não é composto, é puramente simples, isto é, uno. Bernardo se vale de Boécio, a quem cita literalmente, como dissemos, para defender a unicidade divina22, quando, em uma longa digressão, afirma existirem oito tipos de unidade (coletiva, constitutiva, conjugal, natural, potestativa, consentânea, volitiva e dignativa) (VIII.18) e discorre sobre a unidade na Trindade.
III. A moral divina na metafísica da luz
A seguir, Bernardo desenvolve sua metafísica divina em seu aspecto finalista-moral, pois, como Sêneca, o abade considera a moral como o bem da verdadeira filosofia.23 Assim, o que é Deus? O castigo dos perversos e a glória dos humildes. Como a retidão divina é intolerante, tudo o que é inchado e distorcido se conturba contra Ele.24 Não há castigo maior do que rechaçar o que jamais poderá ser evitado. Deus é perverso para com os pervertidos: o reto e o depravado nunca poderão pôr-se de acordo – e é muito duro recalcitrar contra o aguilhão.25 Deus é o castigo dos torpes porque é Luz:
Omnis qui male agit, odit lucem. Sed dico: numquid non poterunt declinare? Minime omnino. Lucet ubique, etsi non omnibus. Denique in tenebris lucet, et tenebrae eam non comprehendunt. Videt tenebras lux, cui hoc est videre quod lucere; sed non vicissim a tenebris ipsa videtur, quia tenebrae eam non comprehendunt.
Todo aquele que obra perversamente detesta a luz.26 Mas digo, porventura poderão esconder-se dela? Absolutamente nunca, pois a luz brilha em todas as partes, embora não para todos, porque brilha nas trevas e as trevas não a compreenderam.27 A luz vê as trevas porque, para ela, brilhar e ver são a mesma coisa, mas as trevas não vêem, por sua vez, a luz, porque elas não a compreenderam.
Et videntur ergo, ut confundantur, et non vident, ne consolentur. Nec modo a luce: et in luce videntur. A quo vel a quibus? Ab omni vidente, ut pro multitudine intuentium sit confusio multa. At nullus de tanta numerositate spectantium molestior oculus suo cuiusque.Os que obram o mal são descobertos para a sua confusão, mas eles não vêem para que não sejam consolados. Não somente são denunciados pela luz, mas são também descobertos na luz. Por quem? Por todos os que podem ver, para que aumente a sua vergonha diante da multidão dos que os vêem. Mas entre todos aqueles que os contemplam, ninguém os incomoda tanto quanto eles próprios.
Non est aspectus, sive in caelo, sive in terra, quem tenebrosa conscientia suffugere magis velit, minus possit. Non latent tenebrae vel seipsas: se vident, quae aliud non vident. Opera tenebrarum sequuntur illas, nec est quo se abscondant ab illis, ne in tenebris quidem.Nem no céu nem na terra eles encontrarão outro olhar que desejem tanto evitar como o da sua própria consciência tenebrosa. As trevas não podem contentar-se nem consigo mesmas, pois até os que não vêem absolutamente nada a si próprios se vêem. As obras das trevas os acompanharão28 e não poderão ocultá-las29 nem encobri-las, mesmo entre as trevas (XII.25) (os grifos são nossos).
A metafísica da luz foi uma corrente muito importante na filosofia medieval.30 Remonta a Platão.31 No seio dessa tradição filosófica, Plotino também desenvolveu o tema.32 Seu neoplatonismo fluiu através do Pseudo-Areopagita, que, por sua vez, transmitiu-o aos pósteros até desembocar em Bernardo.33
IV. As dimensões de Deus
Em seu último conjunto de indagações, baseado em uma famosa passagem de Paulo em sua extática Epístola aos Efésios (3, 18)34, Bernardo desenvolve o tema da dimensão de Deus – Sua longitude, latitude, altura e profundidade.35 Nesse caso, a influência do estoicismo em Bernardo se faz presente através de Paulo: o apóstolo tinha uma boa cultura grega, e é sabido que se valeu de noções estóicas para construir seu estilo argumentativo.36
Para tal, Bernardo utiliza o recurso literário da imagem mitológica da quadriga, símbolo da chegada do Sol, para afirmar que o espírito humano, imperfeito como é, necessita de um auxílio para, compreensivamente, ascender aos céus.37 Esse empréstimo à mitologia não era novo no âmbito erudito católico-medieval. Desde a “primeira geração” do Renascimento carolíngio (séc. VIII), tanto os mestres da academia palatina quanto os clérigos dos mosteiros do reino franco conheciam, estudavam (e copiavam) obras clássicas.38
Um pouco depois da redação do De consideratione, o hábito de dispor da mitologia grega como recurso literário retórico chegou ao ápice: em seu Policraticus (1159)39, João de Salisbury (c. 1115-1180) se valeu abundantemente dos mitos gregos para construir seu tratado ético-político, o primeiro texto de filosofia política do Ocidente.40
Por isso, Bernardo afirma:
Et quia adhuc in quaerendo res est, interim ascendamus quadrigam istam, utpote infirmi et imbecilles, indigentes tali vehiculo, si forte vel sic apprehendamus, in quo apprehensi sumus, id est huius ipsius vehiculi rationem. Nam hoc monitum habemus ab ipso auriga et primo currus huius exhibitore, ut studeamus comprehendere cum omnibus sanctis quae sit longitudo, latitudo, sublimitas et profundum.
Como ainda O estamos buscando, subamos nesta quadriga, porque, enfermos e imbecis que somos, necessitamos de um veículo para ver se podemos alcançar o nosso destino, que é a meta desse veículo. Assim nos aconselha seu próprio condutor, que nos exortou a procurarmos compreender, na companhia de todos os santos, o que é Sua longitude, latitude, altura e profundidade (XIII.27) (os grifos são nossos).
A meta final da quadriga é a luz – Deus é luz. Na mitologia, seu condutor é Apolo. Cristianizado, o mito se converte no Deus-amor que conduzirá a alma que anseia pelo encontro extático com seu criador.41
A longitude divina corresponde à eternidade, a latitude à caridade. Mas a longitude é igual à latitude, pois a eternidade de Deus – o espaço e o tempo que não tem fim – é amor; e largura sem alargamento, distância sem distanciamento, por que
Deus aeternitas est, Deus caritas est: longitudo sine protensione, latitudo sine distensione. In utroque pariter locales quidem excedit temporalesque angustias, sed libertate naturae, non enormitate substantiae. Tali modo immensus est qui omnia fecit in mesura et quamvis immensus, hic tamen modus et ipsius immensitatis.
Deus é eternidade, Deus é caridade. É latitude sem alargamento, é longitude sem estendimento. Porque em ambas as dimensões Ele Se encontra acima de qualquer limite e excede as estreitezas do espaço e do tempo, pela liberdade de Sua natureza, não pela enorme extensão de Sua substância. Não pode, pois, ser medido Aquele que tudo fez com medida42, e embora seja imenso, Ele é a única medida de sua própria imensidão (XIII.28) (os grifos são nossos).
Mas Deus também é altura e profundidade, pois está acima de tudo e dentro de tudo. Em Sua altura, Ele considera Seu majestoso poder, e em Sua profundidade, Sua sabedoria. E ambos também são iguais, porque Sua altura é inalcançável e Sua realidade impenetrável.
Portanto, Bernardo estabelece da seguinte forma a relação entre os atributos divinos e Suas dimensões:
Correspondência dos atributos de Deus com Suas dimensões | |
Latitude | Amor |
Longitude | Eternidade |
Altura | Poder |
Profundidade | Sabedoria |
Contudo, nosso autor ainda afirma que o frágil raciocínio humano não compreende isso inteiramente, somente a santidade, “supondo que se possa compreender o incompreensível”.43 Os santos compreendem porque têm seus afetos puros pelo temor e pelo amor: o santo temor corresponde à altura divina, e o amor à profundidade (XIV.30). Nessa passagem, Bernardo novamente faz eco ao neoplatonismo, pois, como citamos anteriormente, segundo Plotino, “...todo aquele que queira contemplar a Deus e ao Belo, se torne antes divino e belo”.44
Aqueles quatro atributos divinos, por sua vez, correspondem a quatro tipos de contemplação e a quatro afetos do coração. A compreensão do que é Deus pode ser alcançada, caso se viva na admiração (por Sua altura), no temor (pelos juízos insondáveis de Sua sabedoria, isto é, Sua profundidade), no fervor (Amor/latitude) e na constância (Eternidade/longitude).
Por sua vez, devemos contemplá-Lo admirando Sua majestade (altura), maravilhando-nos com Sua sabedoria (profundidade), recordando o Seu amor (latitude) e descansando em Suas promessas (que é uma meditação de Sua eternidade):
Correspondências divinas | |||
Dimensões | Atributos | Afetos do coração humano | Contemplação humana |
Latitude | Amor | Fervor | Memória |
Longitude | Eternidade | Constância | Ócio meditativo |
Altura | Poder | Admiração | Admiração |
Profundidade | Sabedoria | Temor | Estupor |
Bernardo assim conclui o De consideratione:
Quarendus adhuc fuerat, qui nec satis adhuc inventus est nec quaeri nimis potest; at orando forte quam disputando dignius quaeritur et invenitur facilius. Proinde is sit finis libri, sem non finis quaerendi.
Deveríamos procurar mais o que ainda não encontramos inteiramente, nem pode ser buscado suficientemente. Fá-lo-emos melhor pela oração do que com a disputa intelectual, e dessa forma O procuraremos mais dignamente e O encontraremos com mais facilidade.45 E assim se conclua este livro, não porém a nossa busca.
Conclusão
Em sua Metafísica, Aristóteles afirma que o filósofo que faz Metafísica aproxima-se de Deus – princípio que é inteligência que pensa a si – e isto é a máxima felicidade do ser humano, já que “...todas as outras ciências serão mais necessárias do que esta, mas nenhuma lhe será superior”. Isso porque só a Metafísica é chamada livre, “pois só ela é fim para si mesma”.46 Mais que isso: para o Estagirita, a sapiência (σοφία), forma mais elevada de saber, tem caráter divino.47 Buscada por puro amor, sem qualquer utilidade prática, ela é livre e divina porque é o tipo de ciência que Deus possui e porque tem o próprio Deus como objeto.48
Bernardo não conheceu a Metafísica de Aristóteles, mas, apesar de ter sido a síntese da corrente platônico-mística medieval, no último livro de seu último texto ele cumpriu à risca aquele preceito aristotélico.49
Ao propor sua consideração – que nada mais é do que o aprofundamento do preceito socrático do “conhece-te a ti mesmo” – Bernardo aproximou-se de Deus e foi aristotelicamente feliz, contemplou-O com amor e foi livre, e, por fim, tornou-se plotinianamente “divino” para meditar o summum bonum e emoldurar sua contemplativa filosofia de pregação cristã com uma sofisticada argumentação moral e retórica de fundo ciceroniano e senequiano. Sua última frase expressa, de modo conciso e claro, como o pensamento de Cícero50, a ânsia filosófica de sua procura divina: “que este seja o fim do livro, mas não o de nossa busca”.
Notas
- 1. O filosofo alemão Kurt Flasch (1930- ) classifica o século XII como uma mudança decisiva na História do Ocidente. Ver FLASCH, Kurt. El pensament filosòfic a l'Edat Mitjana. D’Agustí a Maquiavel. Santa Coloma de Queralt: Obrador Edendum, 2006, p. 185. Quanto a Bernardo de Claraval, ele tem sido um personagem ao qual tenho dedicado alguns trabalhos (todos disponíveis na Internet): COSTA, Ricardo da e SEPULCRI, Nayhara. “‘Querer o bem para nós é próprio de Deus. Querer o mal só depende de nosso querer. Não querer o bem é totalmente diabólico’: São Bernardo de Claraval (1090-1153) e o mal na Idade Média”. In: Anais do II Simpósio Internacional de Teologia e Ciências da Religião. Belo Horizonte, ISTA/PUC Minas, 2007; COSTA, Ricardo da. “Duas imprecações medievais contra os advogados: as diatribes de São Bernardo de Claraval e Ramon Llull nas obras Da Consideração (c. 1149-1152) e O Livro das Maravilhas (1288-1289)”. In: PONTES, Roberto, e MARTINS, Elizabeth Dias (orgs.). Anais do VII EIEM – Encontro Internacional de Estudos Medievais – Idade Média: permanência, atualização, residualidade. Fortaleza/Rio de Janeiro: UFC / ABREM, 2009, p. 624-630; COSTA, Ricardo da. “A transcendência acima da imanência: a Alma na mística de São Bernardo de Claraval (1090-1153)”. In: Revista Anales del Seminario de Historia de la Filosofía. Madrid: Universidad Complutense de Madrid (UCM), vol. 26 (2009), p. 97-105; COSTA, Ricardo da. “‘Há algo mais contra a razão que tentar transcender a razão só com as forcas da razão?’: a disputa entre São Bernardo de Claraval e Pedro Abelardo”. In: LAUAND, Jean (org.). Anais do X Seminário Internacional: Filosofia e Educação – Antropologia e Educação – Idéias, Ideais e História. São Paulo: Editora SEMOrOc (Centro de Estudos Medievais Oriente & Ocidente da Faculdade de Educação da USP) / Núcleo de Estudos de Antropologia UNIFAI / Factash Editora, 2010, p. 67-78.
- 2. Todas as nossas citações (e traduções) serão baseadas na edição OBRAS COMPLETAS DE SAN BERNARDO. Madrid: BAC (Biblioteca de Autores Cristianos), MCMXCIV, p. 47-233.
- 3. “La vía del socratismo cristiano alcanza confirmación en la obra de San Bernardo”, RAMÓN GUERRERO, Rafael. Historia de la Filosofía Medieval. Madrid: Ediciones Akal, 2002, p. 167.
- 4. “Tu tens existido como uma parte, mas antes de desapareceres naquilo que te produziu, serás recebido de volta pela razão seminal transmutativa”, MARCUS AURELIUS. Meditações (Τὰ εἰς ἑαυτόν, “Escritos ou pensamentos para si mesmo”), IV, 21. Internet Classics Archive. Para a filosofia estóica, ver INWOOD, Brad (org.). Os Estóicos. Odysseus Editora, 2006.
- 5. PLOTINO. Tratados das Enéadas. Polar: Editorial & Comercial, 2000, p. 17-35.
- 6. Para Aristóteles (384-322 a.C.), a eudaimonia era o exercício ativo das faculdades da alma, certa forma de vida que privilegiava o exercício das faculdades, as atividades da alma em associação com o princípio racional, em que a função de um ser humano bom seria executar essas atividades bem, corretamente e em conformidade com a virtude. ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, Livro I, 1098a 11-18 (trad. e notas Edson Bini. Bauro, SP: EDFIPRO, 2007, p. 50.
- 7. “De fato, a impossibilidade de conhecer esta supersubstancialidade que ultrapassa a razão, o pensamento e a substância, tal deve ser o objeto da ciência supersubstancial, não devemos também erguer os olhos para o alto senão na medida em que o raio dos ditos divinos se manifesta a nós, que nos remetemos aos esplendores mais altos com a moderação e santidade que convém às coisas divinas”, DIONÍSIO PSEUDO-AREOPAGITA. Dos nomes divinos. São Paulo: Attar Editorial, 2004, p. 58 (588a).
- 8. “Iahweh, eu amo a beleza de tua casa e o lugar onde a tua glória habita”, Sl 26, 8.
- 9. PLATÃO, Fedão, p. 261.
- 10. Wim Verbaal (Universiteit Gent) afirma que Bernardo de Claraval sentiu-se atraído pela eloqüência filosófica (eloquentia philosophalis) de Cícero (assim como o jovem Agostinho). Ver VERBAAL, Wim. “Bernadus Philosophus”. In: Sapientia Dei – Scientia Mundi. Bernardo de Claraval e o seu tempo. Revista Portuguesa de Filosofia, Julho-Setembro 2004, vol. 60, fasc. 3, p. 567-586.
- 11. Bernardo também faz uma alusão à premissa do Proslógio de Anselmo de Canterbury (c. 1033-1109), como veremos mais adiante.
- 12. “Disse Deus a Moises: ‘Eu sou aquele que é’. Disse mais: ‘Assim dirás aos filhos de Israel: ‘EU SOU me enviou até vós’”, Ex 3, 14.
“A compreensão de Deus como Aquele que é (Ex. III, 14) encontra no legado neoplatônico seus elementos mais profundos, sendo inegável a dívida cristã para com a henologia plotiniana e procleana...”, BEZERRA, Cícero da Cunha. Compreender Plotino e Proclo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006, p. 135-136. - 13. Para o conceito de Eternidade e seu legado clássico a Idade Média, ver COSTA, Ricardo da. “A Eternidade de Deus na filosofia de Ramon Llull (1232-1316)”. In: Revista Dominicana de Teologia (RDT) 8 – “Igreja e Estado”, Ano V - 2010, Janeiro/Junho, p. 103-118.
- 14. Plotino também afirma que o Uno é só: “Tal é a vida das Almas e dos homens divinos e felizes; distanciar-se das coisas deste mundo, sentir desgosto por elas, e fugir, só, ao encontro do Só (VI 9, 11)”. Citado em MARINHO, Maria Simone Cabral. “Mística, Linguagem e Silêncio na Filosofia de Plotino”. In: FIDORA, Alexander, e PARDO PASTOR, Jordi (orgs.). Mirabilia 2 – Revista Eletrônica de História Antiga e Medieval. Expresar lo Divino: Lenguaje, Arte y Mística – Das Göttliche mitteilen: Sprache, Kunst und Mystik, dez. 2002.
- 15. LUCIO ANEU SENECA. Cartas a Lucílio. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, p. 119. Para Sêneca, ver BEZERRA, Cícero Cunha. “A filosofia como medicina da alma em Sêneca”. In: Ágora Filosófica, Ano 5, n. 2, jul./dez 2005, p. 7-32.
- 16. MARRONE, Steven P. “A filosofia medieval em seu contexto”. In: McGRADE, A. S. (org.). Filosofia Medieval. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2008, p. 67.
- 17. “Para nós, contudo, existe um só Deus, o Pai, de quem tudo procede e para quem nós somos, e um só Senhor, Jesus Cristo, por quem tudo existe e por quem nós somos”, 1Cor 8, 6.
- 18. Teoria aristotélica das quatro causas (Física, II, 3, 194b 16, Metafísica, V, 2, 1013 a-b) e senequiana (Cartas a Lucílio, 65, 2): causa material, formal, eficiente e final. A causa eficiente é a que dá início à mudança (ou repouso), como o pai, que é a causa eficiente do filho; a material é como a prata é causa da taça. A doutrina das quatro causas também é citada por Teodorico de Chartres († c. 1155) em seu Tratado da obra dos seis dias (c. 1130-1140) para explicar as quatro causas da existência do mundo em sua análise do Gênesis. Contudo, Teodorico o faz porque a doutrina das quatro causas era um legado comum do medievo, inclusive antes da tradução da Física de Aristóteles por Jacó de Veneza (primeira metade do séc. XII). Para Teodorico, ver COSTA, Ricardo da. “‘A verdade e a medida eterna das coisas’: a divindade no Tratado da Obra dos Seis Dias, de Teodorico de Chartres (†c. 1155)”. In: ZIERER, Adriana (org.). Uma viagem pela Idade Média: estudos interdisciplinares. UFMA, 2010.
- 19. “Porque tudo é dele, por ele e para ele. A ele a glória pelos séculos! Amém”, Rm 11, 36.
- 20. “E, quando todas as coisas lhe tiverem sido submetidas, então o próprio Filho se submeterá àquele que tudo lhe submeteu, para que Deus seja tudo em todos”, 1Cor 15, 28.
- 21. “Então, oh, Senhor, Tu que dás a inteligência dá fé, dá-me, para que eu saiba, o que é necessário para entender que Tu existes tal como cremos, e que és o que cremos. E certamente cremos que Tu és algo maior do qual nada mais pode ser cogitado. Mas e se não existe tal natureza, como quando diz o insipiente em seu coração ‘não existe Deus’?”, citado em RAMON GUERRERO, Rafael. Historia de la Filosofía Medieval, op. cit., p. 127.
- 22. A obra de Boécio que Bernardo cita é a Santa Trindade. BOÉCIO. “A Santa Trindade”, II. In: Escritos (Opuscula Sacra) (trad., estudos introdutórios e notas de Juvenal Savian Filho). São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 199-201. Esse texto foi o último escrito por Boécio, provavelmente entre 519 e 523. Grosso modo, a explanação do dogma trinitário é feita a partir da análise da categoria de relação.
- 23. “Uma coisa tem que ficar clara: não é um bem senão o que for moral (...) abandona essas frioleiras literárias de certos filósofos que reduzem a grandeza da filosofia à análise de sílabas e rebaixam e humilham a alma com seus ensinamentos de pormenor! (...) Sócrates, que reduziu toda a filosofia à ética, dizia que a suprema sabedoria consistia em distinguir o bem do mal”, LÚCIO ANEU SENECA. Cartas a Lucílio, op. cit., p. 119 (carta 71).
- 24. A expressão artística (musical) que melhor reflete o significado moral da ira divina é, sem duvida, o hino latino do século XIII Dies irae (Dia da ira), que descreve o dia do Juízo Final, com a última trombeta chamando os mortos diante do trono de Deus – onde os escolhidos se salvarão e os condenados serão lançados ao fogo eterno. O início do poema é tremendamente forte: “Dies iræ, dies illa, / Solvet sæclum in favilla, / Teste David cum Sibylla! / Quantus tremor est futurus, / quando iudex est venturus, / cuncta stricte discussurus! (“O dia da ira é aquele dia / em que séculos se reduzirão a pó, / tendo como testemunhas o rei David e a Sibila! / Quanto terror haverá no futuro / quando vier o Juiz / para julgar tudo estritamente!”). Em seu Réquiem (1791), Mozart (1756-1791) criou uma das melodias mais perenes e impactantes para esse poema medieval.
- 25. “Saul, Saul, porque me persegues? É duro para ti recalcitrar contra o aguilhão”, At 26, 14. Trata-se de um antigo provérbio grego que expressa uma resistência inútil, como a do boi que, obstinando-se contra o aguilhão, só consegue ferir-se ainda mais.
- 26. “Por que foi dada a luz a quem o trabalho oprime, e a vida a quem a amargura aflige”, Jo 3, 20.
- 27. “...a luz brilha nas trevas, mas as trevas não a compreenderam”, Jo 1, 5.
- 28. “A noite avançou e o dia se aproxima. Portanto, deixemos as obras das trevas e vistamos a armadura da luz. Como de dia, andemos decentemente; não em orgias e bebedeiras, nem em devassidão e libertinagem, nem em rixas e ciúmes. Mas vesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não procureis satisfazer os desejos da carne”, Rm 13, 13-14.
- 29. “Ele sai de um extremo dos céus e até o outro extremo vai seu percurso; nada escapa ao seu calor”, Sl 18, 7.
- 30. José FERRATER MORA tem um notável verbete (“Luz”) em seu Dicionário de Filosofia. Tomo III (K-P). São Paulo: Edições Loyola, 2001, p. 1819-1823.
- 31. PLATÃO. Timeu (trad. Carlos Alberto Nunes). Belém: EDUFPA, 2001, 68a, p. 114; PLATÃO. A República (trad. e notas de Maria Helena da Rocha Pereira). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, 473e, 508 d, 515e, 518a, p. 252, 310, 319 e 322.
- 32. PLOTINO. Tratados das Enéadas, op. cit., Livros I, IV, V, IX.
- 33. Para a importância do tema na Idade Média, ver COSTA, Ricardo. “‘A luz deriva do bem e é imagem da bondade’: a metafísica da luz do Pseudo Dionísio Areopagita na concepção artística do abade Suger de Saint-Denis”. In: Scintilla. Revista de Filosofia e Mística Medieval. Vol. 6 - n. 2 - jul./dez. 2009, p. 39-52. Para o neoplatonismo, ver BAUCHWITZ, Oscar Federico (org.). O Neoplatonismo. Natal: Argos, 2001.
- 34. “Assim tereis condições para compreender com todos os santos qual é a largura e o comprimento e a altura e a profundidade e conhecer o amor de Cristo que excede a todo conhecimento, para que sejais plenificados com toda a plenitude de Deus”, Ef 3, 18.
Paulo usa conceitos que, no Estoicismo, designavam a totalidade do universo, para evocar o papel universal de Cristo na regeneração do mundo. As dimensões vão além de qualquer medida humana: “Acaso podes sondar a profundeza de Deus, e atingir os limites de Shaddai? É mais alto que o céu: que poderás fazer? Mais profundo que o Xeol: quem poderá saber? É mais vasto que a terra e mais extenso que o mar”, Jo 11, 7-9. - 35. “Estas quatro expressões, que se resumem a três, já que altura e profundidade não constituem senão uma só e mesma dimensão, são destinadas a marcar a imensidade do objeto cuja inteligência é tão ardentemente desejada por São Paulo para seus leitores. Esse objeto não é nomeado desde logo em termos diretos, o que levou a serem levantadas diversas hipóteses a seu respeito. Segundo São João Crisóstomo, Teodoreto etc., tratar-se-ia ainda do mistério divino que foi exposto na primeira metade deste capítulo; segundo outros intérpretes, seria a Igreja cristã figurada sob a alegoria de um templo (cf. II, 19 ess). Mas basta ir até a linha seguinte, para encontrarmos uma aplicação muito mais satisfatória: o apóstolo, como comumente se pensa, quis falar do amor de Cristo, amor cujas dimensões são infinitas.”, La Sainte Bible / texte latin et traduction française) / comméntée / d´après la Vulgate et les textes originaux / à l´usage des Séminaires et du Clergé par / L.-Cl. Fillion / Prêtre de Saint-Sulpice / Professeur d´Écriture Sainte à L´Institut Catholique de Paris. Paris: Letouzey et Ane, Editeurs, 1904, tome VIII, p. 344.
- 36. “Introdução às Epístolas de São Paulo”. In: Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulinas, 1991, p. 2017. “Ora, lugar idêntico ao que a divindade ocupa no universo, ocupa no homem o espírito: o que no universo é matéria, é em nós o corpo”; “Todo este universo que nos rodeia é uno, e é Deus. Nós somos participantes dele, somos como que os seus membros” (o grifo é nosso), LÚCIO ANEU SÉNECA. Cartas a Lucílio, op. cit., p. 235 e 471 (cartas 65 e 92).
- 37. Na mitologia grega, Apolo tem o Sol (Helios) como quadriga incandescente puxada por quatro cavalos que soltam fogo pelas narinas (Eôo [oriental], Flégon [eu brilho], Pírois [eu queimo] e Éton [cor de fogo]). Os romanos comemoravam o dia do nascimento do Sol invicto e companheiro (Sol invictus comes) entre os dias 22 e 25 de dezembro, período escolhido pelo imperador Constantino (272-337), devoto do deus Sol, para comemorar o nascimento de Jesus. Não obstante, o historiador Paul Veyne (1930- ) afirma que o Sol não era uma das divindades na tradição das populações do Império, sendo por isso muito mais um slogan político do que, de fato, uma adoração genuinamente popular (VEYNE, Paul. Quando nosso mundo se tornou cristão [312-394]. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 214-216). Uma das imagens mais famosas da quadriga solar é o afresco do pintor barroco Guido Reni (1575-1642) “Aurora” (1614), atualmente no Casino Rospiglioso, Palazzo Pallavicini, Roma (280 x 700 cm). Apolo, cercado pelas Horas (deusas que presidiam as estações do ano), e precedido pela deusa Aurora e Eósforo (a estrela da manhã) voa com uma tocha acesa nas mãos.
- 38. FAVIER, Jean. Carlos Magno. São Paulo: Estação Liberdade, 2004, p. 393-465.
- 39. JUAN DE SALISBURY. Policraticus (ed. preparada por Miguel Angel Ladero, Matias Garcia y Tomas Zamarriego). Madrid: Editora Nacional, 1984.
- 40. SABINE, George H. Historia de la teoría política. México: Fondo de Cultura Económica, 1996, p. 203.
- 41. Essa passagem do texto de Bernardo também é claramente platônica: em A República, há uma famosa passagem sobre a equivalência entre o Sol e o Bem (508c-509d), op. cit., p. 310-313. Ver também SANTOS, Bento Silva. “A Metafísica do Bem na República (Livros V-VII) de Platão”. In: Síntese. Revista de Filosofia 35 (2008), p. 319-339.
- 42. “Mas tudo dispuseste com medida, número e peso”, Sb 11, 21.
- 43. Rm 11, 33.
- 44. PLOTINO. Tratados das Enéadas, op. cit., p. 17-35.
- 45. “Pedi e vos será dado; buscai e achareis; batei e vos será aberto; pois todo o que pede recebe; o que busca acha e ao que bate se lhe abrirá”, Mt 7, 7.
- 46. ARISTÓTELES. Metafísica (ensaio introdutório, texto grego com tradução e comentário de Giovanni Reale). São Paulo: Edições Loyola, 2005, Livro 1, 983a, 10, Volume II, p. 13.
- 47. Por sua vez, para Platão, a sabedoria era a virtude superior da alma, sua parte mais elevada: “...a justiça era qualquer coisa neste gênero, ao que parece, excepto que não diz respeito à actividade externa do homem, mas à interna, aquilo que é verdadeiramente ele e o que lhe pertence, sem consentir que qualquer das partes da alma se dedique a tarefas alheias nem que interfiram uma nas outras, mas depois de ter posto a sua casa em ordem no verdadeiro sentido, de ter autodomínio, de se organizar, de se tornar amigo de si mesmo, de ter reunido harmoniosamente três elementos diferentes, exactamente como se fossem três termos numa proporção musical, o mais baixo, o mais alto e o intermédio, e outros quaisquer que acaso existam de permeio, e de os ligar a todos, tornando-os, de muitos que eram, numa perfeita unidade, temperante e harmoniosa, – só então se ocupe (se é que se ocupa) ou da aquisição de riquezas, ou dos cuidados com o corpo, ou de política ou de contratos particulares, entendendo em todos estes casos e chamando justa e bela à acção que mantenha e aperfeiçoe estes hábitos, e apelidando de sabedoria a ciência que preside a esta acção; ao passo que denominará de injusta a acção que os dissolve a cada passo, e ignorância à opinião que a ela preside.” (os grifos são nossos) – PLATÃO. A República, op. cit., 443d-e, p. 204-205.
- 48. A passagem da Metafísica, muito famosa e comovente, em que Aristóteles trata de Deus, é esta: “Se, portanto, nessa feliz condição em que às vezes nos encontramos [a vida contemplativa], Deus se encontra perenemente, isso nos enche de maravilha; e se Ele se encontra numa condição superior, é ainda mais maravilhoso. E Ele se encontra efetivamente nessa condição. E Ele também é vida, porque a atividade da inteligência é vida, e Ele é, justamente, essa atividade. E sua atividade, subsistente por si, é vida ótima e eterna. Dizemos, com efeito, que Deus é vivente, eterno e ótimo; de modo que a Deus pertence uma vida perenemente contínua e eterna: isto, portanto, é Deus”, ARISTÓTELES, Metafísica, op. cit., Livro 7, 1072b, 23-30, volume II, p. 565.
- 49. “Para a maioria dos pensadores ao longo da Idade Média, Platão e Aristóteles eram as fontes da filosofia clássica”, PRICE, B. B. Introdução ao pensamento medieval. Lisboa: Edições Asa, 1996, p. 113.
- 50. “A mim me bastam a clareza e a simplicidade, que são o melhor ornamento da verdade (...) falar clara e simplesmente é o que compete a um homem inteligente e douto”, CÍCERO. Do sumo bem e do sumo mal (trad. Carlos Ancêde Nougué). São Paulo: Martins Fontes, 2005, Livro III, V, p. 97.