Com a suave claridade

 

III. Com a suave claridade
Ab la fresca clardat
1

Berenguer de Palou (c. 1160-1209)
Trad. e notas: Ricardo da Costa e Matheus Corassa da Silva

 

 

 

 

 

 

 

I

Ab la fresca clardat

Com a suave claridade

01

Que mou del temps sere,

que desce do céu sereno,

 

Dona, et ab l’estat

senhora, neste tempo

 

Que renovela e ve

que novamente retorna,

 

Ai tot mon cor pauzat

coloquei todo o meu coração

05

[En la vostra merce,]

em vossa mercê.

 

E quar tant ai estat

Por isso há tempos

 

Que vezer no·us volia,

não desejo vê-la.2

 

Si la colpa es mia,

Pois se a culpa é minha,

 

Et ieu m’o ai comprat.

já a paguei custosamente.3

10

 

 

 

 

 

 

 

 

II

Mas tant ai sofertat

Tanto suportei

 

Gran dezir e sai be

grandes desejos, que bem sei

 

Que si m’avetz desgrat

que se encorajei vossa má vontade,

 

A mon tort s’esdeve,

isto se deveu à minha falta,

 

Dona, e per ma foudat

senhora, e à minha loucura.

15

Quar d’amic no·s cove

Pois não convém que um amigo4

 

Qu’el truep si dons irat

irrite sua senhora

 

Per nulha fellonia,

por qualquer felonia.

 

E fols hom no·s castia

Mas o louco só se reencontra

 

Ans a trop mescabat.

quando já sofreu sua loucura.

20

 

 

 

 

 

 

 

 

 

III

Be m’avi’ acordat

Eu havia prometido

 

Qu’al cor vires lo fre,

pôr freios em meu coração.

 

Mas quan vey la beutat

Mas quando vejo esta beleza,

 

E·l belh cors blanc e le,

este belo corpo branco e moldado,

 

Graile, gras e delguat,

arredondado, esbelto e delgado,

25

E·l plus azaut qu'om ve

o mais gracioso que se pode ver,

 

E·l mielhs afaissonat,

e melhor esculpido,

 

Totz mon cor se cambia

meu coração muda tanto,

 

Que de vos no·s partria

que de vós não me separaria

 

Per nulh autr’embayssat.

por nenhuma mensagem de amor.

30

 

 

 

 

 

 

 

 

IV

Tan n’ai grant voluntat

Tenho por vós tal desejo,

 

E tant hi vey de be

vejo em vós tanto bem,

 

E tan mi ve per grat

e tanto me agrada

 

Qu’ie·us am per bona fe,

vos amar de boa-fé,

 

E tan m’avetz trobat

e encontrastes em mim

35

Ab leyal cor ancse

um coração tão leal

 

Que vos avetz comtat

que deveis saber

 

Qu’ie·us aya ad amia

que vos terei um dia por amiga

 

Per plana drudairia,

e seremos verdadeiros.

 

O·y auriatz peccat.

Do contrário, pecaríamos.

40

 

 

 

 

 

 

 

 

V

Per vos ai oblidat,

Por vós esqueci,

 

E non per altra re,

e por nada mais,

 

Tot quant avi’amat,

tudo o que amei,

 

Que de pauc mi sove;

que não lembro de mais nada.

 

Si ai per vos camjat,

Se mudei por vós,

45

Camjatz, dona, per me

mude, senhora, por mim

 

Vostre cors abdura[t],

vosso duro coração.

 

Vulhatz ma companhia

Desejai minha companhia,

 

Aissi cum ieu volria

assim como eu gostaria

 

Vos e vostr’amistat.

de vós e de vossa amizade.

50

 

 

 

VI

Me avetz, En Bernat,

Vós me tendes, Dom Bernard,5

 

En vostra senhoria

em vossa senhoria,

 

Mielhs qu’om ja non auria

melhor ninguém teria

 

Ren que agues comprat.

mesmo se tivesse comprado.6

 

 

 

 

 

VII

Chanso, a Na Maria

Canção, à Dona Maria7

55

iguas qu’ieu chantaria

diga que eu cantarei

 

Si·n sabi’aver grat.

se souber que me será grata.8

 

 

 

 

Notas

  • 1. Tradução feita a partir do texto original editado por JEANROY, Alfred; AUBRY, Pierre. “Huit chansons de Bérenger de Palazol”. InAnuari de l'Institut d'Estudis Catalans 2 (1908), p. 520-540. InternetCorpus des TroubadoursInstitut d’Estudis Catalans (letra) e Jan-Maria CARLOTTI, Recital de Trobadors medievals (canção).
  • 2. Isto é, por amá-la, o trovador sofre, e por isso não deseja vê-la para não sofrer ainda mais.
  • 3. Uma associação muito comum entre a Natureza e a lembrança da amada.
  • 4. Isto é, amante (na linguagem cortês, amigo).
  • 5. Trata-se de Bernat de Navata (Alt Ampordá), marido de D. Maria que, em 1190, recebeu a vila (uma jurisdição senhorial) em feudo do rei Afonso, o Casto (1157-1196), de Aragão e conde de Barcelona.
  • 6. Aqui o trovador se dirige ao seu senhor feudal, esposo de sua amada.
  • 7. Trata-se de Maria de Peralada, esposa de Bernat de Navata, dama que tinha posses no Empordà e em Torrelles de Rosselló, próximo a Palou.
  • 8. Berenguer de Palou foi da Catalunha, do condado de Rossilhão. Foi um cavaleiro pobre, mas galante, instruído e bom nas armas. Trovou canções bem, e cantava para Ermesenda de Avinhão, esposa de Arnau de Avinhão, filho de Maria de Peralada, DE RIQUER, Martín. Vidas y amores de los trovadores y sus damas. Barcelona: Acantilado, 2004, p. 213 (159. BERENGUER DE PALOU).