Corpo transgredido, locus profanado

O martírio de Tomás Becket (c.1118-1170) na arte medieval

Ricardo da COSTA

Trabalho apresentado no
XXXIV Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte,
Sessão temática 7 – Territórios do corpo: entre o humano e o pós-humano,
Mesa 4, 27 de agosto de 2014,
Universidade Federal de UberlândiaCampus Santa Mônica.

In: ANDRADE, Marco Antonio Pasqualini de (org.).
Anais do XXXIV Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte: Territórios da Arte.
Uberlândia: Comitê Brasileiro de História da Arte, 2015, vol. 2, p. 1167-1176
(ISSN 2236-0719).
 

Resumo: Estudo iconográfico de imagens medievais a respeito do martírio de Tomás Becket (1118-1170), especialmente o afresco da absidíola da Igreja de Santa Maria de Terrassa (c.1180) que representa a consagração, a morte e o enterramento de Santo Tomás. Nossa base textual de análise serão extratos de quatro textos medievais: a História dos Arcebispos de Canterbury (c. 1141-1210), de Gervásio de Canterbury, a Vida de São Tomás, arcebispo da Cantuária e mártir, de Edward Grim (séc. XII), a Crônica de Bento de Peterborough (†1194) e a Legenda Áurea (c. 1252-1270) de Jacopo de Varazze (c. 1230-1298).

Abstract: Iconographic study of medieval images about martyrdom of Thomas Becket (1118-1170), especially the fresco in the apse chapel of the Church of Santa Maria de Terrassa (c. 1180) wich represent the consecration, death and burial of St. Thomas. Our analysis will be based on extracts by four medieval documents: the History of the Archbishops of Canterbury (c. 1141-1210), by Gervase of Canterbury, the Vita S. Thomae, Cantuariensis Archepiscopi et Martyris, by Edward Grim (XII century), the Chronicle of Benedict of Peterborough (†1194) and the Golden Legend, by Jacobus de Voragine (c. 1230-1298).

Palavras-chave: Arte Medieval − Iconografia − Thomas Becket − Martírio − Santidade.

Keywords: Medieval Art − Iconography − Thomas Becket − Martyrdom − Holiness.

I. O martírio

Vejam então que maravilha: enquanto ainda agonizava, falava e estava de pé, ele foi chamado de “traidor do rei”, mas, ao cair, já com seus miolos à mostra, ele foi chamado de “Santo Tomás”, antes mesmo de seu último suspiro.
História dos Arcebispos de Canterbury, cap. “A Morte de Tomás Becket”, de Gervásio de Canterbury (c. 1141-1210).1

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Representação de Tomás Becket. Detalhe de um vitral do século XIII (reconstituído em 1919 por Samuel Caldwell Jr.). Catedral de Canterbury (Kent, Inglaterra). Os artistas medievais tinham especial afeição pelas cores primárias. Através delas, os raios do sol entravam nos santuários, filtrados pelas figuras santas. Era uma tal profusão de cores que, além do arrebatamento estético, os crentes sentiam um arrebatamento religioso. Na figura, um halo vermelho contorna a cabeça de Becket, símbolo de sua santidade. Na explosão de cores dos vitrais da Catedral, principal característica de seu estilo artístico, toda a força da personalidade do arcebispo de Canterbury está muito bem registrada no personagem. Da expressão dos olhos, grandes e amendoados, firmes e penetrantes, à sisudez da boca que emerge da barba espessa. Um dos protagonistas mais importantes de seu tempo, Becket representou a força da independência da Igreja face às monarquias ascendentes, tensão onipresente ao longo da Idade Média, ou, nas palavras nada espiritualizadas de Jean-Philippe Genet, “o mártir do privilégio do Estado clerical”.2

1170, véspera do Ano Novo. Quatro cavaleiros, rufiões, ou “servidores mandriões”3, segundo o próprio (e poderosíssimo) rei Henrique II (1133-1189), desejosos de agradá-lo, partiram da Normandia e rumaram para a Inglaterra, decididos a assassinar Tomás Becket.

No entanto, a “ordem” real havia sido muito mais oriunda de um momento passional do que propriamente de uma motivação consciente. Mas a Idade Média já conhecia as funestas consequências dos aduladores que sempre cercam os poderes instituídos. Por exemplo, uma das obras fundadoras do pensamento político no Ocidente, Policrático (Policraticus, sive De nugis curialium et vestigiis philosophorum, 1159), de João de Salisbury (c. 1115-1180) − aliás, ele próprio secretário de Becket −, já havia alertado o séquito de cortesãos que costumeiramente cercava reis e príncipes em suas faustosas vidas nobiliárquicas.4

Seja como for, é notável como o arcebispo enfrentou resolutamente seus sequazes. Com coragem e altruísmo. Altivez e firmeza. Até à morte. Resumamos o fato, de acordo com Gervásio de Canterbury (c.1141-1210), fonte mais próxima dos acontecimentos.

Becket recebeu em sua residência quatro cavaleiros do rei. Queriam eles conversar com o arcebispo. Após desentendimentos e ameaças, os nobres retiraram-se para o pátio. Prepararam-se para o desfecho. Apreensivo, o séquito do arcebispo rogou que fugisse. Decidido, ele exigiu obediência dos seus: que ninguém fechasse as portas da igreja. Assim, foi para a catedral para preparar as atividades litúrgicas da noite.

Enquanto subia os degraus do altar, os cavaleiros adentraram no santo lugar, fortemente armados, com machadinhas e espadas. Queriam sua morte. Gritaram: “Saia!”. O arcebispo recusou-se. Não fugiria, não era um covarde. O diálogo contido na Crônica, ríspido, é tão vívido que presentifica o momento, imortaliza o instante. Becket teria respondido:

“Não vou fugir! Sua malícia será satisfeita”. Ante essas palavras, o assassino recuou, como se atingido por um golpe. Enquanto isso, os três assaltantes chegaram e exclamaram: “Agora tu morrerás!”. “Se procuras por minha vida, proíbo-te”, disse o arcebispo, “sob ameaça de um anátema, caso ouse tocar em qualquer um de meus seguidores! Quanto a mim, de bom grado abraço a morte, contanto que, pelo preço de meu sangue, a Igreja obtenha a liberdade e a paz!”.5

Após proferir essas desafiadoras palavras a quatro homens fortemente armados, como Cícero (106-43 a. C.) frente aos enviados por Marco Antônio (83-30 a. C.), Becket estendeu a cabeça a seus algozes. O golpe fatal foi tão violento que seus miolos se espalharam pelo recinto. Um segundo golpe, ainda mais duro, quebrou a ponta da espada. Sabemos os nomes dos assassinos: Reginaldo Fitz-Urse6, Hugo de Morville7, Guilherme de Traci8 e Ricardo Brito.9

Imagem 2

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O assassinato de Tomás Becket chocou o mundo cristão e animou a imaginação de dezenas de gerações de artistas e escritores, a partir das artes decorativas medievais, como esta caixa, produzida em Limoges (França), decorada com esmalte e feita de cobre dourado. Limoges foi o centro de um próspero comércio do trabalho de esmalte entre 1130 e 1371, até Eduardo, o Príncipe Negro (1330-1336) saquear a cidade. Ela foi feita com vidro colorido em pó, ligados com óleo e esmalte fixado a uma superfície metálica. Seu esmalte champlevé foi produzido por meio de uma gravação em baixo-relevo na superfície do objecto e com o esmalte vertido para os espaços para, em seguida, ter o material circundante, arrefecido, polido em direção descendente.10 Em uma das duas laterais da caixa, se vê o martírio de Becket: três dos quatro cavaleiros são retratados, com suas longas espadas erguidas, prontos para atacar o arcebispo. À sua frente, o altar e a mão de Deus no Céu indicam a sacralidade dessa morte brutal. Na extrema direita, os servidores do arcebispo, horrorizados, erguem os braços, sinal de estupefação e perplexidade. Na parte superior, o enterro: o corpo de Becket está envolvido por um pano branco e está sendo colocado em um túmulo ricamente decorado. Nas laterais, Jesus (à esquerda) e Maria, em Assunção. Confeccionada imediatamente após o assassinato, a caixa tinha uma função litúrgica: preservar uma das relíquias do santo e assim oferecer a salvação àqueles que procuravam sua intercessão. A Beleza a serviço da Fé.11

A Legenda Áurea (c. 1252-1270) praticamente reproduz a passagem da História dos Arcebispos de Canterbury (c. 1141-1210) que narra o diálogo entre Becket e os assassinos (especialmente a corajosa resposta do arcebispo, mais preocupado em salvaguardar os seus do que com sua própria vida), o que mostra a grande difusão da história do martírio:

...uns soldados do rei, armados, foram procurá-lo perguntando aos gritos onde estava o arcebispo. Tomás foi ao encontro deles dizendo: “Aqui estou, o que querem?”. Responderam: “Viemos matá-lo, você não tem muito tempo mais de vida”. Ele replicou: “Estou pronto para morrer por Deus, pela defesa da justiça e da liberdade da Igreja. Se é a mim que buscam, aqui estou, mas da parte do Deus onipotente e sob pena de anátema, eu os proíbo de fazer qualquer mal aos que aqui se encontram e encomendo minha alma e a defesa da Igreja a Deus, à bem-aventurada Maria, a todos os santos e ao beato Dioniso”. Logo depois disso, sua venerável cabeça caiu sob o gládio dos ímpios, que cortaram o topo dela, espalhando seu cérebro pelo chão da igreja. Ele foi sagrado mártir do Senhor no ano de 1174.12

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Iluminura (24,8 cm x 17.8 cm) de um Saltério inglês (c. 1250) que representa o assassinato de Tomás Becket. Carrow Psalter, Walters Art Museum, MS W.34, f.15v.

Nesta iluminura de um Saltério inglês (imagem 3), há uma viva representação iconográfica do martírio do arcebispo de Canterbury. No século XVI, o rei Henrique VIII (1491-1547) fundador da Igreja Anglicana e algoz da Igreja Católica na Inglaterra, declarou Tomás Becket culpado por traição. Então, colaram uma página sobre esta iluminura. Recentemente, pesquisadores do Walters Art Museum encontraram a iluminura escondida.13Na imagem, três dos quatro cavaleiros atacam Becket (um está ainda com seu elmo negro). Eles pisam em seu manto, em sua perna e em suas costas. Sua mitra salta ante a ferocidade do ataque conjunto das três espadas. O sangue jorra, enquanto um dos assistentes, por trás do altar, levanta sua mão esquerda, assustado.

A ênfase, ao contrário do relicário da imagem 2, é na concentração dos golpes no crânio do arcebispo. O estilo gótico acrescentou dramaticidade (e realismo) às representações imagéticas. Diante do altar, não poderia haver cenário mais sacrílego e impactante para a Cristandade. No entanto, o tom azul da cena, intensificado pela moldura também azul e pelas mãos de Becket, em oração, enleva o martírio e o coloca em seu devido parâmetro compreensivo: a vida além-morte no Paraíso.14

II. Becket e Henrique II (1133-1189)

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Detalhe de um vitral da Catedral de Chartres (séc. XIII) dedicado a Tomás Becket. Aqui, o arcebispo discute com o rei Henrique II, durante o Concílio de Northampton, quando o monarca, após a Assembléia de Clarendon (1164), em que Henrique sancionou costumes laicos, dando-lhes estatuto de Constituição, tentou coagir Becket a aceitar esse reordenamento jurídico imposto pela Coroa (os clérigos passariam a ser julgados também por tribunais laicos). O arcebispo foi convocado ao Concílio (08 de outubro de 1164), quando foi acusado de crimes contra o Estado. Neste vitral, Tomás, com um de seus diáconos, comparece perante o rei Henrique, que está sentado em seu trono, à esquerda. Becket argumenta (as mãos e seus longos dedos expressam o diálogo, firme) enquanto o indicador da mão esquerda do rei aponta para si (sinal da imposição de sua autoridade). Um pequeno demônio amarelo sussurra em seu ouvido, para ressaltar tanto o pecado régio de se opor à Igreja quanto o temperamento irascível do governante. Para ressaltar a forte oposição entre ambos, as cores das vestes estão invertidas: enquanto o rei tem uma capa verde e a túnica vermelha, o arcebispo tem a túnica verde e o manto vermelho.15

O desenlace sangrento foi o anticlímax de uma querela que se estendeu por quase uma década (1163-1170).16 Becket era íntimo do rei: frequentava a corte, e participava, inclusive, das caçadas com o soberano (um escândalo para a Igreja). Por isso, era um clérigo mundano, como tantos de seu tempo. O arcebispo de Canterbury, Teobaldo de Bec (c.1090-1161), indicou Becket para a Chancelaria Real, o que estreitou sua amizade com o rei.17 Como chanceler, aos trinta e sete anos, Becket esbanjava opulência. Por exemplo, comandava, em tempo de guerra, um pequeno exército de setecentos cavaleiros! Ao ser enviado em uma missão diplomática a Paris, levou consigo duzentos servidores, em uma comitiva de oito carros, fato que muito impressionou a corte francesa.18 Talvez por essa proximidade com o poder, o rei escolheu Becket para suceder Teobaldo em Canterbury, em 1162.19

No entanto, uma transformação aconteceu: após ser consagrado, de cortesão, Becket se transformou em um verdadeiro asceta. Uma conversão.

Mas transformou-se imediatamente em outro homem: tornou-se perfeito, passou a mortificar a carne com cilício e jejuns. Não apenas usava cilício em vez de camisa, como tinha calções de pelo de cabra que o cobriam até os joelhos. Procurava ocultar sua santidade e ao mesmo tempo mostrava uma honestidade requintada, adequada à dignidade de seu ofício, com móveis apropriados e trajes decentes.20

Com essa súbita mudança de comportamento, era mais que previsível o choque com o rei. Após alguns entreveros entre ambos, a ruptura definitiva aconteceu em 1163. O motivo foi o desejo da Coroa de passar a julgar os clérigos, direito exclusivo da Igreja − na Idade Média, a Justiça era feita conforme a ordem social do indivíduo: estudantes eram julgados pela Universidade, religiosos pela Igreja, nobres pelos nobres, e camponeses por seus senhores, quando recorriam ao tribunal local.21 O rei desejava que, além de serem julgados pelo tribunal eclesiástico, como de praxe, os acusados se submeteriam a um tribunal laico. O argumento do arcebispo tornou-se posteriormente norma jurídica, princípio universal inerente à dignidade humana (non bis in idem): isso equivaleria julgar o mesmo delito duas vezes, o que era injusto − a própria Bíblia assim o afirmava!22

A gota d'água foi a convocação do rei a uma reunião em Clarendon (1164). Compareceram cavaleiros e bispos. Henrique convenceu-os, inclusive os bispos, a assinar os Estatutos de Clarendon, que terminaram com as imunidades clericais perante o poder laico. Becket recusou-se a colocar seu selo. Mais: julgou uma causa em sua corte eclesiástica, violando assim as novas restrições. Foi então convocado a julgamento pela corte real, em um concílio, em Northampton (imagem 4). Compareceu, sereno. Os próprios bispos, temerosos da fúria do monarca, declararam-no culpado de desobediência feudal, brecha jurídica para culpabilizá-lo. Quando o tribunal ordenou sua prisão, Becket afirmou que apelaria ao papa. Retirou-se, tranquilo: ninguém ousou tocá-lo. Naquela mesma noite, após alimentar um grande número de pobres, foi para a França, quando apresentou a renúncia ao cargo de arcebispo ao papa Alexandre III (1100-1181), que o reinvestiu, mas determinou que vivesse um período na abadia de Pontigny, como monge cisterciense.23

A fúria real logo se fez presente. Henrique baniu do reino todos os parentes de Becket! Este, por sua vez, excomungou todos os clérigos ingleses que assinaram os Estatutos de Clarendon.24 Em resposta, Henrique ameaçou confiscar todas as propriedades dos conventos filiados à abadia de Pontigny na Inglaterra, na Normandia, no Anjou e na Aquitânia (suas propriedades), por abrigar o arcebispo. Por isso, Becket partiu da abadia e viveu um tempo de esmolas, como mendigo, de estalagem em estalagem, em Sens. Essa mendicância voluntária precipitou a participação do rei francês Luís VIII (1187-1226), que interveio na história e pressionou o papa que, por sua vez, instou Henrique a restaurar o arcebispo em sua sede, pois, do contrário, interditaria todos os serviços religiosos em solo inglês.

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Cercado pelo intenso azul celeste parisino, Becket se encontra com o papa e o rei francês Luís VIII para planejar os detalhes de seu retorno à Inglaterra, após a submissão do rei Henrique.25 Detalhe de um vitral da Catedral de Chartres (séc. XIII) dedicado a Tomás Becket. Deve-se destacar nessa imagem a ordem da hierarquia espacial dos personagens: o papa, à esquerda, está em uma posição superior ao rei, no centro, e à Becket, na extrema direita. Os atributos reais são representados pela coroa, o longo cetro com flores de liz na ponta, símbolo da coroa real francesa e o azul da vestimenta, também característico da monarquia medieval da França. Todos dialogam (ou discutem), pois gesticulam muito com as mãos.26

Instado pelo papa, que, por sua vez, tinha o apoio do rei francês, o rei inglês finalmente cedeu. O problema havia ganhado proporções continentais! Assim, Henrique encontrou-se com Becket, em Avranches (na Mancha), segurou o estribo do cavalo do arcebispo (sinal público de vassalagem e submissão)27 e prometeu atendê-lo inteiramente. Becket então voltou à Canterbury, triunfal, mas renovou a excomunhão dos “bispos de Clarendon”. Foi o que precipitou os acontecimentos: alguns dos religiosos foram ao rei se queixar, quando então o monarca explodiu, em fúria: “Então um homem que comeu de meu pão insulta o rei e todo o seu reino e nenhum dos servidores mandriões que alimento em minha mesa faz justiça em meu lugar ante tal afronta?”.28 Foi então que aqueles quatro cavaleiros, ansiosos em bajular o rei, viajaram até Canterbury para assassiná-lo.29 

III. Santa Maria de Terrassa

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Igreja de Santa Maria de Terrassa (séc. XII), localizada no Conjunto Monumental das Igrejas de São Pedro de Terrassa (igrejas de São Pedro, São Miguel e Santa Maria), na confluência dos rios Vallparadís e Montner, antigo núcleo (visigodo) de Égara, atualmente um bairro de Terrasa (Barcelona, Espanha). Foto: Jordi Chueca (2009).

Como era de se esperar, o martírio de Tomás Becket escandalizou a Cristandade. Era preciso registrá-lo, torná-lo memória, lembrança, recordação.30 Devoção. Afinal, Becket já era um santo da Igreja (fora canonizado em 1173).

Em Terrassa (Vallès Occidental, Catalunha), há um conjunto monumental de três obras arquitetônicas, santuários românicos, conhecido como Esglésies de Sant Pere de Terrassa (ou Conjunto Monumental de las Iglesias de San Pedro de Tarrasa, em espanhol). São três igrejas, dedicadas a São Pedro, São Miguel e Santa Maria. Nesta última, em sua abside, há afrescos que narram a Paixão de Cristo. Em uma de suas absidíolas, um afresco, pintado por volta de 1180 (imagem 7) − ou seja, dez anos após o acontecido − narra a consagração, a morte e os funerais de Tomás Becket.31 Uma paixão em outra Paixão.32

Imagem 7

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O afresco é envolto em sua parte superior pela pintura de um arco vermelho que, em seu cume, apresenta dois anjos turiferários (que portam incensórios) conduzindo, com um lençol branco, uma alma ao Céu. Devido ao desgaste, não temos certeza, mas é muito provável que seja a representação da alma do arcebispo Tomás Becket. Ela tem os braços abertos, estendidos, para receber sua Glória. Seu corpo está sentado no lençol divino na posição Pantocrator, como Cristo.

Não devemos nos esquecer das permanências dos temas e das formas greco-romanas na arte românica. A disposição dos anjos e a moldura circular que envolve a alma de Becket na parte superior do afresco, por exemplo, guarda muita semelhança com a tradição funerária paleocristã. Por exemplo, há um fragmento de um sarcófago romano do século IV, em que Cupido e Psiquê (em forma de borboleta) enquadram o retrato do falecido, alçado por uma águia envolvida por uma cornucópia (à esquerda) e uma cesta com frutas derramadas (imagem 8), forma muito semelhante à ascensão da alma de Becket ao Paraíso (imagem 9).

Imagem 8

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Indianapolis Museum of Art, Indianapolis, Indiana, USA.

Imagem 9

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Detalhe da parte superior do afresco do martírio de Tomás Becket, Igreja de Santa Maria de Terrassa.

No afresco de Santa Maria de Terrassa, por sua vez, motivos ornamentais circulares (abaixo dos anjos) representam os movimentos helicoidais angélicos em direção ao Infinito, tema filosófico descrito séculos antes pelo Pseudo-Dionisio Areopagita (séc. V)33 Os anjos exultam: seguram o lençol do bem-aventurado somente com uma mão. A outra está em uma posição de exaltação, com os incensórios, sinal da magnificência do mártir.

Esse preâmbulo, detalhe importante que sugere à leitura visual a natureza da narrativa no interior da absidíola, não pode passar desapercebido: estamos diante da memória artística de um cordeiro de Deus, Becket, imolado em pleno altar, em solo sagrado.

Por sua vez, o afresco está dividido basicamente em duas barras horizontais, a primeira, superior, com o Cristo em majestade, e a segunda, no centro, com o martírio de Becket (abaixo, motivos geométricos alicerçam a narrativa da morte do arcebispo).

Na primeira (imagem 10), Cristo, Majestas Domini, porta um manto em duas cores (grená e rosa) com friso dourado a cobrir um véu verde. Ele está representado como Juiz Universal, em uma mandorla de luz (ornamentada com representações de pedras preciosas, rubis e esmeraldas, entre motivos geométricos). Em Seu trono, sentado sobre uma grande almofada branca, Seus pés estão sob outra almofada, vermelha; Seus braços, abertos, estendem Suas mãos para dois livros que, por sua vez, pairam acima das cabeças de dois personagens de vestes sacerdotais, de braços estendidos, em louvor, posicionados ao redor do Cristo. De acordo com sua indumentária, são um bispo e um diácono. O Juiz do Universo, com as Leis de Deus nas mãos, abençoa a Humanidade.

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Detalhe do afresco do martírio de Tomás Becket, Igreja de Santa Maria de Terrassa.

À sua volta, no interior da mandorla, o Firmamento, com estrelas cintilantes rubras. Suaves candelabros em prata entre os dois personagens que circundam o Cristo, típicos em cenas apocalípticas, derramam mais luz sobre a cena. As estrelas, as joias e os castiçais são os símbolos resplandecentes da riqueza e da luz do mundo divino, da Jerusalém celeste, para onde Tomás Becket, o santo arcebispo, será conduzido. Toda a cena está dividida por quatro faixas horizontais, motivo presente na arte ibérica pelo menos desde as iluminuras do Beato de Liébana (c. 730-800).

A seguir, abaixo, a narrativa iconográfica do martírio propriamente dita. 

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São três cenas. Da esquerda para a direita, o assédio, o martírio e o funeral. No assédio, o arcebispo, representado com seu báculo e já com a aura de santo, é ameaçado pelos três nobres. Um aponta para o seu rosto, com o semblante irado; outro gesticula, e o terceiro (mais à direita), de vestes rubras, listradas já desembainha sua espada. Becket é assessorado por um coroinha (extrema esquerda). Ambos têm o semblante sereno. 

No meio da faixa central do afresco, o martírio. Becket, com uma aura santifical ornada de pérolas, já tem a cabeça inclinada. O sangue jorra, a partir de sua barba. Uma fina espada branca retorcida, como uma cimitarra islâmica, corta seu pescoço. O algoz é o personagem de branco, à direita do arcebispo, que ainda segura a ponta de seu manto. O báculo cai. À sua esquerda, outro ergue sua arma branca, também para atingi-lo. Todos têm longos cabelos, sinal de virilidade. Um terceiro segura o seu corpo, para que os assassinos não errem a pontaria. Suas vestes, verdes, reluzem na cena; a palma da mão direita do arcebispo, aberta para o expectador, indica a serenidade com que se deve contemplar o sofrimento do martírio.

Por fim, o funeral. O santo jaz em um esquife decorado. Dois homens envolvem seu corpo em um fino manto branco com faixas verdes. Suas cabeças estão inclinadas. Sinal de reverência. Acima, a transcendência, representação da imaterialidade aos olhos dos seculares. Dois anjos elevam o manto branco e conduzem a alma do santo ao Céu. Seus braços indicam a surpresa do momento. Nunca se sabe a decisão divina! Trata-se do mistério da ressurreição da carne.34

Conclusão: arte-memória, arte-moral, arte vivida

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Painel de alabastro esculpido (c. 1450-1500), pintado com tinta verde, que retrata o assassinato de Tomás Becket. British Museum (n. 1890,0809.1), 38,5 cm x 28,4 cm (6 kg). Becket se ajoelha diante do altar, onde há um cálice, enquanto dois cavaleiros armados golpeiam sua cabeça com suas longas e pesadas espadas normandas, um por trás, outro por cima. Dois outros cavaleiros empunham suas espadas enquanto Edward Grim (autor da Vita S. Thomae, Cantuariensis Archepiscopi et Martyris, do séc. XII)35, à direita, segura a cruz e a Bíblia. O contraste entre as figuras dos soldados e de Tomás é marcante. A espada normanda na cabeça do santo – parte de seu corpo que se tornaria relíquia sagrada e motivo de intensa peregrinação a Canterbury – estão no centro da cena, além das longas mãos do arcebispo em oração, diante do altar, o que também sugere uma analogia sacrificial entre o instante eternizado do martírio na arte e o motivo da missa: o sacrifício de Cristo.

A história do martírio de Tomás Becket é uma das mais conhecidas da Idade Média. O mundo cristão ficou perplexo. Para os padrões medievais, tudo foi muito rápido: em 1170 houve o assassinato, em 1173, a canonização, em 1174 o rei fez uma penitência pública, como peregrino, diante de sua tumba, com direito a cenas impressionantes (as últimas três milhas, Henrique percorreu descalço, os pés sangrando sobre o cascalho. Ao chegar ao túmulo, prostrou-se e pediu aos monges que o chicoteassem). Já em 1180 a iconografia do martírio estava consolidada, graças em boa parte às caixas de esmalte de Limoges (imagens 2 e 13).36 A arte-memória do acontecimento estava assegurada.

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Caixa de Limoges (séc. XII). Society of Antiquaries of London. O mesmo azul e dourado da caixa da imagem 2. A diferença é a posição dos personagens na cena, além da ausência dos servidores de Becket. Acima, a mesma preparação das exéquias, o mesmo lençol branco a cobrir o corpo do religioso. Neste exemplar da arte de Limoges, ressalte-se a maior intensidade do verde a se adequar ao fundo azul.37

A utilização da arte como elemento estético preservador da memória tinha, como pano de fundo, a ideia filosófica (cristã, evidentemente, mas também de cunho estoico) que o estar no mundo deveria ser uma existência a serviço da moral. A suprema sabedoria consistia em conduzir a vida com um valor ético como fio unificador da conduta, no caso, as virtudes cristãs. A vida nesse mundo, provisório, deveria estar voltada para a vida no mundo do além, eterno. Nesse caso, os próprios relicários do acontecimento ocorrido na catedral de Canterbury preservavam a parcela da eternidade que as relíquias do santo simbolizavam.38

A arte-vivida, arte a serviço da recordação do sofrimento cristão no vale de lágrimas da existência39, encontrou no tema do martírio de Tomás Becket um dos maiores exemplos. As múltiplas imagens do corpo transgredido no locus profanado talvez sejam o ápice do triunfo da imagem cristã, forja na qual o Ocidente foi moldado. Melhor para a Arte, mais ainda para as sensibilidades, para os sentidos, para a imaginação.

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Relicário de São Tomás Becket. Inglês, c. 1173-1180 (prata dourada, nielo40, vidro), 5,7 x 7 x 4,4 cm. J. Pierpont Morgan, 1917 (17.190.520). As figuras na cena do martírio estão representadas em nielo. Fragmentos de uma inscrição neste delicado relicário sugerem que sua função era preservar frascos com o sangue de Becket.41

***

Agradecemos à Barbara Dantas por sua leitura crítica e sugestões, bem como a Guilherme Queiroz de Souza por suas indicações bibliográficas.

Notas

  • 1. Medieval Sourcebook: Gervase of Canterbury, d. 1205: Thomas Becket's Death, from History of the Archbishops of Canterbury.
  • 2. GENET, Jean-Philippe. “São Tomás Becket”. In: LE GOFF, Jacques (dir.). Homens e mulheres da Idade Média. São Paulo: Estação Liberdade, 2013, p. 174. 
  • 3. Um mandrião é uma pessoa indolente, preguiçosa, que não gosta de trabalhar.
  • 4. JUAN DE SALISBURY. Policraticus. Madrid: Editora Nacional, 1984.
  • 5. Medieval Sourcebook: Gervase of Canterbury, d. 1205: Thomas Becket's Death, from History of the Archbishops of Canterbury.
  • 6. Sir Reginald Fitzurse (1145-1173), senhor de Wilinton (Somersetshire).
  • 7. Sir Hugh de Morville (c. 1202), cavaleiro anglo-normando a serviço do rei e senhor de Westmorland.
  • 8. Sir William de Tracy (c. 1189), senhor de Toddington e Gloucestershire, também foi, como cavaleiro feudal, barão de Bradninch (próximo de Exeter) e senhor de Moretonhampstead.
  • 9. Sir Richard le Breton (ou Richard de Brito), serviu na casa de Guilherme X, conde de Poitou (1136-1164), irmão caçula do rei Henrique II.
  • 10. Champlevé − técnica de esmaltamento que consiste em uma simplificação da cloisonné: os alvéolos (ou cavidades) são trabalhados diretamente na lâmina que forma a peça, com golpes de cinzel ou com uma incisão. Os artistas não costumavam deixar cavidades estreitas ou delgadas, como na cloisonné, tampouco bordeá-las com fios metálicos. Muito utilizada na época merovíngia (sécs. V-VIII), espalhou-se rapidamente pela Europa. As escolas mais destacadas foram a Renana (próxima a Colônia) − com Nicolas de Verdun (1130-1205, famoso ourives, esmaltador e escultor) − e a de Limoges (sécs. XII-XVI). O contraste tonal mais empregado era o azul com o dourado, exatamente como nesse relicário de Tomás Becket). Ver MALTESE, Corrado. Las Técnicas Artísticas. Madrid: Cátedra, 1983.
  • 11. Ashmolean Museum, Reliquary Casket of St. Thomas Becket, ‘England 400-1600’ (galeria do segundo andar).
  • 12. JACOPO DE VARAZZE. Legenda Áurea. Vidas de santos (trad. do latim, apres., notas e seleção iconográfica de Hilário Franco Júnior). São Paulo: Companhia das Letras, 2003, cap. 11, p. 127.
  • 13. CARROW PSALTER. The Walter Arte Museum.
  • 14. Ver DELUMEAU, Jean. O que sobrou do Paraíso? São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
  • 15. Chartres Cathedral. Various Windows.
  • 16. Conhecida entre os especialistas como Becket controversy. Ver JAMES W., Alexander. “The Becket Controversy in Recent Historiography”. Journal of British Studies 9 (2): 1–26.
  • 17. “Rogério de Hovedon, um funcionário da realeza, escreveu acidamente sobre a relação íntima entre Henrique e seu chanceler, comentando que o rei 'concedia a ele muitas rendas, tanto eclesiásticas quanto de origem secular, e o recebia com tanta estima e familiaridade que em todo o reino não havia ninguém que fosse seu igual, exceto o próprio rei' (...) Henrique abraçava-o com tal afeição, dir-se-ia até paixão, que poderiam ser tomados como almas gêmeas. Tornaram-se inseparáveis. 'O Rei e Becket brincam juntos como garotinhos da mesma idade, na corte, na igreja, nas assembléias, nas cavalgadas'. Ficavam juntos quando Henrique residia em Londres e quando viajava pelo país; falcoavam e caçavam, comiam juntos, até farreavam juntos, embora o casto e sóbrio Tomás não compartilhasse com Henrique a procura de meretrizes”. MEADE, Marion. Eleonor de Aquitânia. Uma biografia. São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 171.
  • 18. “O cargo de chanceler, importante, mas carecendo de prestígio, era, na verdade, uma espécie de secretaria: consistia em supervisionar a capela real, o nome coletivo dos clérigos da corte; liderar o secretariado que transferia a vontade real para alvarás, cartas e mandados e agir como guarda do Selo Real”. MEADE, Marion. Eleonor de Aquitânia. Uma biografia, op. cit., p. 169.
  • 19. PREVITÉ-ORTON, C. W. Historia del mundo en la Edad Media. Tomo II. Desde la disolucion del Imperio Carolingio hasta finales del siglo XIII. Barcelona: Editorial Ramon Sopena, 1967, p. 787.
  • 20. JACOPO DE VARAZZE. Legenda Áurea. Vidas de santos, op. cit., p. 125.
  • 21. GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
  • 22. “Apesar de nada terem sofrido e serem numerosos, mesmo assim serão ceifados e desaparecerão. E, se um dia te fiz sofrer, nunca mais te afligirei”, Naum 1, 12. Para o tema, ver CARMO, Luís Mota. O ne bis in idem como fundamento de recusa do cumprimento do mandado de detenção europeu. Dissertação de mestrado em Ciências Jurídico-criminais da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2009.
  • 23. A mesma ordem de Bernardo de Claraval, defensora da vida apostólica, pobre.
  • 24. “Os decretos de Clarendon e de Northampton instituíram uma outra espécie de júri, o de apresentação ou de acusação: neste caso, doze homens representativos de cada hundred, ajuramentados, tinham de 'apresentar' perante o tribunal os indivíduos seus vizinhos que tinham cometido qualquer crime. Tal como os jurados da Grand Assise, os de apresentação não eram juízes de factos, mas sim testemunhas presenciais − pelo menos em relação à reputação local do acusado. A 'apresentação' tinha como resultado a submissão do réu à ordália, mas, no caso de o chamado juízo de Deus poupar a vida ao acusado, este tinha de renunciar às suas posses! Quando, em 1215, o Concílio de Latrão aboliu a há muito desacreditada ordália, proibindo os padres de administrarem aos acusados o ferro em brasa, estava aberto o caminho em Inglaterra para a evolução do sistema de jurados”. TREVELYAN, G. M. História concisa da Inglaterra. Lisboa: Publicações Europa-América, s/d, p. 140.
  • 25. “Conceitualmente, esta cor [o azul] era tida como a mais escura, próxima do preto, e há boas razões para crer que os antigos vitrais franceses se destinavam a criar uma escuridão impenetrável, mas ao mesmo tempo portadora de luz, análoga ao Deus incognoscível da primitiva teologia medieval”, GAGE, John. A Cor na Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2012, p. 09.
  • 26. Chartres Cathedral. Various Windows.
  • 27. Para isso, ver GANSHOFF, F. L. Que é o feudalismo? Lisboa: Publicações Europa-América, s/d.
  • 28. Medieval Sourcebook: Gervase of Canterbury, d. 1205: Thomas Becket's Death, from History of the Archbishops of Canterbury.
  • 29. Este parágrafo resume a antiga, porém ainda bela (e sintética) narrativa de DURANT, Will. A História da Civilização IV. A Idade da Fé. Rio de Janeiro: Record, s/d, p. 597.
  • 30. Para a importância da memória na tradição medieval, ver COSTA, Ricardo da. “História e Memória: a importância da preservação e da recordação do passado”. In: LAUAND, Jean (org.). Filosofia e Educação – Estudos 8. Edição Especial VIII Seminário Internacional CEMOrOc: Filosofia e Educação. São Paulo: Editora SEMOrOc (Centro de Estudos Medievais Oriente & Ocidente da Faculdade de Educação da USP) – Factash Editora, 2008, p. 81-89.
  • 31. Enquanto a abside é a parte de uma igreja situada em sua cabeceira, a absidíola é um pequeno anexo que se comunica com a abside (mas também pode designar uma pequena capela dentro da igreja). É uma abside secundária em relação à principal de uma igreja (ou templo). Representa arquitetonicamente a auréola luminosa que envolve a cabeça de Jesus Cristo. Ver POOLE, Thomas.“Apse.” In: The Catholic Encyclopedia. Vol. 1. New York: Robert Appleton Company, 1907.
  • 32. Milagros Guàrdia, em um excelente trabalho sobre esse programa iconográfico, estabelece esse paralelo: GUÀRDIA, Milagros. “Sant Tomàs Becket i el programa iconogràfic de les pintures murals de Santa Maria de Terrassa”. In: LOCVS AMOENVS 4, 1998-1999, p. 37-58.
  • 33. A seguir, o Pseudo-Dionísio, o Areopagita, em Dos Nomes Divinos (trad. e notas de Bento Silva Santos. São Paulo: Attar editorial, 2004, cap. IV, “Do bem, da luz, do belo, do amor, do êxtase, do zelo, e de que o mal não é um ser, nem deriva do ser, nem existe nos seres”, p. 99): “§ 8. “Diz-se que as inteligências divinas se movem circularmente, se unidas as iluminações, que não têm princípio e fim, do belo e do bem, ou em linha reta, quando acedem à providência de seus inferiores e regulam todas as suas operações em linha reta, ou helicoidalmente, quando, ocupando-se dos seres inferiores, permanecem em sua identidade sem mover-se, girando incessantemente em torno do belo e do bem, que é causa da sua fixidez”. § 9. “O movimento da alma é circular quando, entrando em si mesma, se afasta do mundo exterior, quando reúne, unificando-as, suas faculdades intelectuais em uma concentração que as guarda de todo erro, quando se desprende da multiplicidade dos objetos exteriores para primeiramente recolher-se em si mesma e, em seguida, tendo atingido a unidade interior, unir-se às potências unidas singularmente (...)”.
  • 34. “Foi estabelecido, para os homens, morrer um só vez; depois do que há o julgamento” (Hb 9,27). Famosa é a passagem de Santo Agostinho: “Nada de defeituoso haverá nos corpos ressuscitados. Os que tiverem sido obesos e gordos, não retomarão toda a quantidade de seus corpos, mas o que exceder o normal será tratado como supérfluo. Ao contrário, tudo que a doença ou a velhice tiverem consumido nos corpos, será restaurado por Cristo com poder divino; o mesmo se verificará nos que, por magreza, tiverem sido demasiado esguios; com efeito, Cristo não somente nos restituirá o corpo, mas ainda restaurará tudo que nos houver sido subtraído pelas misérias desta vida” (De civitate Dei 22,19).
  • 35. Edward Grim era um clérigo de Cambridge de visita à Catedral de Canterbury no dia em que Becket foi assassinado. Por isso, e após fazer uma pesquisa, ele escreveu a Vita S. Thomae, em que ele oferece sua descrição do momento como testemunha ocular. Grim afirma que o arcebispo sofreu cinco golpes, e o quarto foi tão violento que a espada se quebrou ao atingir o chão. Por fim, ele acrescenta que os miolos de Becket se espalharam pelo chão. Medieval Sourcebook: Edward Grim. The Murder of Thomas Becket.
  • 36. ESPAÑOL, Francesca, YARZA, Joaquín. El Romànic Català. Barcelona: Fundació caixaManresa/Angle Editorial, 2007, p. 246.
  • 37. ROBINSON, James. Masterpieces - Medieval Art. London: The British Museum Press, 2008, p. 302-303.
  • 38. SCHMITT, Jean-Claude. O corpo das imagens. Ensaios sobre a cultura visual na Idade Média. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2007, p. 286.
  • 39. Sl 84, 5-6.
  • 40. O nielo era uma liga metálica negra composta por enxofre, cobre, prata, algumas vezes chumbo, e usada como preenchimento das linhas de contorno em peças de ourivesaria.
  • 41. KELLEHER, Bradford D. (publisher). The Metropolitan Museum of Art. Europe in the Middle Ages. New York, 1987, p. 78.

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