Carta do Preste João (c.1160-1190)
Autor anônimo
Preste João, rei dos reis, senhores dos senhores, pela potência e virtude de Deus e poder de Nosso Senhor Jesus Cristo, a Manuel, regedor de Roma, envia saudações e alegria para alcançar maiores coisas. Foi anunciado, junto de Nosa Majestade, que muito prezavas a nossa excelência e que a menção de nossa grandeza chegara até ti. Nós também tivemos conhecimento pelo nosso embaixador de que tencionavas enviar-nos alguns objetos de divertimento com que a nossa justiça se deleitasse. Sendo homem generoso, considerarei bom enviar-te também pelo nosso embaixador alguns presentes, pois queremos e ansiamos por saber se professas conosco a verdadeira fé e se crês sem falha em Nosso Senhor Jesus Cristo. Ora, sabendo nós que tu és um homem, esses teus gregozitos pensam que és um Deus, quando nós sabemos que estás sujeito à corrupção humana.
Pela costumada munificência da nossa liberalidade, se tens falta de algumas coisas que possam contribuir para a tua alegria, dá-no-las a conhecer, quer pelo embaixador, quer por cartas da tua prezada pessoa e obtê-las-ás. Aceita, pelo nosso nome, o colírio e usa-o em teu proveito, já que em abundância o usamos no jarro que nos ofereceste, para que assim, mutuamente, robusteçamos e aperfeiçoemos as nossas forças.
Também contemple e aprecie o nosso diadema. Ora, se quiseres deslocar-te ao nossso reino, nós te atribuiremos uma casa maior e mais esplêndida do que a nossa e, nela, poderás usufruir da nossa abundância; se desejares regressar, regressarás cumulado de todas aquelas coisas que em nosso reino temos em abundância. Lembra-te dos teus novíssimos e livrar-te-ás para sempre do pecado. Mas se queres conhecer a grandeza e excelência da nossa alteza e por que terras se estende o nosso poderio, entende e crê sem falha que eu, Preste João, sou o Senhor dos Senhores e me avantajo a todos os reis da terra inteira em todas as abundâncias que existem debaixo do céu, em força e em poder.
Setenta e dois reis são nossos tributários. Somos um cristão devotado e, onde quer que haja cristãos pobres, que o poder da Nossa Clemência governa, defendemo-los e sustentamo-los com as nossas esmolas. Desejamos ardentemente visitar o sepulcro do Senhor com um grande exército, pois convém à glória da Nossa Majestade humilhar e desbaratar os inimigos da cruz de Cristo e exaltar o Seu bendito nome.
A Nossa Magnificência domina as três Índias; o nosso território começa na Índia posterior, na qual repousa o corpo do apóstolo São Tomé, estende-se pelo deserto em direção ao berço do sol, e desce até a deserta Babilônia, contígua à torre de Babel. Setenta e duas províncias nos prestam vassalagem, das quais poucas são de cristãos e algumas têm reis próprios, os quais, todos eles, são nossos tributários. Na nossa terra nascem e crescem elefantes, dromedários, camelos, hipopótamos, crocodilos, metagalináceos, cameteternos, tinsiretas, panteras, onagros, leões brancos e ruivos, ursos brancos, melros brancos, cigarras mudas, grifos, tigres, lâmias, hienas, porcos selvagens grandes como búfalos e com dentes do comprimento de um côvado, grandes cães selvagens do tamanho de cavalos, cuja ferocidade ultrapassa a de quaisquer outras feras, os quais nossos caçadores, não sei por qual arte, por que encantamento ou ofício, enquanto são cachorros e estão no ninho das mães, roubam, alimentam cuidadosamente e humanizam. Mas depois de crescidos e industriados na caça, são apresentados à Nossa Majestade e, muitas vezes, nas nossas caçadas, cNascem ainda na nossa terra mulheres com grandes corpos, barbas até as mamas, cabeças raspadas, vestidas de peles, ótimas caçadoras, que criam animais selvagens como cães para a caça, leão contra leão, urso contra urso, cervo contra cervo e assim todos os outros;
Bois selvagens, sagitários, homens selvagens, homens com cornos, faunos, sátiros e mulheres da mesma raça, pigmeus, cinocéfalos, gigantes cuja altura é de quarenta côvados, monóculos, ciclopes e uma ave que chaman fênix e quase todo o gênero de animais que existem debaixo do céu.
Em algumas outras províncias nossas crescem formigas com as dimensões de cachorros, com seis pés e asas, à maneira de lagostas marinhas; têm dentes dentro da boca com os quais comem, maiores do que os dos cães e dentes fora da boca maiores do que os dos javalis bravos com os quais capturam quer homens, quer outros animais. Uma vez capturados, imediatamente os devoram. E, o que é mais espantoso, são tão velozes na corrida que se julgaria, sem duvidar, que voam e, por tudo isso, nessas províncias não habitam homens, senão em lugares muito seguros e fortificados. Com efeito, essas formigas permanecem debaixo da terra desde o pôr-do-sol até a hora de terça do dia e durante toda a noite extraem ouro puríssimo e trazem-no para a luz.
Mas desde a hora de terça até o pôr-do-sol mantêm-se à superfície da terra e alimentam-se. Depois, entram debaixo da terra para extraírem ouro. E assim procedem todos os dias. Quando anoitece, os homens descem das suas fortificações e recolhem o ouro, que carregam em elefantes, hipopótamos, camelos, quimeras e outros animais de grande porte e força e transportam-no durante todo o dia para os nossos erários. De noite, trabalham, lavram, semeiam, colhem, vão e vêm e fazem tudo aquilo que querem, pois durante o dia ninguém ousa mostrar-se enquanto as formigas se encontram à superfície da terra, e isto pela força e ferocidade dessas mesmas formigas.
Temos outros povos que somente se alimentam de carnes, quer de homens, quer de animais brutos e disformes, os quais não temem a morte. E quando algum dentre deles morre, tanto os parentes como os estranhos o comem com muita avidez, dizendo: “Sacratíssimo é comer carne humana”. Os nomes deles são estes: Gog e Magog, Amic, Agic, Arenar, Defar, Fontineperi, Conei, Samantae, Agrimandi, Salterei, Armei, Anofragei, Annicefelei, Tasbei, Alanei.
A esses e a muitos outros povos, o jovem Alexandre Magno, rei dos macedônios, enclausurou, entre altíssimos montes, para o lado do Aquilão. A esses, quando queremos, conduzimos contra os nossos inimigos, e é-lhes permitido, pela Nossa Majestade, devorá-los, não restando nenhum homem, nenhum animal que, imediatamente, não seja devorado. Uma vez devorados os inimigos, reconduzimo-los aos seus lugares de origem. E reconduzimo-los porque, se daí voltassem para junto de nós, devorariam todos os homens e todos os animais que encontrassem. Estas nações abomináveis sairão das quatro partes da terra antes da consumação do século no tempo do Anticristo e cercarão todos os castelos dos santos e a grande cidade de Roma que nos propusemos dar ao nosso filhos, com toda a Itália e toda a Germânia e ambas as Gálias, a Inglaterra, a Bretanha e a Escócia. Dar-lhe-emos a Espanha e toda a terra que se estende até o mar coalhado.
E não nos admiremos porque o seu número é como a areia que está nas praias do mar, e a essas nações nenhuma raça, nenhum reino poderá certamente resistir. Estas nações, como efetivamente o profeta profetizou, não se apresentarão a juízo, devido às suas abominações, mas Deus lançará sobre elas o fogo do céu, de tal maneira que serão consumidas e delas não restarão nem sequer as cinzas.
A nossa terra abunda em mel e abunda em leite. Em nenhuma terra nossa os venenos são nocivos nem coaxa a rã palradora, não existe o escorpião nem a cobra serpenteia na erva. Os animais venenosos não podem habitar neste lugar nem aqui causar qualquer dano. Através de uma província nossa onde vivem os pagãos, corre um rio chamado Idono. Esse rio, saindo do Paraíso, estende o seu curso por toda aquela província em diversos meandros, e aí são encontradas pedras naturais, esmeraldas, safiras, carbúnculos, topázios, crisólitos, ônices, berilos, ametistas, sardas e muitas pedras preciosas. Aí nasce uma erva chamada assídio, cuja raiz, se alguém a trouxer consigo, afugenta o espírito imundo e obriga-o a dizer quem é, de onde é e que nome tem.
Por isso, naquela terra, os espíritos imundos não ousam apoderar-se de ninguém. Em outra província nossa nasce e colhe-se toda a pimenta que é trocada por trigo, provisões, couro e panos. Essa terra, porém, é cheia de florestas, principalmente de salgueiros, e repleta de serpentes que são grandes e têm duas cabeças e cornos como os carneiros, e olhos que brilham como lanternas.
Quando a pimenta amadurece, incendeiam-se os bosques e as serpentes, fugindo, refugiam-se nas suas cavernas e assim a pimenta é arrancada dos arbustos e seca.
Quando a pimenta amadurece, vêm todos os povos das regiões próximas, trazendo consigo caniços e lenha muito seca, com o que cercamo bosque por todos os lados e, quando o vento sopra com força, ateiam fogo ao bosque, dentro e fora, para que nenhuma serpente possa sair do bosque, e assim todas as serpentes morrem no fogo fortemente ateado, exceto as que se refugiaram nas cavernas. Uma vez extinto o fogo, homens e mulheres, pequenos e grandes, trazendo forcados nas mãos, entram no bosque e, com os forcados, lançam para fora do bosque as serpentes queimadas e com elas formam enormes montões, como na eira se faz com a palha separada do grão, as quais alguns sábios índios, misturando-lhes algumas ervas medicinais bem secas, no moinho as moem finamente como farinha. Na verdade, essa farinha vale mais do que todas as outras mezinhas, quer na geração dos homens, quer na concepção das mulheres e, para dizer tudo em poucas palavras, ajuda em todas as enfermidades se for aplicada ou ingerida de acordo com cada uma das enfermidades.
Assim é seca a pimenta e colhida dos arbustos queimados e sazonada, mas de que modo ela é seca, a nenhum estrangeiro é permitido sabê-lo. Ora, este bosque fica situado no sopé do monte Olimpo, de onde nasce uma clara fonte que conserva em si o sabor de todas as especiarias. De fato, seu sabor varia a cada hora do dia e da noite e espalha-se a uma distância de três dias, não longe do Paraíso de onde Adão foi expulso. Se alguém beber em jejum três vezes dessa fonte, a partir desse dia nunca mais sofrerá de qualquer doença e será sempre, enquanto viver, como se tivesse trinta e dois anos de idade. Aí há umas pequenas pedras a que chamam “midriosos” que frequentemente as águias costumam transportar para as nossas terras, com as quais rejuvenescem e recuperam a vista. Se alguém usar uma dessas pedras no dedo, nunca lhe fará a vista e, está ameaçado disso, a recobrará e quanto mais a contemplar, mais se lhe aguçará a vista. Consagrada por uma benção legítima, torna o homem invisível, afugenta os ódios, proporciona a concórdia e afasta a inveja.
Nos confins do mundo, contra o sul, possuímos uma ilha grande e inabitada, à qual o Senhor sempre envia copiosíssimas chuvas de maná duas vezes por semana, o qual os povos circunvizinhos recolhem e comem, não se alimentando de mais nada. Não lavram, não semeiam nem colhem nem de qualquer outro modo trabalham a terra para dela colherem tão abundante fruto.
Com efeito, este maná tem, na boca deles, o mesmo paladar que tinha na boca dos filhos de Israel no seu êxodo do Egipto. Estes povos não têm comércio com mulheres, excepto com as próprias esposas. Não conhecem a inveja nem o ódio, vivem pacificamente, e não têm litígios entre si por haveres; acima deles não têm ninguém maior, a não ser aquele que enviamos para receber o nosso tributo.
Pagam, com efeito, todos os anos, como tributo a Nossa Majestade, cinquenta elefantes, e outros tantos hipopótamos, todos eles carregados de [puríssimo bálsamo e igualmente de] pedras preciosas e acrisolado ouro. Certo é que os homens dessa terra abundam em pedras preciosas e fulvo ouro. Todos estes homens, que vivem do pão celeste, vivem quinhentos anos. E, todavia, ao atingir os cem anos, rejuvenescem e renovam-se bebendo todos três vezes de uma certa fonte que brota junto da raiz de uma árvore que se ergue na mencionada ilha. E, bebida ou absorvida essa água três vezes, eu afirmarei que se despojam da velhice de cem anos e, desnudando-se, aparentam, sem hesitação, a idade de trinta ou trinta e cinco anos, não mais. E assim, sempre, todos os cem anos rejuvenescem e de todo transformam.
Terminados os quinhentos anos, morrem e, segundo o costume dessa nação, não são sepultados mas levados para a sobredita ilha e são infixados junto das árvores que aí se encontram, cujas folhas jamais caem e são duríssimas. A sombra dessas folhas é agradabilíssima e os frutos dessas árvores de suavíssimo odor. A carne desses mortos não empalidece nem apodrece, não se liquefaz nem se desfaz em cinzas ou se pulveriza mas, assim como em vida era fresca e rosada, assim permanecerá até que cheguem os tempos do Anticristo, para que se cumpra a palavra de Deus a Adão: “Terra és e em terra te tornarás”, então se abrirá por si própria a terra em profundíssimo abismo, sem que ninguém o tenha escavado, e assim a terra engolirá. E, uma vez engolidos, a terra fechar-se-á, tornando ao que era, e assim a carne deles sob a terra tornar-se-á terra e ressurgirão depois e serão chamados a juízo, para serem julgados e julgarem.
Existe também, em direcção ao Setentrião, naquela parte em que o mundo acaba, um certo lugar que nos pertence, que é chamado a caverna do dragões. Em toda a extensão, em comprimento e largura, em enorme dificuldade e aspereza, profundíssima em profundíssima profundidade, é muito cavernosa e obscura. Neste lugar, na verdade, existem infinitos milhares de terríveis dragões, os quais os habitantes das províncias circunvizinhas guardam com a maior diligência para que nenhuns encantadores dos índios ou provenientes de qualquer outro lugar tentem roubar esses dragões.
Com efeito, costumam os príncipes dos índios, em suas bodas e outras festas, ter dragões, e sem dragões consideram que a festa não teve esplendor. E tal como os pastores costumam domar e domesticar as crias de cavalos dos seus rebanhos de éguas, ensiná-las e adestrá-las e chamá-las com nomes próprios, impor-lhes freio e sela e cavalgá-las sempre que queiram, do mesmo modo esses homens que têm a guarda e adestramento desses dragões, domam-nos, domesticam-nos, põem-lhes freio e sela e, quando e onde querem, cavalgam-nos.
Esses povos dos dragões pagam todos os anos à Nossa Magnificência, como tributo, cem homens, domadores de dragões e cem dragões já tão domesticados que são como ovelhas e, sacudindo a cabeça e a cauda para um e outro lado, brincam com os homens como se fossem cães. Com efeito, esses homens dos dragões são os nossos emissários, os quais, quando apraz à nossa clemência, enviamos, com esses dragões voando pelos ares por todos os céus do mundo, para obter informações acerca de todas as novidades da terra.
Entre outras coisas maravilhosas que cabem em sorte à nossa terra está o mar arenoso, sem água. Com efeito, a areia encapela-se e avoluma-se em ondas à semelhança do mar que nunca está tranquilo. Este mar não pode ser atravessado em navios nem de qualquer outro modo. Embora esteja totalmente privado de água, todavia, encontram-se, perto da margem, do nosso lado, diversas espécies de peixes, agradabilíssimos para comer e saborosíssimos, nunca vistos noutras paragens. A três dias de distância deste mar existem uns montes dos quais desce um rio de pedras grandes e pequenas que trazem consigo madeiros até ao mar arenoso e depois que o rio entra no mar, as pedras e os madeiros desaparecem e nunca mais se vêem. E quando não corre, então pode ser atravessado. Durante quatro dias a passagem é possível.
Existem também na planície, entre o mar arenoso e os sobreditos montes, uma pedra com admirável virtude, tendo em si um poder curativo quase incrível. Com efeito, cura somente os cristãos que o desejam, atacados de qualquer doença, do modo seguinte: A rocha é côncava à maneira de concha de bronze e nela há sempre água da altura de quatro dedos e está sempre à guarda de dois velhos, homens de venerável santidade. Esses homens perguntam primeiro aos que chegam se são cristãos e se querem ser curados, e, em seguida, se desejam, de todo o coração, a saúde. Quando estes confirmam tal, entram na gruta revestidos com as vestes próprias. E se afirmaram coisas verdadeiras, a água começa a subir de tal maneira que os cobre completamente e lhes sobe acima da cabeça. Três vezes se faz o mesmo. Depois, vai decrescendo e regressa à habitual medida. E assim, quem aí, entrou sai da água sarado da lepra ou de qualquer enfermidade que o tivesse atacado.
Contíguo ao deserto, entre os montes inabitáveis, corre sob a terra um ribeiro para o qual não se encontra passagem, a não ser por um acaso. Com efeito, a terra abre-se de quando em quando e, se alguém nesse momento atravessa, pode entrar e sair a grande pressa, não vá, por acaso, a terra fechar-se. E o que se apanha da areia são pedras preciosas e gemas preciosas, porque a areia e o saibro não são aí senão pedras preciosas e gemas preciosas. E esse ribeiro corre para outro rio de maior grandeza no qual os homens da nossa terra entram e daí trazem a maior abundância de pedras preciosas; não ousam, porém, vendê-las sem primeiro as mostrarem à Nossa Excelência. E se nós quisermos ficar com elas para o nosso tesouro ou para uso do nosso poderio, recebemo-las por metade do preço; se não, eles podem livremente vendê-las. Nessa terra são também criados meninos na água, de tal modo que para que possam achar as pedras, por vezes vivem três ou quatro meses de baixo de água.
Para lá do rio das pedras, porém, estão dez tribos de Judeus que, ainda que tenham reis fictícios, são, todavia, nossos vassalos e tributários da nossa excelência.
Em outra província, junto da zona tórrida, existem uns vermes que na nossa língua se chamam salamandras. Esses vermes não podem viver senão no fogo e produzem uma película em volta de si, tal como os outros vermes que fabricam a seda. Esta película é cuidadosamente trabalhada pelas damas do nosso palácio e dela obtemos vestes e panos para todos os usos da Nossa Excelência. Esses panos não são lavados senão no fogo fortemente aceso.
A Nossa Serenidade tem abundância de ouro, prata e pedras preciosas, elefantes, dromedários, camelos e cães. A Nossa Mansidão acolhe todos os hóspedes estrangeiros e peregrinos. Entre nós não existem pobres. Não existe entre nós nem roubo nem rapina, nem o adulador ou o avaro têm aqui lugar. Não há disputas entre nós. Os nossos homens abundam em todas as riquezas. Temos poucos cavalos e de pouca qualidade. Julgamos que não há ninguém que nos iguale em riquezas ou em número de povos.
Além das outras maravilhas da nossa terra, as quais parecem completamente incríveis aos homens, possuímos cinco pedras incrivelmente poderosas, do tamanho de avelãs. A natureza da primeira é tal, que, tanto no Inverno como no Verão, se a colocamos ao relento, ela irradia um frio tão intenso em dez milhas ao redor de si que, na verdade, nenhum homem nem nenhum animal o pode suportar pelo espaço de meio dia, que imediatamente não se resfrie e morra. A natureza da Segunda pedra é tal, que, igualmente, tanto no Inverno como no Verão, se colocamos ao sol, produz um tão grande e ardentíssimo calor, que nenhuma criatura vivente o pode suportar pelo espaço de meio dia, que, tal como a estopa arde no meio do fogo ardente, não se queime completamente e fique reduzida a cinzas.
A terceira pedra está no meio, entre as outras duas. Não é fria nem quente, mas é fria e quente; ambas as situações é temperada para modificar esta ou aquela intempérie cuja violência não poderá assim prejudicar ninguém. A quarta pedra é tal que, se a meio da noite, em grandes trevas, é colocada ao relento, ao seu redor, irradia uma tão grande luz e esplendor num circuito de dez milhas, que nada de tão subtil ou tão exíguo pode ser pode ser imaginado que não possa ser visto, como ao meio dia, com o sol brilhante luzindo.
Mas a quinta pedra é tal que, se, ao meio dia, com sol ardente, é colocada ao ar livre, de modo semelhante, dez milhas ao seu redor produz trevas obscuras, de modo que nenhum mortal pode enxergar o que quer que seja, nem pode também calcular onde se encontra. Como ficou dito, estas pedras, se são colocadas ao ar livre, têm as virtudes sobreditas, mas se estiverem escondidas, não têm estas nem outras virtudes; pelo contrário, são tão desgraçadas que não parecem, de todo em todo, ter qualquer valor.
Temos ainda outras cinco pedras, três das quais são consagradas e duas não. A primeira destas duas, tem por natureza tal virtude que, se é colocada num vaso cheio de água se forma leite muito alvo, muito doce para comer e beber, não havendo, produzido por qualquer animal, nem melhor nem mais agradável. Mas se dessa água é tirada a pedra, volta a ser o que era. A natureza da segunda pedra é tal que semelhante, se se coloca num vaso cheio de água, aí essa mesma água se torna em vinho puríssimo, muito perfumado e, efectivamente, agradabilíssimo para beber.
Nem da videira nem de árvore alguma jamais se colheu melhor e mais doce. E, se dessa água é retirada a pedra, volta a ficar como era, como foi explicado antes a cerca da outra pedra. A primeira das pedras consagradas foi consagrada de tal maneira que, se é metida na água onde existem peixes, logo que é colocada nela, todos os peixes, onde quer que estejam dentro de água, velozmente são atraídos para a pedra, e não podem se arrancados dela enquanto estiver na água. Tão grande é a virtude da consagração desta pedra. Então, quem quer que pretenda apanhar peixes, sem rede, sem anzol ou qualquer outro artifício, sem qualquer trabalho pode alcançar peixes grandes ou pequenos, na quantidade que quiser, conforme queira. Mas quando a pedra é retirada da água, os peixes fogem para onde quiserem.
A Segunda pedra foi consagrada de tal maneirada que, se algum caçador, embrenhando-se pela floresta, arrastar a pedra atrás de si, presa com tendões de dragão, certamente, todos os animais, maiores ou menores, tanto os ursos como os leões, tanto os cervos como os cabritos, tanto as lebres quanto as raposas, tanto os lobos quanto os outros animais que aí habitam, seguem em veloz corrida a trilha do próprio caçador, para onde quer que ele vá e não procuram separar-se dele, enquanto ele quiser levá-los consigo. Tão grande é a virtude de consagração dessa pedra.
E por isso, de entre esses animais, quem quer que o queira, pode apanhá-los sem qualquer dificuldade. E não admira, pois não podem defender-se nem fugir. Mas, recolhida a pedra e solta dos tendões de dragões, metida no esconderijo, os animais regressam para onde quiserem. A terceira pedra foi consagrada de tal modo que, se for aspergida com sangue quente de leão, dela sairá tão grande fogo que, tanto a água como as pedras, tanto a terra como as outras coisas, que o combatam, tal como a estopa facilmente arde até o fim e não pode de nenhuma maneira ser extinta, assim acontece a esta pedra, se não for aspergida com sangue quente de dragão, quando, porém, apraz à Nossa Majestade fazer um fogo desses, temos leões e dragões preparados com o sangue dos quais esse fogo é ateado e extinto. Na verdade com esse fogo destruímos nosso inimigos, se alguma vez se nos apresentam.
Quando avançamos para a guerra contra os nossos inimigos, mandamos transportar ante a nossa face treze grandes e altas cruzes, feitas de ouro e de pedras preciosas, em cada um dos carros , em lugar de estandartes, e a cada uma delas seguem dez mil soldados e cem mil peões armados, exceptuando aqueles que, com as bagagens e os carros, são escolhidos para transportar as virtualhas do exército. Como cavalgamos sem pompa, à frente de nossa majestade segue o lenho da cruz, sem qualquer pintura ou ornato de ouro ou de gemas, para que sejamos sempre lembrados da paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, e um vaso de ouro, cheio de terra para que saibamos que a nossa carne regressará a sua própria origem. E é levado à nossa própria origem.
E é levado à nossa frente em um vazo de prata, cheio de ouro, para que todos compreendam que nós somos o Senhor dos Senhores. De todas as riquezas que existem no mundo, a Nossa Majestade as possui em suprema abundância e excelência.
Entre nós ninguém mente nem ninguém pode mentir. E se alguém começasse a mentir imediatamente morreria e como morto entre nós seria considerado, nem menção deles seria feita perante nós, nem depois alcançaria de nós qualquer honra. Todos respeitamos a verdade e amamo-nos uns aos outros. Não existe adúlteros entre nós. Nenhum vício grassa entre nós.
Todos os anos visitamos o corpo do Santo Profeta e Daniel, com um grande exército, na deserta Babilónia e são todos armados por causa dos “tiros” e outras serpentes que chamam terráqueas. Entre nós são capturados peixes com cujo o sangue é tingida a púrpura. Temos muitas munições e gentes fortíssimas e de diversos aspectos. Temos domínios sobre as Amazonas e também sobre os Brâmanes.
As Amazonas são mulheres que têm uma rainha, sendo a habitação delas uma ilha que se estende por todas as partes na extensão de mil milhas, e é rodeada por todos os lados por um rio que não tem princípio nem fim, como um anel sem gema. A largura desse rio é de mil quinhentos e sessenta e cinco estádios. Nesse rio, porém, existem peixes saborosíssimos para comer [e facílimos de apanhar]. Há também aí outros peixes, grandes e destros, com quatro pés dispostos de muito boa maneira, pescoço normalmente longo, cabeça pequena, orelhas agudas e caudas dispostas de modo muito conveniente.
Estes são por natureza tão mansos como se tivessem sido criados paelos homens e na corrida são tão velozes como os ventos marinhos [e, além disso, oferecem-se no litoral como presa, aos pares, macho e fêmea]. As Amazonas, quando querem, cavalgam-nos durante todo o dia e à noite permitem-lhe que voltem para água. Com efeito, os peixes não podem viver sem água mais do que um dia. Há também outros, formados coo formosíssimos palafréns, muitos e gordos e rombos, os quais, durante todo o dia, semelhantemente cavalgam, e à noite, mandam-nos ir para a água. Outros têm os aspectos de bois e de burros, com os quais lavram, semeiam, transportam todo o dia madeira, pedras ou qualquer outra coisa que queiram, e à noite ficam na água até ao outro dia.
Há também outros, formados como cães grandes e pequenos e são tão velozes na corrida e ensinados para a caça que nenhum animal pode fugir diante deles ou esconder-se, que não seja imediatamente capturado. Outros são como formosíssimos açores, milhafres, falcões e são tão belos como se dez ou muitas vezes fosse transformados, e são de tal modo fortes e velozes no seu vôo que nenhuma ave pode fugir deles que não seja imediatamente capturada. Os maridos das ditas mulheres não moram com elas nem ousam aproximar-se delas se não querem morrer de imediato, mas habitam na outra margem do dito rio. Está estabelecido, com efeito, que qualquer varão que entre na mencionada ilha morrerá neste mesmo dia. São elas, pelo contrário, que vão ao encontro deles e ficam com eles pelo espaço de uma semana, por quinze dias ou mais, após o que se despedem e partem para outras atividades.
Quando nascem meninos alimentam-nos até aos sete anos de idade e, depois entregam-nos aos pais. Mas quando nascem meninas ficam com elas. Essas amazonas são muito preparadas para a guerra e principalmente no arco, lança e venábulo. Usam armas de prata porque não têm outros metais senão prata, de que fazem relhas de arado, enxadas, machados e outros instrumentos. Têm também cavalos terrestres, muito fortes [e velozes], e lutam montando-os, e [quando lutam, ] nesse mesmo combate [...], à frente, atrás, e [por todos os lados], ferem e [destroem] os inimigos. [Voltam sobre os cavalos mais velozmente do que a roda do oleiro quando atinge o máximo do seu movimento rotativo].
Correm, seguramente, com os próprios pés, de tal maneira que, se começam a correr ao mesmo tempo que a seta for disparada do arco, antes que ela atinja a terra, na sua velocíssima corrida, agarram-na com a mão. Quando apraz a Nossa Alteza recrutar um exército delas, contra os nossos inimigos, podemos alistar dez vezes cem mil ou mais, se quisermos. Ora os maridos delas seguem-nas, não para lutarem mas para celebrarem quando regressam vitoriosas da batalha.
Os Brâmanes são muitos e homens simples que levam uma vida pura. Não querem ter mais haveres do que a necessidade da natureza exige. Suportam e aguentam tudo. Dizem ser supérfluo tudo o que não é necessário. são santos mesmo quando ainda em vida. Com cuja santidade e justiça toda a cristandade é em toda a parte sustentada, como veremos, e, para que não seja vencida pelo diabo, é defendida pela suas orações. Eles estão a serviço de Nossa Majestade somente com suas orações e nós não desejamos deles ter mais nada.
Ora o palácio que a Nossa Sublimidade habita, à maneira e semelhança que o apóstolo Tomé construiu para Gundoforo, rei dos indianos, nos fundamentos e restantes estrutura é, em tudo, semelhante àquele. Os tectos trabalhados , traves e arquitraves são de madeira de cedro. A cobertura deste palácio é de ébano, para que, por um acaso, não possa arder. Mas nas proximidades, sobre o cume do palácio, estão dois pomos de ouro e, em cada um deles, dois carbúnculos, para que o ouro resplandeça de dia e os carbúnculos brilhem de noite. As portas maiores do palácio são de sardônica misturada com couro de cerasta, para que ninguém, ocultamente, possa entrar com veneno; as outras são de ébano e as janelas de cristal. As mesas, onde a nossa corte come, umas são de ouro, outras de ametista, e as colunas que sustentam as mesas são de marfim. Diante do nosso palácio existe uma praça, na qual Nossa Justiça costuma assistir aos triunfos dos torneios. O pavimento é de ónix e as paredes entremeadas de ónix, para que, pela virtude desta pedra, se renove a coragem dos lutadores.
No nosso já mencionado palácio não se acende luz de noite a não ser a que se alimenta de bálsamo. A câmara, na qual repousa nossa sublimidade, é ornamentada com maravilhoso trabalho à ouro e todo gênero de pedras. Mas, se por causa do ornato, em qualquer lugar existir ónix. Na mesma câmara estará sempre aceso o bálsamo. O nosso leito é de safira por causa da virtude da castidade. Temos esposas formosíssimas, mas não vem até nós senão para a procriação de filhos quatro vezes por ano e assim, santificadas por nós, como Betsabé por David, cada uma regressa ao seu aposento. A nossa corte tem apenas uma refeição por dia. À nossa mesa comem todos os dias trinta mil homens não contando com os forasteiros que chegam ou partem. E todos eles recebem em cada dia, da nossa câmara, ajudas de custo quer em cavalos quer em outras espécies. Esta mesa é de preciosa esmeralda, sustentada por duas colunas de ametista. A virtude dessa pedra não permite que alguém que se sente a mesa possa ficar embriagado.
E porque os nossos moinhos ficam às vezes submersos por inundações de águas, para que o pão, não venha, ocasionalmente a faltar na nossa corte, por causa da enorme multidão que nos visitam e dos moram conosco, não longe da nossa cidade de Bibrie mandámos fazer um moinho sem água, com forno, como convém a Nossa Majestade. Deste modo: mandámos que fossem feitos quatro grandes e altas colunas de ouro puríssimo, as quais estão dispostas em uma planície, em forma de quadrado, distantes entre si mais de vinte pés.
O comprimento delas é de quarenta côvados, a espessura de dez. Entre essas colunas, na verdade, mandamos construir uma abóbada, mais acima ou globo redondo que assim é igual e unido aos capitéis das colunas, de tal modo que não se eleva acima da coluna nem as colunas a ultrapassam. Nessa abóbada não existe nem uma janela nem fresta. Abaixo da abóbada estão duas grandes mós, dispostas para moer o melhor que se pode, feitas de pedra adamantina, a qual pedra nem pedra nem fogo nem ferro podem desgastar. Mas sob abóbada, debaixo das colunas está uma grande roda com robusto espigão de ouro fulvíssimo, formada e disposta como nos outros, formada e disposta como nos outros moinhos.
Essa roda gira velozmente de tal modo, pela virtude da pedra [que está no pavimento], que se alguém quiser nela fixar os olhos firmemente, imediatamente, perderá a visão. Do mesmo modo, o grão, pela virtude das pedras, sobe para o moinho por umas das colunas e a farinha desce por outra, em circulo, onde o pão é feito pelos padeiros e, colocado num forno feito de asbesto, é cozido. O pavimento do forno é de topázio verde.
Ora, quando a mó superior roda mais velozmente do que pode acreditar-se ou imaginar-se, o seu movimento torna-se invisível. Afastada deste moinho, na direção do oriente, sobre altíssimos montes ao qual sopra sempre um vento violentíssimo, mandámos construir uma grande via, subterrânea, de quase vinte milhas, com uma larguíssima abertura. Construímos também outras vias menores, de duas milhas que, todas elas, debaixo da terra, até o moinho. Por essas vias entra o vento, o qual sai pela coluna de ouro, que está inclinada para a roda e se estende até esta mesma roda e que, na parte superior é larga e estreita na parte superior, de modo que o vento se repercute na roda com ímpeto mais violento, fazendo-a girar mais velozmente.
Mandamos fazer coisa semelhante a ocidente, meridião e setentrião para que, venha o vento de onde vier, faça moer o moinho ininterruptamente e em contínuo, por cima da abóbada e do globo, que não é mais ampla que as largas mós que estão no interior. E não há aí qualquer abertura ou janela para que o vento, por ventura não sopre sobre a farinha, espalhando-a. Mandamos também preparar outro edifício largo e alto, para o qual se sobe em uma escadaria de cento e quarenta degraus e por outro igual, do outro lado se desce, sendo os degraus uns de ouro, outros de prata, outros de pedras preciosas variadas e entre si dispostas. A largura desta escadarias é de dez côvados e é tão larga que por ela cabe um carro carregado de trigo. Os galos, que nascem numa ilha dos nossos domínios, que são maiores em estaturas, até mesmo esses, por essa escadaria o arrastam facilmente até ao cimo do moinho.
No pavimento desse edifício, que é o tecto do moinho, existe uma grande abertura através da qual o trigo é lançado no moinho para cuja tarefa são destacados, todos os dias, duzentos homens, e estes não podem comer tanto que o moinho não os possa satisfazer. Existe também, neste moinho, do lado de baixo, sob as colunas, outra abertura naquela parte em que o moino despeja a farinha que desce para a padaria pela grande e áurea coluna afuselada, a qual está de tal maneira acoplada à abertura, que ninguém poderá aperceber-se dela.
Nessa padaria, o nosso forno é construído de maneira admirável. Com efeito, o forno, exteriormente, é feito de pedras preciosas e ouro e, no interior, o teto e as paredes são de asbesto, cuja natureza é tal que, uma vez aquecido, mesmo sem fogo, ficará para sempre quente. Ora, é de ouro adamantino, cuja resistência nem o fero nem o fogo nem qualquer outro material senão o sangue de “ircino”, poderá desgastar. Sob este pavimente, mandámos ainda construir um outro...
De topázio verde que é, por natureza, frio para temperar a quentura do asbesto. Doutro modo, o pão não cozeria, mas queimar-se-ia. Tal a quentura desse material. O comprimento deste forno é de quarenta côvados, a largura de quinze. As moendas são de um lado e do outro dez, e por cada moenda há dez padeiros e cada um deles têm de benefício do forno a posse de quinhentos soldados e muitas outras riquezas. Mas o chefe dos padeiros tem tanto quanto todos outros juntos [e, pela honra do cargo, tem até mais do que os outros]. Do mesmo modo há moleiros e todos têm os mesmos benefícios que os nossos padeiros [porque se os padeiros fossem menos do que os moleiros, ou os moleiros menos do que os padeiros, por ventura entre eles poderia nascer inveja ou conflito. Assim, aprouve à Nossa Majestade igualá-los tanto em número quanto em benefício].
Diante dos portais do nosso palácio, contíguo com o local onde agonizam os que combatem em duelo, está um espelho de enormes dimensões, ao qual se acede por cento e vinte e cinco degraus. Ora, de degraus são de pórfiro e, parte deles, de serpentino, e de alabastro o terço inteiro. Daqui até a terça parte superior são de pedra cristalina sardónica. A terça parte superior é de ametista, âmbar, jasper e pantera. O espelho está infixado sobre uma única coluna. Mas sobre existe uma base jacente e duas colunas sobre essa base e, sobre elas, outra base e sobre ela quatro colunas, sobre as quais, de novo assenta outra base, sobre a qual trinta e duas colunas, sobre as quais outra base, e sobre ela sessenta e quatro colunas, sobre as quais outra base, e sobre ela tinta e duas colunas.
E assim, em ordem decrescente, diminuem as colunas, como tinham aumentado na ordem crescente, até uma. Porém, as colunas e as bases são do mesmo gênero de pedras das dos degraus por onde se sobe até elas. E no cume da última coluna está o espelho, com tal magia fabricado, que todas as conspirações e tudo o que, por nós ou contra nós nas províncias adjacentes e por nós dominadas forem feitas, podem ser clarissimamente vistas e identificadas. O espelho é guardado dia e noite por doze mil soldados armados, não fosse acontecer que se quebrasse ou desviasse.
Todos os meses à nossa mesa se servem sete reis, cada um dos quais segundo a sua ordem, sessenta e dois duques, trezentos e quarenta e cinco condes, exceto aqueles que foram destronados para diversos encargos na nossa corte. À nossa mesa comem todos os dias a nosso lado, à direita, doze arcebispos, à esquerda, vinte bispos, além do patriarca de São Tomé e o protopapatem de Sarmagantino e o aquipropapatem de Susa, onde tem sua sede o trono e o sólido da Nossa Glória e o palácio imperial. Cada um dos quais, todos os meses, rotativamente regressam à sua própria mansão. Os outros nunca se afastam do nosso lado. Os abades, por seu lado, servem-nos segundo o número dos dias do ano na nossa capela e todos os meses regressam as suas casas e os outros igualmente em cada mês regressam para o desempenho do encargo da capela.
Temos ainda outro palácio que não é maior em extensão mas sim em altura esplendor, o qual foi construído segundo uma revelação que, antes de sermos nascido, nosso pai teve, a quem, pela santidade e justiça que maravilhosamente havia nele, era dado o nome de Quasedeus. Foi-lhe, pois, dito em sinhos: “Constrói um palácio para o teu filho que te nascerá, o qual será reis dos reis terreno e senhor dos senhores de toda a terra. E obterá esse palácio da mão de Deus uma graça tal que, dentro dele, ninguém terá fome ou cairá doente, ninguém, dentro dele, poderá morrer desde o dia em que tiver lá entrando.
Ninguém nesse dia em que lá entrar ficará doente, ninguém terá fome, nem, permanecendo aí, morrerá.
E se, porventura, alguém tiver a mais forte fome que puder e adoecer de morte, se entrar no palácio e aí se demorar um curto espaço, sairás saciado como se tivesse comido cem iguarias e tão são como se na vida nunca tivesse estado enfermo.”
Aí nasce também uma fonte de água saborosíssima e perfumada, e que nunca sai do palácio mas, do canto onde nasce, corre através do palácio para outro canto e aí a recebe a terra e volta para o interior da terra de onde brotou, tal como o sol do oriente regressa, por debaixo da terra, ao oriente. Terá, na boca de quem quer que a tomar, o sabor de tudo que cada um desejar comer e comer. Inundará o palácio de tantos odores, como se todos os géneros de especiarias, aromas e unguentos aí fossem preparados e trazidos, e muito mais até do que esses.
Da qual fonte, sem falha, se alguém por três anos e três meses e três semanas e três dias e três horas todos os dias a tiver povoado, não antes dessa hora nem depois dessa hora mas se a tiver bebido no espaço que está antes do princípio e depois do fim dessas três horas, três vezes em jejum, certamente, não morrerá dentro de trezentos anos e três meses e três dias e três horas e ficará para sempre na idade da mais florida juventude. [Quem quer que tenha vivido tanto tempo, no último dia dos tempos prenunciados, convocará seus amigos e parentes e lhes dirá: “Meus amigos e parentes, eis que se me aproxima a morte. Peço-vos que fecheis o sepulcro sobre mim e rogueis por mim”. Dito isto assim, entrará no sepúlcro e, despedindo-se deles, acomodar-se-á como se quisesse dormir, para que se cumpra a profecia “acabada a hora rende a alma ao Criador”. Ao verem isto, todos, segundo o costume, choram sobre o corpo do ente querido e, fechado o sepúlcro, encomendam-no ao senhor e partem.
“Desses acontecimentos, eis os sinais que te dou: Na planície que chamam Rimoc há uma cantaria grande e alta que Poro, rei dos indianos mandou aplanar e afeiçoar em quadrados. Tem de altura cem passos e cinquenta de largura e para todos os lados, a partir desta cantaria estende-se esta planície quase por vinte milhas. Na qual, é certo que não existe árvore nem pedra nem colina nem vale mas sim muitas fontes e ribeiros de água muito doce, correndo irregularmente pela planície; e todos os géneros de ervas aromáticas aí são encontradas. Sobre a tal pedra a noite nascerá uma tão grande e formosa árvore a qual nunca foi vista desde o princípio do mundo nem o será até o fim. A ela não acederá ave alguma para que, de nenhum modo a possa estragar.
E nenhuma das suas folhas que são densíssimas e brilhantes como ouro, jamais cairá. Mas no cume dessa árvore nascerá um madeiro completamente direito e sem ramos nem folhas, com cem pés de altura e com diâmetro que dois podem abraçar. Na sua extremidade nascerá um pomo, incrivelmente grande e brilhante, cujo esplendor ninguém poderá suportar com o olhar, a menos que coloque a mão na frente como se quisesse contemplar o sol. E onde quer que [estejam ou] se detenham a contemplar esse ponto, se estiverem enfermos ficarão curados com a suavidade do seu aroma ou, se estiverem cansados, imediatamente recuperarão as forças que antes tinham. Se estiverem esfomeados ou sequiosos rapidamente serão saciados, de tal modo que, pelo menos por dezoito dias não terão mais fome nem sede”.
Ao amanhecer, Quase deus, meu pai, aterrorizado por tão grande visão, ergueu-se e meditando e estando mui cuidoso, ouviu uma voz altissonante que todos os que estavam presentes também ouviram, a qual dizia: “Ó Quasedeus, faz o que te está assinalado e não hesites de modo algum, porque todas as coisas sucederão como foi anunciado.” Como esta voz, na verdade, meu pai ficou confortado e imediatamente mandou construir o palácio, em cuja composição não entram senão pedras preciosas e, por cimento, ouro do melhor quilate, liquefeito.
O tecto é de safiras brilhantíssimas e, misturados irregularmente, topázios transparentes, de maneira que as safiras à semelhança do claro céu e os topázios a maneira de estrelas iluminem o palácio. Quinhentas colunas de ouro puríssimo, à maneiras de agulhas, estão dispostas dento do palácio junto às paredes.] Está uma em cada canto e as restantes estão colocadas a seguir. A altura de cada uma das colunas é de quarenta côvados, a sua espessura é a que dois homens podem abranger com os braços e no cume de cada uma está um carbúnculo tão grande como uma grande ânfora, pelos quais o palácio é iluminado como o mundo pelo sol.
Responder-te-ei se perguntares, por que são as colunas agudas como agulhas? É evidente que a causa é que se fossem tão grossas em cima como em baixo, o pavimento e todo o palácio não seria tão esplendorosamente iluminado pelos carbúnculos.
Do mesmo modo, te responderei, caso me perguntes se existe aí claridade. É tão grande aí a claridade, que nada de tão pequeno e insignificante pode ser imaginado que, estando sobre o pavimento, não pudesse ser claramente enxergado. Nenhuma janela ou abertura aí existe para que a claridade dos carbúnculos e das outras pedras não possa, de modo algum, ser obnubilada pela caridade do sereníssimo céu e do sol.
Há apenas uma porta de puríssimo e lúcido cristal, circundada de fulvo ouro, virada a oriente cuja a altura é de trinta côvados a qual, quando Nossa Sublimidade vem ao palácio abre e fecha sozinha, não lhe tocando ninguém. Mas quando outrem entra, são os porteiros que a abrem e a fecham. Por vezes, entramos desse palácio para beber da fonte, quando entramos dessa cidade em que está implantado o palácio, chamada briebric. Mas, quando viajamos a cavalo, mandamos transportar connosco, para onde quer que vamos, da água dessa fonte, e todos os dias em jejum dela provamos três vezes, tal como foi preceituando na visão de meu pai.
No dia do nosso nascimento e sempre que somos coroado, entramos nesse palácio e enquanto permanecemos no seu interior, e se podemos aí comer, depois ao partir, estamos tão saciado, como se tivéssemos ficado repleto de todo o género de alimentos.
Contígua ao palácio temos uma capela de vidro, não fabricada por mão humana, mais maravilhosa do que todas as maravilhas, a qual, nada existindo nesse lugar, no primeiro dia do nosso nascimento surgiu aí, onde agora está, para honra e glória do nosso nome. A sua divina disposição é assim: se entram três homens, fica cheia; se entram dez ou vinte aumenta e cheia fica [se entram cem ou mil, volta a crescer e continua cheia; e] se entram dez ou vinte mil, ou até cem mil, continua a aumentar ou a ficar cheia . [De três e acima de três até ao infinito aumenta sempre e fica sempre cheia]. E assim como cresce com a entrada dos homens até ao infinito e está sempre cheia. Mas de três para baixo não aumenta nem diminui.
Isso, na verdade têm a significância da Santa e Indivisa Trindade porque, assim como a capela de três para baixo não sofre aumento nem diminuição, assim também a Santa Trindade não sofre aumento nem diminuição, não aceita mais nem menos Pessoas do que as três. Filho e Espírito Santo, que são três Pessoas em um só Deus verdadeiro e uma essência divina.
Todos os capelães dessa capela foram escolhidos e todos os que devem ser capelães são escolhidos nos ventres das mães. Também devem ser limpos e virgens de toda a mancha esses que em tão sagrado e santíssimo lugar procedem aos ofícios divinos. Mas quando nas horas devidas devem entrar na capel para celebrar os ofícios divinos, antes de entrar desnudam-se completamente numa câmara contígua à capela que, para isso mandámos construir.
E assim ficam desnudos no liar da capela e nesse lugar recebem [admirásseis e indescritíveis] vestes, revestidos das quais celebram solene [e devota] – mente os ofícios divinos. Se se pergunta de onde vêm as vestes e de que modo são feitas e por quem são entregues nem eles próprios que as recebem nem nenhum mortal poderá dizer nem se quer imaginar. Sabemos apenas isto, que são de tal modo brilhantes e esplendorosas que ninguém sem proteção nos olhos pode contempla-las. Eis que, celebradas as cerimônias, no mesmo lugar onde receberam as vestes, não sabendo como nem de que modo, delas se despojam, e vestindo as suas próprias vestes na sobredita câmara, voltam para o claustro que é ali mui perto. Das riquezas e grandeza desse claustro, longo seria narrar. Somente se pode saber que nenhum reino pode se lhe igualar em riquezas.
Possuímos também uma árvore [magna] em cujo cimo existe um madeiro com um pomo na extremidade. Dessa dita árvore escorre espontâneamente uma resina brilhante apenas por uma abertura, a qual, quando endurece, se torna como numa pedra a que chamam “stintoquim”. A sua natureza é tal que, assim como a água extingue o fogo e assim como o fogo queima a candeia, a sobredita resina consome o ferro e se um navio é conduzido pelos mares ou através dos rios de costa a costa, essa resina, sem falha, divide a água, de tal modo que quem quer que pode atravessar sem qualquer dúvida, de um lado a outro a pé enxuto.
Ora, desta resina, quando está fresca, podemos mandar fazer anéis ou que quer que seja como de maleável cera. Mais ainda pela resistência desta pedra proveniente da mencionada resina, mandamos fazer as nossas armas como, por exemplo, o escudo, a lança, o gládio, a lobriga, as esporas e perneiras as quais, com efeito, resplandecem quer de dia quer de noite como duas estrelas no céu.
Ora, alguns sábios índios dizem que a sobredita árvore representa a nossa pessoa porque, tal como essa árvore ultrapassa as outras em fruto e aroma, do mesmo modo a nossa pessoa neste mundo não tem semelhança nem igual. Do madeiro que está no alto desta árvore, dizem que representa o nosso poder porque, tal como essa árvore é alta e forte, assim também o nosso poder também é [alto, ou antes é] tão alto e forte que não pode ser superado por nenhum outro.
Por seu lado, do pomo, que está na extremidade do madeiro afirmam, igualmente, que corresponde a nossa justiça, porque, tal como a suavidade do seu aroma os enfermos são curados, os abatidos recuperam, os esfomeados e sequiosos são saciados, assim é com a nossa justiça. E, o que é mais, os homens vivem melhor e mais tempo. Outros, porém, dizem que a [sobredita] árvore significa o mundo. Porém, o madeiro representa [igualmente] a nossa pessoa porque, assim como a árvore está abaixo do madeiro, assim todo o [orbe ou] mundo está abaixo da nossa pessoa. Mas o pomo, como foi dito, significa a nossa justiça.
Temos ainda um outro palácio que pertenceu a Poro, rei dos indianos, de cuja estirpe toda a nossa terra e geração descende. No qual palácio muitas coisas há de completamente incríveis para a mente humana. Aí, [com efeito], erguem-se quinhentas colunas de ouro e videiras de ouro pendem entre essas colunas, ostentando folhas e ramos, uns de ouro, outros de cristal, outros de safira, outros de pérolas, outros de esmeraldas e as sua paredes estão revestidas de lâminas de ouro, com a espessura de dedos humanos. As suas paredes são ornadas de pérolas, [carbúnculos] e todas as pedras preciosas. Fora do palácio estão colunas de marfim totalmente revestidas com lâminas de ouro. As câmaras são de madeiras de cedro e ornadas, com toda a arte como jamais pode ser encontrada de pedras preciosas.
Na grande sala desse palácio estão vinte grandes estátuas de ouro e por baixo delas estão outras tantas grandes árvores de prata, como lanternas brilhando intensamente, e nelas estão pousadas aves de ouro de todas as espécies, e cada qual tem as cores segundo a sua espécie e estão dispostas consoante a arte da música, porque, quando o rei Poro desejava, todas em simultâneo cantavam segundo a sua maneira ou então cada uma por si só. Semelhantemente, as ditas estátuas são também aptas para a música de tal maneira que segundo a vontade do rei cantam tão doce e suavemente quanto pode imaginar-se. E, o que é maravilha entre as maravilhas, parecem, à maneira do histriões, dançar de modos diversos e exercitar-se em contorcionismos, daqui e dali, A essas estátuas e essas aves, tanto no inverno quanto no verão, quando apraz a Nossa Alteza, mandamo-las cantar e dançar e a doçura e suavidade de seus cantos é tal e tanta que imediatamente os que os ouvem adormecem como se ficassem fora de si.
Neste ponto, queremos dizer-te, para tua informação, alguma coisa acerca do alimento de que se sustenta a Nossa Sublimidade. Apenas “alguma coisa” diremos porque o nosso alimento é confeccionado com tanta variedade e tantas técnicas, que seria longo descrevê-las em por menor. Neste momento saibas apenas que o nosso alimento não é cozinhado ao fogo par que não sejas conspurcado nem pelo fumo nem pela fuligem nem pelas cinzas ou até pelo carvão. Possuímos com efeito, uma certa pedra, chamada “zimur”, que existe num monte que tem o mesmo nome de zimurc que, por sua natureza é quentíssimo de tal modo que, se falha, nenhum mortal pode tocar-lhe, a menos que leve nas mãos tenazes de ferro.
Desta pedra, na verdade, são feitos vasos dourados no seu interior, dentro dos quais o nosso alimentos é cozinhado sem fogo. Possuímos também ma fonte sempre efervescente e que permanece naturalmente e definitivamente quente a cujo calor é cozinhado não menos nem pior mas melhor e com mais pureza do que ao fogo. Decerto, a virtude dessa água é tal e tanta que, se é recolhida, continua efervescente, tornando-se cada vez mais quente e para quanto mais longe é levada quanto mais efervescente e mais quente se torna. Por isso enchem-se grandes conchas de ouro ou potes dourados os quais se colocam em grandes tripés de ouro. Sobre eles se colocam então os ditos vasos de pedra, dos quais o nosso alimento quer com o calor da água quer dos vasos sem fogo, é cozinhado requintadamente, sem fumo. Sempre que cavalgamos, mandamos que levem connosco dessa água com esses vasos para que, onde quer que estejamos, o nosso alimento seja preparado assim como acima foi dito.
Se de novo perguntares porque razão o Criador de todas as coisas nos fez o mais poderoso e o mais glorioso de todos os mortais, responderei que,
Porque a Nossa Sublimidade não permite assumir um título mais digno do que o de Presbítero não deves, por prudência, admirar-te. Temos, com efeito, na nossa corte, ministros com título e cargo mais honroso no que respeita à dignidade eclesiástica e também maiores do que nós nos ofícios divinos. O nosso mordomo-mor é primaz e rei, o nosso copeiro é arcebispo e rei, o nosso camareiro é bispo e rei, o nosso marechal é rei e arquimandrita, o chefes dos cozinheiros é rei e abade. E por isso a Nossa Alteza não consente ser nomeada pelos nomes nem designada pelos mesmos cargos de que a nossa corte parece estar cheia e, por isso mesmo e em sinal da humildade, prefere assumir um título menor e um grau inferior.
Acerca da nossa glória e poder não podemos, ao presente, dizer-te mais. Mas, quando vieres até nós, verás que na verdade somos o Senhor dos Senhores de toda a terra. Por agora, saibas apenas este pouco, a saber que
A nossa terra [se] estende para um lado até à extensão de quatro meses em largura, e para o outro lado ninguém pode saber até onde se dilata o nosso domínio. Se podes contar as estrelas do céu e as areias do mar, então poderás contar os nossos domínios e o nosso poder.
Feita [na nossa cidade de] Bibric no dia quinze das Calendas de abril do ano 51 do nosso nascimento.
Como confirmação: todas as coisas que acima são ditas, por incríveis que pareçam, são verdadeiras: por isso o cardeal, de nome Estévam, as afirmava sobre juramento de sua fé, e anunciava-as publicamente a todos.
Trata-se do livro ou história do Preste João, que foi traduzida do grego em latim pelo arcebispo Cristiano de Mogúncia.
Esse mencionado Cristiano foi o arcebispo Conrado. O referido Manuel reinou na Grécia desde o ano do Senhor de 1144 até ao ano do Senhor 1180.