A Questão Palestina e o Estado de Israel

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Os acontecimentos de 11 de setembro nos Estados Unidos trouxeram à tona a questão religiosa para o centro das discussões intelectuais em todo o mundo. Entramos no século XXI com um antigo dilema existencial: fé versus razão. Com efeito, pensávamos que esse debate tivesse sido sepultado desde pelo menos o século XIII, quando os universitários medievais discutiam acaloradamente a possibilidade de unir as verdades da religião e da filosofia.

Por outro lado, durante algum tempo, a intelectualidade brasileira acreditou que toda análise da vida humana passava necessariamente pelo crivo da economia: o homo economicus prevalecia nas mentes dos acadêmicos como um tipo ideal pujante e necessário ao entendimento da História.

No entanto, a persistência do homem-bomba palestino, do mártir em prol da fé, do suicida-crente na destruição final tanto do capitalismo quanto do imperialismo norte-americano e de Israel mostrou à opinião pública mundial que o tema da religião permanece no centro da existência humana e que a chamada Questão Palestina e o Estado de Israel são itens obrigatórios da pauta de discussão nas relações internacionais. Como se chegou a este ponto? Qual a história da questão árabe-israelense? Esta palestra de hoje tenta responder a estas duas perguntas. Assim, farei um breve histórico do contexto da fundação do Estado de Israel para que possamos compreender melhor o tema e suas possibilidades (ou não) de resolução.

O estado de Israel nasceu sob o signo da morte em escala industrial. A Solução final nazista - especialmente a partir de 1942 - mostrou aos judeus europeus que a única alternativa era buscar a proteção de um estado próprio. Esse movimento sionista e nacionalista fora iniciado no final do século XIX pelo judeu vienense, Theodor Herzl (1860-1904), que percebeu a Palestina como uma concreta possibilidade territorial para a fundação de um estado judeu. Em seu livro O Estado Judeu, ele disse: “A Palestina é nossa inolvidável pátria histórica. Esse nome por si só seria um toque de reunir poderosamente empolgante para o nosso povo.” (HERZL, 1954: 67) Herzl passou a estimular a imigração para a Palestina, então sob o domínio do Império Otomano.

 

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Theodor Herzl (1860-1904).

Ali já viviam cerca de 25 mil judeus. Em 1914, com o início da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), imigraram 60 mil nacionalistas judeus, que passaram a viver com cerca de 650 mil não judeus, a maioria árabes.

A comunidade judaica européia conseguiu o apoio da Inglaterra para o estabelecimento de uma pátria nacional na Palestina. Em 1917, Arthur Balfour (1848-1930), ministro do exterior, emitiu um importante documento, que ficou conhecido como Declaração Balfour, onde aprovava a idéia, sem, no entanto, citar a palavra estado - isso para não ferir o apoio dado também aos árabes contra os turcos (SOLIMAN, 1990: 28). A Declaração Balfour foi sancionada em 1922 pela então Liga das Nações: a Inglaterra administraria provisoriamente a Palestina e incentivaria o movimento sionista.

Os árabes reagiram com violência. No mesmo ano de 1922 morreram 50 pessoas de cada lado. Com o fim do Império Otomano os árabes também aspiravam sua independência e o apoio inglês lhes parecia uma intromissão indesejável. No entanto, quando os nazistas chegaram ao poder na Alemanha em 1933, a imigração judaica para a Palestina não parou de aumentar: de cinco mil imigrantes por ano em 1929 para 60 mil só em 1935! Em 1936 os árabes pressionaram os ingleses para que limitassem a imigração, sem sucesso. Aconteceram então greves e ataques de árabes contra oficiais britânicos e judeus.

Nesse momento, com o apoio britânico, surgiu a Haganah, uma força de defesa judaica paramilitar com o objetivo de proteger os civis judeus contra os ataques árabes. Uma facção mais radical daHaganah chamada Irgun se organizou como grupo terrorista. Assim, já antes da Segunda Guerra estava bastante claro que os ideais da Declaração Balfour eram impraticáveis.

 

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Tropas da Haganah.

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Cartaz do Irgun.

Durante o conflito mundial, as autoridades britânicas admitiram limitar a imigração judaica para a Palestina, pois dependiam do petróleo árabe para seu esforço de guerra. Ao completar as quotas, os imigrantes adicionais eram repatriados. Os extremistas judeus também agiram com violência. Em 4 de novembro de 1944, o Ministro de Estado no Oriente Médio foi assassinado por dois membros do grupo Stern, outra facção do Irgun.

No mês seguinte, o Partido Trabalhista britânico tomou a dianteira e firmou um compromisso permitindo a imigração judaica ilimitada para a Palestina. Por outro lado, Anthony Eden (1897-1977), Ministro do Exterior, assegurou que o governo britânico daria total apoio à união árabe, fato que mostrava as diferenças entre os políticos britânicos a respeito da questão palestina.

Em março de 45 os árabes organizaram a Liga Árabe da Sete Nações, mas tinham poucos pontos em comum, com exceção do anti-sionismo. Quando, poucos meses depois, o líder do Partido Trabalhista se tornou Primeiro-ministro, encontrou a Liga Árabe determinada a impedir a imigração judaica a qualquer custo. Estava claro que os ingleses perdiam cada vez mais o controle da situação. Cada tentativa de reprimir a desordem gerava ainda mais violência. Em junho de 1946 a Haganah dinamitou todas as pontes sobre o rio Jordão. Líderes sionistas foram presos. Em 22 de julho, a Irgunretaliou, dinamitando uma ala do hotel Rei Davi, quartel-general do exército britânico em Jerusalém, matando 91 pessoas, entre ingleses, judeus e árabes.

 

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Ataque do Irgun ao Hotel Rei David.

Finalmente, o Primeiro-ministro decidiu retirar-se, a exemplo do que fizera na Índia. Ernest Bevin (1881-1951), Ministro do Exterior, declarou (fevereiro de 1947) que os ingleses entregariam às Nações Unidas, sucessora da Liga das Nações, seu mandato sobre a Palestina. Em junho, um comitê especial da ONU chegou à Palestina para estudar a futura divisão política, mas o cenário político palestino estava em pé de guerra: três terroristas da Irgun estavam condenados à morte por enforcamento e dois soldados ingleses eram mantidos como reféns pelos terroristas judeus para forçar sua libertação.

Ao mesmo tempo, muitos refugiados judeus dirigiram-se à Palestina clandestinamente. Em 1947, um navio vindo de Marselha, o President Warfield, rebatizado de Êxodo, transportava 4.500 sobreviventes do campo de concentração de Bergen-Belsen na Alemanha foi interceptado em Haifa por navios de guerra britânicos. A história correu o mundo porque os imigrantes a bordo divulgaram o fato através do rádio. No entanto, o Êxodo rendeu-se e retornou a Marselha, onde foi negado asilo aos refugiados que, por fim, desembarcaram em Hamburgo.

 

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President Warfield.

Nesse mesmo dia, os três terroristas da Irgun foram enforcados e em represália os dois soldados ingleses reféns dos terroristas judeus também foram enforcados e seus cadáveres foram dinamitados com minas explosivas. Menahen Begin (1913-1992), futuro primeiro-ministro de Israel e então um dos líderes da Irgun disse: “Nós retribuímos na mesma moeda” (WILLMOTT, 1993: 104).

O assassinato dos soldados ingleses foi recebido com indignação na Europa, dando origem a vários distúrbios anti-semitas em várias cidades inglesas - Londres, Liverpool, Glasgow e Manchester -, fatos que não aconteciam na Inglaterra desde o século XIII. Uma sinagoga em Derby foi incendiada e destruída (JOHNSON, 1989: 521). Isso tudo a apenas dois anos após o fim da Segunda Guerra e a abertura dos campos de concentração na Alemanha! Apesar disso - ou exatamente por isso - a política de Menahen Begin teve êxito: os britânicos decidiram sair o mais rápido possível da Palestina.

No final de 1947, as Nações Unidas propuseram a única solução plausível: o fim do mandato britânico e a divisão da Palestina em dois estados, um judeu e outro árabe; a cidade de Jerusalém permaneceria sob administração internacional, idéia defendida por Theodor Herzl no século XIX. Os sionistas aceitaram, mas dessa vez a voz discordante veio do mundo árabe, que começou a se preparar para a guerra. Os Estados Unidos e a União Soviética votaram a favor da resolução da ONU; a Grã-Bretanha votou contra, mas não tinha mais como controlar os acontecimentos.

Mesmo assim a violência não diminuiu e, em dezembro de 1947, os ingleses anunciaram sua retirada da Palestina para o dia 15 de maio de 1948. Até lá morreriam mais de mil pessoas, entre árabes e judeus.

Um dia antes do término do mandato, 200 líderes judaicos reuniram-se no Museu de Arte Moderna de Telaviv para ouvir o novo Primeiro-ministro da nação, o socialista Ben Gurion (1886-1973), ler uma curta declaração proclamando o estabelecimento do Estado de Israel. O novo país foi logo reconhecido oficialmente pelos Estados unidos e pela União Soviética.

Na manhã seguinte, Israel foi invadido pela Liga Árabe - Líbano, Síria, Iraque, Jordânia e Egito. A desvantagem, tanto em equipamento militar quanto em efetivo de soldados era de Israel: 40 mil muçulmanos contra 35 mil israelenses. Em junho, os sírios avançaram sobre a Galiléia, os iraquianos para oeste, chegando a 15 quilômetros do Mediterrâneo; os jordanianos assediaram Jerusalém, capturando a Cidade Velha e seu bairro judeu. Os egípcios ameaçavam Jerusalém pelo sul.

 

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Mapa da Guerra de 1948 (chamada pelos israelenses de guerra de independência).

Um mediador da ONU, o conde Folke Bernadotte (1895-1948), famoso por haver tentado uma trégua entre a Alemanha nazista e os Aliados (sem sucesso), conseguiu uma trégua de um mês. Os israelenses foram rápidos e aproveitaram a oportunidade para comprar armas (na França e na Checoslováquia) e em julho lançaram uma ofensiva bem sucedida.

Uma nova trégua foi acertada em julho, mas Bernadotte foi assassinado por membros da Stern. Com receio da condenação da opinião pública, Ben Gurion dissolveu a Stern e a Irgun.

De qualquer modo, os israelenses lançaram sua ofensiva, agora melhor equipados e preparados. Em contrapartida, sírios e iraquianos haviam retornado à suas fronteiras; jordanianos estavam dispostos a um cessar-fogo, após terem tomado a Velha Jerusalém; egípcios perderam o sul de Jerusalém para os israelenses. A união árabe durou apenas até o final do primeiro mês de guerra. O Conselho de Segurança das Nações Unidas declarou o cessar-fogo em dezembro de 1948 e no início de 1949 terminou a guerra de independência de Israel, que tinha agora cerca de 20% a mais de terras do que a resolução da ONU de 1947. Mais de 500.000 árabes buscaram refúgio na Faixa de Gaza, no Egito, no Líbano e na Jordânia. Israel tinha um milhão de judeus agora dispostos a defender seu país.

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Tracei até aqui em breves linhas o surgimento do Estado de Israel e a oposição sistemática do mundo árabe. Grosso modo, esse foi o tom da história do Oriente Médio de 1947 até os dias de hoje. Guerra e morte, invasões e retaliações, ressentimentos e desprezo profundo de ambos os lados. Uma possível explicação para isso é, por um lado, o fato de o Estado de Israel ser uma nação teocrática. Forte economicamente, com o apoio norte-americano, os israelenses possuem uma linha dura de assentamentos já há alguns anos e que tem provocado ainda mais o ódio muçulmano, pois famílias inteiras de islâmicos são desalojadas e entregues à própria sorte.

Por outro lado, os movimentos palestinos recusam-se a reconhecer a existência do Estado de Israel, fato hoje incontestável, e insistem em um discurso que mescla um discurso de expulsão dos judeus da Palestina com outro ainda mais radical, isto é, seu extermínio. Além disso, o apoio irrestrito dos Estados Unidos à política israelense e a ojeriza popular a tudo o que se refere à cultura islâmica (especialmente após os atentados ao World Trade Center e ao Pentágono) provocam ainda mais os nacionalismos muçulmanos, da Líbia até o Iraque - em que pese o apoio de boa parte das monarquias árabes aos EUA, como vimos durante a Guerra do Golfo. No entanto, é fato que as populações árabes são francamente anti-semitas, por vezes opondo-se publicamente a seus governos.

Assim, concluo esta palestra com bastante pessimismo. A curto/médio prazo não percebo a menor possibilidade de entendimento de ambas as partes. Enquanto existir o binômio Estado/Religião em um país moderno não haverá possibilidade de convivência pacífica multi-étnica ou religiosa dentro de suas fronteiras. A história do ocidente provou que é necessário separar as esferas do poder das verdades da fé. Foi assim que a cultura ocidental conseguiu progresso tecnológico e desenvolvimento econômico, em que pese os problemas existenciais da Modernidade - ou Pós-modernidade. O problema não é religioso ou a religião, pois o homem é um ser que busca e necessita algo transcendental, e sim a utilização que alguns radicais político-religiosos fazem do Estado teocrático para seus próprios fins. Nem o Corão nem a Torah defendem os massacres perpetrados por ambas as partes.

Para que vocês tenham uma idéia das propostas pluralistas e harmoniosas que os religiosos já propuseram ao longo da história humana, termino esta palestra com uma bela citação do Livro do Gentio e dos Três Sábios, um texto escrito por volta de 1274 pelo filósofo Ramon Llull (1232-1316). Um judeu, um cristão e um muçulmano dialogam em uma bela floresta com um ateu sobre as verdades de suas fés. No fim, se despedem

...um do outro muito amável e agradavelmente. Cada um pediu perdão ao outro caso tivesse dito contra a sua Lei alguma palavra vil. Um perdoou o outro e, no momento da partida, um sábio disse: Da ventura que nos ocorreu na floresta, não se seguiria para nós algum proveito? Parecer-vos-ia bem que, por meio das cinco árvores e seguindo as dez condições significadas por suas flores, todos os dias e uma vez por dia disputássemos seguindo as instruções que a Dama Inteligência nos mostrou, e que nosso debate durasse até todos nós três termos uma só fé e uma Lei, e até que tivéssemos entre nós uma maneira de honrar e de servir uns aos outros que nos fizesse concordar? Porque a guerra, o trabalho e a malevolência, e o fazer dano e ultraje impede que os homens concordem em uma crença.

Oxalá chegue o dia que judeus e muçulmanos sentem à mesa, andem pelas ruas e comemorem suas festas e dias sagrados em paz.

 

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Bibliografia

 
HERZL, Theodor. O Estado Judeu. Rio de Janeiro: Mercaz-Wizo-Brasil, 1954.
JOHNSON, Paul. História dos Judeus. Rio de Janeiro: Imago, 1989.
SOLIMAN, Lotfallah. Por uma História Profana da Palestina. São Paulo: Editora Brasiliense, 1990.
WILLMOTT, H. P. “Regresso à Terra Prometida”. In: ALLAN, Tony (dir.). História em Revista - A Sombra dos Ditadores (1925-1950). Rio de Janeiro: Abril Livros, 1993, p. 102-105.

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