Entrevista com Ricardo da Costa

Curial e Guelfa

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Na tarde do sábado, 31 de março de 2012, fomos recebidos pelo Dr. Stan Stein em sua residência. Stan é advogado e vizinho de porta do Prof. Ricardo da Costa. Passamos cerca de duas horas muito agradáveis em uma entrevista com o professor, a respeito do lançamento, pela Universidade de Santa Bárbara, Califórnia, de sua tradução da novela de cavalaria Curial e Guelfa, um clássico literário do século XV, texto pela primeira vez vertido para o português (em um lançamento quase simultâneo à primeira tradução do texto para o inglês). Conversamos sobre o trabalho que o Prof. Ricardo realiza na UFES, seus projetos, suas dificuldades, e as características do ofício do historiador.

Como todo carioca, o professor é bastante espirituoso e simpático, sem nunca deixar de sorrir diante da vida – traço de sua personalidade nem sempre bem compreendido, diga-se de passagem. Criamos uma mesa-redonda e fizemos várias perguntas em torno do lançamento da novela, mas que também abordaram temas correlatos ao trabalho de tradução e sua participação no projeto internacional IVITRA, que diz respeito ao lançamento de Curial e Guelfa em português. Ao digitarmos a entrevista, apenas colocamos datas nos personagens históricos (e historiadores) citados, além de adequar a linguagem oral à escrita – e inserimos os endereços eletrônicos.

 
Braulino Antônio Reis Neto
Francis Rasseli
Gabriel Angra Ghidetti

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– Boa tarde a todos. Meu nome é Stan Stein. Sou amigo e vizinho do Professor Ricardo. Sou formado em Ciências Econômicas pela UFES - Universidade Federal do Espírito Santo (em 1982). Dez anos depois (1992), prestei um novo vestibular, também concluído, na UFES, o curso de Direito. Hoje, sou advogado militante aqui no Estado do Espírito Santo e fui brindado, com muita satisfação, pelo convite do professor Ricardo, de coordenar, nesse momento agradável, uma entrevista a ser apresentada na revista Convenit Internacional. Eu gostaria aqui, pela ordem, que nós fizéssemos uma apresentação preliminar, para identificar cada um dos componentes dessa mesa-redonda que farão as perguntas dessa entrevista.
 
– Boa tarde. Meu nome é Braulino Antônio dos Reis Neto. Sou graduado em História pela UFES. Atuo como professor de História na Prefeitura Municipal de Santa Leopoldina e, a convite do professor Ricardo, componho essa mesa.
 
– Boa tarde a todos. Meu nome é Francis Rasseli dos Santos, aluno de graduação da UFES no curso de História. Integro o Grupo de Iniciação Científica “Humanismo Literatura e Filosofia”, coordenado pelo Dr. Ricardo da Costa. Faço parte do grupo de trabalho da Universidade Para Todos, projeto coordenado pela Fundação Ceciliano Abel de Almeida, fundação de apoio à UFES.
 
– Boa tarde, meu nome é Gabriel Angra Ghidetti, aluno de graduação no curso de História da UFES, componente do grupo de estudos do Professor Dr. Ricardo da Costa, medievalista do Departamento de História da UFES.
 

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Da esquerda para a direita: Braulino, Ricardo da Costa, Stan Stein, Francis e Gabriel.

Stan – Começamos então com a primeira pergunta de Gabriel Ghidetti.

Gabriel – Professor, o que é o Projeto IVITRA?
 
Ricardo da Costa – O Projeto IVITRA é uma iniciativa da Universidade de Alicante (UA), levada a cabo pelo professor Vicent Martines, que teve a ideia, a brilhante ideia, de estimular a tradução dos clássicos da Coroa de Aragão para diversas línguas no mundo. IVITRA conta hoje com quase duzentos pesquisadores de todas as partes do mundo, de várias universidades. Em janeiro de 2010, o Prof. Vicent me fez o convite para integrar esse projeto. Provavelmente tomou conhecimento das minhas pesquisas sobre a filosofia medieval e particularmente sobre o filósofo catalão Ramon Llull (1232-1316) pela Internet, provavelmente através do trabalho que disponibilizo em meu site, não me recordo bem. Fez o convite, eu fiquei muito lisonjeado e aceitei, naturalmente. A seguir, ele me convidou também para fazer a tradução de uma novela de cavalaria do século XV, Curial e Guelfa, uma novela realista de cavalaria que nunca tinha sido traduzida para o português e que estava recentemente recebendo as primeiras traduções para outras línguas (o inglês, o alemão, etc.). Eu aceitei e fiquei, durante um ano, fazendo este trabalho, todos os dias, e que agora foi publicado. Essa é a natureza do Projeto IVITRA.

Braulino – Professor, a respeito dessa obra, Curial e Guelfa, que o senhor mesmo intitulou como realista, quais as dificuldades que o senhor encontrou para traduzi-la?
 
Ricardo da Costa – A principal dificuldade foi o alto nível gramatical do texto, a beleza estética, quase plástica, e o encadeamento das frases, sua linguagem elevada. Eu senti uma grande diferença em relação aos outros textos medievais que até então eu havia trabalhado, aos textos, tanto do rei Jaime I (1208-1276) quanto de Ramon Llull que eu vinha trabalhando até então, o que me exigiu um esforço maior na hora da transposição para o português. Eu tinha sempre que procurar as palavras mais elegantes para a tradução, e isso me chamou a atenção logo no início do trabalho. Eu tive a grata satisfação de ter um maravilhoso revisor, o Professor Armando Alexandre dos Santos, do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP), jornalista, historiador e um grande erudito, que trocou informações comigo durante todo o ano em que traduzi Curial e Guelfa. Armando sabe Os Lusíadas de Camões (c. 1524-1580) de cor! Quem mais poderia revisar minha tradução?
 
Logo de início, ele me ligou de São Paulo e me fez um alerta a respeito de uma determinada passagem em que a protagonista da novela, Guelfa, vai para o seu quarto. Eu coloquei quarto e ele me chamou a atenção. Ele me disse “Não, Ricardo, o grau de sofisticação dos personagens, o ambiente da nobreza do século XV e a bela linguagem do texto exigem que você dê um tratamento mais rigoroso às palavras. Ao invés de quarto, traduza sempre aposento: a dama foi para os seus aposentos”. Ao dizer isso, logo no início do trabalho, fez com que minha cabeça desse uma volta, um giro de 180 graus, e eu percebi que tinha que, para deixar a tradução no mesmo nível estilístico, no mesmo nível estético do texto original, na medida do possível, claro, ficar o tempo inteiro preocupado com as palavras mais elegantes da nossa língua. Isso foi uma experiência muito boa porque, não só pelo quão interessante é traduzir, mas também por ter melhorado meu próprio português, o que já vinha acontecendo com as outras traduções, porque pensar a transposição das palavras de uma língua para outra é pensar a outra cultura na sua, o outro tempo no seu, e é sempre um exercício não muito fácil e, nesse caso, particularmente difícil. Mas, de qualquer modo, foi muito agradável, porque o texto, de fato, é muito bonito: começa com uma citação de Petrarca (1304-1374) sobre o amor. É um texto muito, muito belo, apesar de um pouco..., de ter uma beleza um pouco vazia, mas é uma beleza, e a beleza é sempre bela.
 
Braulino – É possível afirmar que essa erudição da escrita já é um prenúncio do Humanismo ou está relacionado a ele?

Ricardo da Costa – De uma maneira geral, os antigos segmentos sociais, que nós chamamos hoje de classes, as antigas camadas sociais mais elevadas, desde a Idade Média e mesmo no Mundo Antigo, em Roma, tinham um tratamento especial entre si, uma forma de se relacionar muito mais polida (sempre foi assim), muito mais elegante que as camadas populares, e isso se acentuou bastante no final da Idade Média, como já assinalou o historiador Johan Huizinga (1872-1945) em seu maravilhoso Outono da Idade Média (1919) – e hoje, para o caso catalão, nos ensina a filóloga Júlia Butiñá (UNED). Do século XIII em diante, com a descoberta do amor cortês, esse segmento social da nobreza europeia, como um todo, desenvolveu, cada vez mais, uma linguagem muito elegante para se relacionar, principalmente na relação homem e mulher. O amor heterossexual foi “descoberto”. Assim, o tratamento dispensado às mulheres, pelos homens, cada vez mais, foi se tornando muito requintado, elegante, delicado, e isso a novela mostra muito bem. No texto de Curial o tratamento é sempre muito gentil, cortês. E, de fato, é um prenúncio do Humanismo, mas esse forma polida já existia na História, e isso desde o período de Augusto (63 a. C. - 14 d. C.), pelo menos.

Francis – Professor, eu gostaria que o senhor definisse a diferença entre uma tradução comum e um trabalho de Filologia.

Ricardo da Costa – Traduzir Curial e Guelfa não foi um trabalho de Filologia. Aliás, que eu saiba, nós não temos essa carreira no Brasil, infelizmente. A Filologia estuda a evolução da língua através do tempo, das diferentes línguas. Ademais, os filólogos normalmente fazem estudos criteriosos para recuperar os textos originais dos escritores. Vou dar o exemplo do próprio Ramon Llull: são poucas as obras que sobreviveram, e as que restam, hoje, são cópias. Por exemplo, o autor escreve o texto no século XIII e, aí, você tem, no máximo, uma cópia do século XV, duas do XVI, três do XVII, e assim por diante. O filólogo reúne todas estas cópias, compara, páginas por página, parágrafo por parágrafo, linha por linha, palavra por palavra, para tentar chegar ao que deve ter sido o texto original. E então, após ter feito esse trabalho, que leva anos – alguns levam até vinte anos (como o grande erudito e filólogo Pere Villalba [1938- ] e sua edição da Árvore da Ciência, de Llull) – ele publica. O trabalho é publicado como se fosse realmente o texto original do determinado autor. Isso eu não fiz, lógico. Meu trabalho foi uma simples tradução. Não foi sequer uma proposta de tradução. Foi uma tradução mais fiel possível ao texto original, uma tradução direta do texto original, de uma língua para a outra. Não foi um trabalho filológico. Foi um trabalho linguístico, com uma ênfase histórica.

Certa vez, eu disse a um dos grupos de pesquisa que coordeno aqui da UFES o que afirmou o historiador inglês Richard Fletcher (1944-2005), em uma biografia sobre El Cid (1998): nada disciplina, exercita, treina e concentra tanto a mente de um historiador quanto o ofício de traduzir um texto. Isso ele disse a respeito dos textos em latim sobre El Cid quando teve que ministrar aulas sobre esse personagem medieval e ibérico nos Estados Unidos e, de fato, é a mais pura verdade: você fica com uma concentração muito grande no texto, o que não ocorre quando um historiador simplesmente compra uma tradução, como aliás eu espero que façam com essa edição de Curial e Guelfa. O historiador compra, lê a obra traduzida, e normalmente não se preocupa com essa transposição, com a dificuldade da adequação de dois mundos, de um texto para o outro. E quando você fica ali, lidando palavra por palavra, adequação por adequação, a concentração é muito maior. É um exercício maravilhoso. É, como eu já disse uma vez, como ressuscitar os mortos, a linguagem dos mortos, literalmente. Você escuta os mortos falarem.

Stan Stein – Olhando a edição de Curial e Guelfa aqui em mãos, obra recentemente lançada na língua portuguesa, eu verifico um conjunto de notas muito grande. Gostaria que nos revelasse as suas sensações, suas motivações para que a tradução viesse acompanhada dessas notas, que me parecem um enriquecimento do seu trabalho.

Ricardo da Costa – Stan, sua pergunta é muito oportuna. Bem, qual é o critério de inserção de uma nota (nesse caso específico de um texto tão antigo, um texto do século XV)? Sempre que há, sempre que houver passagens do texto em que, não só uma expressão, mas o sentido da frase não esteja muito claro, é normal colocar uma nota explicativa. Todos os autores, de qualquer época, são mais claros em algumas passagens, menos claros em outras. Quando há certos trechos um pouco obscuros, de compreensão um pouco difícil para o leitor atual, costuma-se colocar uma nota explicativa, uma nota que contextualiza aquela determinada situação. Esse é um tipo de nota.
 
A outra é quando há a citação no texto de personagens históricos ou, no caso, além de personagens históricos, claro, deuses da mitologia grega (afinal, trata-se de uma obra pré-humanista). E aí, para o leitor que não está habituado, que não conhece a mitologia grega, muitas passagens da novela ficariam difíceis de entender sem uma nota. A relação que o autor anônimo de Curial faz entre aquela determinada lenda, aquele mito grego e seu próprio texto, é maravilhosa. Então, eu coloquei, sempre que possível, explicações desses deuses gregos.

Agora, tem mais: eu aproveitei uma ideia maravilhosa do professor Pere Villalba (Universidat de Barcelona), que escreveu, há muitos anos, um livro, que é meu livro de cabeceira ainda hoje, Roma Através dos Historiadores Clássicos. O que ele fez ali? Ele contou toda a história de Roma a partir dos próprios contemporâneos, não dos autores modernos. Um show de fontes primárias. Em todo momento em que surgia um personagem histórico, ele puxava uma notinha e explicava, fazia uma pequena biografia, como de praxe, mas, além disso, contava uma história de todas as vezes que aquele personagem foi utilizado na Literatura, na Dramaturgia, na Música. Então, por exemplo, eu me recordo agora de uma nota dele que sempre costumo citar: a de Júlio César e Cleópatra. Ele inseriu uma pequena biografia dos dois e começou: “Já Shakespeare, em mil quinhentos e tanto, escreveu uma peça...”! Um texto eruditíssimo que vai até o filme Cleópatra (1963) com Elizabeth Taylor (1932-2011). Um trabalho maravilhoso esse o de Pere Villalba. Então eu peguei essa ideia, essa ideia brilhante, mas claro, não fiz nesse grau de profundidade, não teria essa erudição do mestre, não seria capaz. Escolhi apenas um tema: a Arte. Então, sempre que, em Curial e Guelfa, é citado um personagem mitológico, eu procurava, na História da Arte, os principais quadros daquele personagem ou daquela cena mitológica para que o leitor, ao ler a nota, pudesse imaginar a situação ao ler a novela. Isso ainda não tinha sido feito nas edições em alemão, na tradução em inglês. E os colegas lá da Espanha, filólogos especialistas em Curial, a professora Julia Butiñá, de Madri, o Vicent Martines, de Alicante e o Antoni Ferrando, de Valencia, adoraram, acharam que isso, de fato, seria um ponto a mais (um plus) nessa edição. Fiquei muito feliz. Deu um trabalho danado conferir essas informações todas, mas me deixou muito gratificado.

Eu queria só dar um exemplo, que eu já apresentei na Universidade Federal Fluminense (UFF) no ano passado em um colóquio (Colóquio de Pesquisadores e Pós-Graduandos em História Medieval - Perspectivas de Investigação e Colaboração Científica), quando li, pela primeira vez no Brasil, um trabalho sobre Curial e Guelfa. Logo no início da tradução, Curial, o protagonista, se apresenta como vassalo ao seu senhor, e impressiona a todos com sua beleza. Ele diz: “Senhor, eu sou vosso”. O marquês responde: “Pela minha fé, nunca vi tão gentil criatura que me agradasse tanto”, e acrescenta: “Tu serás meu, pois a mim te entregaste, mas serias meu mesmo que tivesse te entregado a outro”. Bom, esse é um diálogo típico das relações feudo-vassálicas medievais, uma reminiscência do feudalismo medieval essa relação amorosa entre os homens, a ideia de amor como amizade. E curiosamente isso está logo no capítulo 1.1 da novela. O professor Armando me ligou de São Paulo, um pouco perplexo, sugerindo que eu desse uma amenizada nas expressões, pois poderiam sugerir ao leitor contemporâneo, que não conhece História, algum tipo de relação homossexual ou homoerótica. Só que, esse tipo de diálogo, entre os homens da época e mesmo entre os medievais, era muito comum e, aí, nós ficamos naquele dilema: vamos fazer uma proposta de tradução, que é uma adaptação para o leitor moderno entender o texto, ou vamos ficar fiéis à linguagem original? Eu então optei por ficar o mais próximo possível da linguagem. E, é claro, coloquei uma nota.
 
Stan Stein – A nota que dá o contexto!
 
Ricardo da Costa – Exatamente. Coloquei uma nota, explicando isso, e também indicando uma bibliografia, sempre que necessário. Mas isso é um bom exemplo da dificuldade de um leitor atual de entender um texto do século XV (ou qualquer texto anterior ao século XVIII!). É um bom exemplo.
 
Gabriel – Como o ofício da tradução se conjuga com a responsabilidade do historiador?

Ricardo da Costa – Quando cheguei à UFES, em 2000 (fiz o concurso em 1998, mas só tomei posse em janeiro de 2000), eu tinha acabado de chegar de um estágio de três meses em Freiburg im Breisgau, na Alemanha, onde fui estudar catalão medieval e paleografia catalã do século XV com o querido Professor Fernando Domínguez Reboiras (no Raimundus-Lullus-Institut) e entrei em contato com o trabalho por eles realizado para o Corpus Christianorum da Bélgica, editora que publica as fontes medievais. Conheci, obviamente, esse trabalho filológico a que o Francis aludiu no início e, aí, o que eu expliquei aqui em dois minutos, eu resumi uma experiência que eu tive na Alemanha, uma experiência que, infelizmente, aqui no Brasil nós não temos nos cursos de História. E, por não termos essa experiência, quando eu cheguei e registrei meu primeiro projeto de pesquisa, a tradução da novela Félix ou O Livro das Maravilhas, um texto de 1289, houve certa estupefação. Muitos colegas não achavam que aquilo era um trabalho histórico, que era um trabalho literário, um trabalho de tradução, um trabalho menor. Para você ter uma ideia de meu choque cultural, na Alemanha, quando um professor faz uma tradução de um documento histórico, equivale a um título de doutor.

Durante um tempo houve certa desconfiança em que o que eu faço aqui, nesse caso, não é um trabalho histórico. O que é uma infelicidade, porque não há maior trabalho histórico do que esse, como me referi à citação de Richard Fletcher: você lida diretamente com as palavras escritas naquele tempo! É um trabalho histórico muito importante e que, no caso da Literatura como Curial e Guelfa, você escuta os diálogos! Você descobre como as pessoas conversavam ou, pelo menos, tem uma razoável noção de como, mesmo idealizada, deveria ser um diálogo das pessoas das camadas superiores da sociedade, o que é uma coisa muito importante. Então, eu creio que isso é parte essencial do ofício do historiador: lidar com as palavras. Pois o curso de História é um curso em que a gente aprende a ler, assim como em um curso de Artes você aprende a ver. Então, lidamos com as palavras o tempo inteiro, quando escrevemos, quando pesquisamos, e quando publicamos o que pesquisamos. É essencial essa preocupação com as palavras. É como um trabalho artesanal. Aliás, o doutor Stan sabe bem que uma vírgula mal colocada dá processo! (risos)

Francis – Eu gostaria de aproveitar esse “gancho” para delimitar, questionar esse trabalho técnico que foi realizado com Curial e Guelfa. Esse ofício de tradução, da busca pela fonte primária, pela perfeição de se aproximar da palavra mais próxima do tempo, chegar ao tempo deles, não trazê-los ao nosso tempo, que é o que o senhor sempre nos orienta. Eu gostaria de saber, nesse ofício, qual é o ponto em que você se aproxima do serviço de um copista, como o senhor bem conhece.

Ricardo da Costa – É bem diferente, bem diferente de um copista. Um copista “simplesmente” copia. Já um copista medieval...
 
Francis – Eu gostaria que o senhor falasse um pouco sobre os copistas.

Ricardo da Costa – Com seu trabalho, obstinado, metódico, os copistas medievais preservaram a documentação antiga para a posteridade, fosse ela concorde com a tradição católica ou não. Então, as poesias eróticas, os livros, as crônicas, todas passaram pelas mãos dos copistas medievais. Muitos dos documentos mais antigos que nós temos do mundo antigo são do século IX, do período carolíngio, do renascimento carolíngio. Os monges do período carolíngio copiaram muitas, dezenas de obras. Salvaram a civilização, literalmente. Nesse caso, embora eu faça também uma espécie de cópia, o ideal é que seja uma incorporação, uma encarnação, mediúnica, do passado, o que infelizmente não é possível. Mas, uma vez, eu também tratei a esse respeito (até conversei certa vez com o Stan) sobre o que disse um filólogo alemão chamado Friedrich Schleiermacher (1768-1834). Ele tem uma frase sensacional. A tradução tem duas opções: ou você traz o passado para hoje, isto é, adapta o passado para a compreensão dos dias de hoje, ou você volta ao passado. Para o segundo caso, eu criei uma metáfora: você vai ao cemitério e visita os mortos. Essas duas opções são ainda as únicas opções de uma tradução. Não só de uma tradução, mas de uma compreensão do tempo. Eu escolhi a visita ao cemitério. Certa vez afirmei que o historiador é um pouco necrófilo, ele é um voyeur dos mortos, ele se delicia em olhar pelo buraco da fechadura do cemitério. Isso, aliás, não tem a menor utilidade nos dias de hoje. São poucos os que vão ao cemitério, à exceção do Dia dos mortos. É uma coisa que não interessa muito às pessoas dos dias de hoje.
 
Braulino – Vou mudar um pouco o assunto, já que você tratou da tradução, do método. Minha pergunta é: Curial e Guelfa pode ser definida como uma novela histórica?

Ricardo da CostaCurial e Guelfa é uma novela histórica. Em seu sentido stricto sensu, é uma novela histórica porque foi escrita no século XV, num sentido mais específico. Portanto, é um documento histórico. Mas ela é uma novela diferente das outras novelas de cavalaria, porque não tem a fantasia das novelas medievais. Não tem dragões, não tem duendes, não tem o mago Merlin, Rei Arthur, nada disso. Não tem milagres, não tem santos. Ela é uma novela de gente de carne e osso, o que já é uma diferença substancial em relação aos textos medievais e, por isso, ela é uma novela pré-Humanista, e é considerada uma novela realista. Essa definição foi de uma grande especialista espanhol que agora não me recordo o nome, depois eu procuro...

FrancisMartí de Riquer!

Ricardo da CostaMartí de Riquer (1914- ), um grande erudito! Muito obrigado. Ele definiu Curial e Guelfa como uma novela realista, assim como Tirant lo Blanc, as duas únicas novelas realistas já escritas. Todas as outras não o são. Então, com base nisso, é razoável supor que uma boa dose de facticidade esteja aqui, como eu estava me referindo antes: no tratamento entre os personagens; na forma com que mãe e filha conversam; na maneira com a qual acontecem os torneios; no tratamento entre os homens, como eu me referi aqui, no início, entre Curial e seu senhor, entre o senhor e o imperador, o rei de Aragão e Curial... O que eu acho mais interessante é isso: a linguagem que você resgata do passado, ao meu modo de ver, é uma... Tem uma proximidade muito grande com a realidade. É muito razoável supor que eles, de fato, conversassem assim no século XV, pelo menos naquele grupo pequeno da camada superior da sociedade. Nesse sentido, sim, é uma novela realista. Tem uma veracidade grande.
 
Gabriel – Que possibilidades representam a tradução dessa obra, Curial e Guelfa, para os estudo de História Medieval na nossa realidade, hoje?
 
Ricardo da Costa – Na nossa realidade? Como assim?
 
Gabriel – O que há em termos de estudo de História Medieval no Brasil.
 
Ricardo da Costa – Os estudos de História Medieval no Brasil se desenvolveram muito nos últimos vinte anos. Há muitos grupos de pesquisa, há muitos professores universitários que trabalham com a Idade Média. A Associação Brasileira de Estudos Medievais (ABREM) é uma entidade grande, tem mais de trezentos pesquisadores. Nesse sentido, eu acho que minha maior contribuição é oferecer mais uma fonte primária... Isso porque eu ainda tenho o receio de que os nossos estudos, não só medievais, mas, de um modo geral, no Brasil, tenham um pé muito forte na bibliografia, sem muita ênfase no estudo das fontes primárias. Nos cursos de História, no Brasil, via de regra, os alunos leem textos de historiadores, ou seja, interpretações de fatos ocorridos, e não têm muito contato com fontes primárias. Não aprendem a manuseá-las, a interpretá-las. Há muita teoria e pouca metodologia – ou então, como eu já vi, teoria sendo chamada de metodologia! É claro que é muito mais difícil ler um texto primário, mas, sem esse exercício, você não forma um historiador e, nesse sentido, nós estamos ainda deficientes em relação ao exterior.
 
Eu estou tentando amenizar isso. Minha modesta contribuição é amenizar. Por exemplo, no caso de Ramon Llull, filósofo do século XIII com uma mentalidade do século XII, que escreve sobre temas variados (Botânica, Medicina, Poesia, Teologia, etc.). Com ele, através dele, você pode estudar uma gama razoável de temas daquele período. No entanto, eu já escutei muito em Congresso: “Ah, mas é chato ler...” e tal, por parte de estudantes. É claro, um documento medieval não é... Ler um documento medieval não é como ler A Gazeta, A Tribuna, ou O Globo. É um texto antigo, as pessoas se expressavam de maneira diferente e, sem esse contato, você não faz História, você não escreve sobre História, você é um mero repetidor de conteúdos, de obras, de autores. Acabam assim desconhecendo o passado, e repetindo ideia de historiadores que SEMPRE devem ser checadas. Eu insisto muito nessa tecla, porque eu sinto falta disso no Brasil ainda, infelizmente.
 
Francis – A possibilidade de se criar um instituto filológico no Brasil, tendo em vista que é uma área tão defasada entre nós, mas que está em evidência nos EUA e na Europa. O senhor vê a possibilidade de se criar um instituto dessa natureza no Brasil, ou talvez na UFES?

Ricardo da Costa – Não. Não vejo a menor possibilidade, porque, antes disso, nós deveríamos, teríamos que recuperar o estudo do Português! Hoje, os estudantes se formam, muitas vezes, sem ler um livro inteiro, sem saber conjugar verbos, sem vocabulário. A qualidade da interpretação gramatical, hoje se chama... Análise de texto? Não... Tem um nome que é dado a isso, hoje, nas escolas, um nome técnico, pomposo. Na minha época, era simplesmente interpretação de texto. Resumindo: ler, saber ler. Sem isso, hoje, os alunos não sabem o significado de muitas palavras. Nosso vocabulário está cada vez menor, mais pobre. Então, teríamos que retornar ao estudo da Gramática, mas nos moldes antigos, isto é, tradicionais, porque hoje se educa ainda que “ninguém educa ninguém”. Paulo Freire (1921-1997)! Um dos responsáveis pelo estado atual. Você não pode mais corrigir um estudante que escreve alguma coisa errada, você não pode tirar pontos de um estudante que escreve errado, porque a Gramática atual diz que há múltiplas possibilidades de expressão da Linguagem, e que todas elas são igualmente válidas. Isso na Pedagogia, nas Letras... Eu já ministrei aula na Letras, por exemplo, aqui na UFES. É o que defendem os literatos. Então, se você pode falar qualquer coisa, você não fala nada, não sabe nada – e acha que sabe tudo...
 
Francis – O senhor pensa que foi por causa disso que a Universidade de Santa Bárbara, California imediatamente levantou a bandeira pelo interesse dessa novela, tendo em vista que lá, na Califórnia, o professor Antonio Cortijo provavelmente sabe mais as regras do Português do que nós aqui, pois ele trabalha em um departamento de estudos da língua portuguesa?

Ricardo da Costa – Não, esses filólogos, todos, para minha “vergonha” – apesar do meu contentamento – corrigiram a minha tradução, sugeriram coisas, propuseram o tempo inteiro. Uma receptividade, uma abertura para o trabalho incrível. Sem frescuras, sem estrelismos. Uma aula de como se trabalha em alto nível. Sem vaidades. Aliás, a participação deles foi uma constante no ano todo em que eu fiquei traduzindo Curial. A Universidade de Santa Bárbara, Califórnia, hoje..., essa semana, eu fiquei sabendo, recebi uma informação: é a sétima universidade do mundo! Então, é uma..., é impressionante, eu fiquei agradavelmente surpreso de ter um livro em português publicado nos Estados Unidos. O que mostra que aquela ideia de Belas-Artes, a alta cultura, ainda abre portas no mundo inteiro.

Alguém pode perguntar: quem é que vai ler? Certamente, poucos. Pouquíssimos. Mas esse mundo sempre foi realmente para poucos. Como a Filosofia. Poucos, porque, quem lê Camões? Quem lê a Divina Comédia? Quem lê as obras clássicas da literatura? Quem lê a Odisseia? Quase ninguém. Jean Lauand, editor principal da Mandruvá, responsável por notáveis revistas especializadas disponíveis na Internet, em uma delas, certa vez, falou: “Parece que nós estamos vivendo como no século V na Europa: o Brasil está cheio de ostrogodos!”. Citei essa ideia muito real do Lauand em um debate com um professor que afirmou que o historiador não pode julgar nada... Estamos passando por um momento cultural difícil. E isso porque ninguém lê mais os clássicos. IVITRA deu-me a oportunidade de apresentar esse tema em uma conferência em Alicante (depois publicada em Costa Rica). Por isso, eu sei que poucos lerão Curial e Guelfa, mas não deixa de ser um espanto que um trabalho feito na UFES, por um carioca radicado no Espírito Santo, seja publicado nos Estados Unidos, em um convênio com a Espanha, com a Universidade de Alicante. É absolutamente incrível. Eu não esperava que fosse ser publicada lá. Na verdade, fiz a tradução porque me apaixonei pelo texto, sem esperar muita coisa, já que, de fato, poucos leem. Mas é triste. No fundo, é triste tudo isso.
 
Braulino – Bom, voltando aos aspectos da tradução, o senhor acha que existe um método ideal para traduzir?

Ricardo da Costa – Respeitar o autor. Respeitar o passado. O respeito ao outro, o respeito à alteridade, o respeito aos mortos. Não impor sua visão de mundo, sua linguagem, seus preconceitos, no “outro”, no tempo que já passou. Essa é a postura metodológica ideal: você escutar o que o outro tem a dizer. O que também não é muito comum hoje. Absolutamente.

Braulino – O senhor poderia dar um exemplo de alguma passagem da novela que o senhor se deparou com a questão?

Ricardo da Costa – O tempo inteiro, Braulino, o tempo inteiro! O principal trabalho, aqui, foi escutar os outros o tempo inteiro. Quanto mais você se espanta com o que o outro disse, mais você faz, mais você pratica o ofício do historiador. É o que Platão (c. 428-348 a. C.) chamava de thaumazein: a estupefação, que nada mais é do que o início da investigação científica, quando você se maravilha com alguma coisa, você fica curioso em saber o que é aquilo. Ou seja, você está inteiramente aberto à recepção do outro. Esse é o exercício ideal.

Braulino – Agora, a esse respeito, essa estupefação do pesquisador, que é como um (vamos usar um termo assim) espírito infantil, ingênuo, que não conhece ainda o seu objeto, está para conhecer, vai se maravilhar. O senhor não acha que essa visão deveria ser mais pontuada nos cursos de História?

Ricardo da Costa – É muito difícil estabelecer um padrão. Aliás, não é desejável que se estabeleça um padrão de ensino, eu creio. Quanto mais diferentes posições, diferentes métodos forem ensinados, melhor. Mas esse deveria ser o ponto de partida de todos os métodos: a compreensão profunda da alteridade. Essa deveria ser a base inicial. Sem isso, você é um ideólogo, você impõe a sua visão de mundo no outro, que já morreu, que não tem culpa dos nossos preconceitos. Nesse ponto sou absolutamente weberiano.

Gabriel – Professor Ricardo, sobre suas pretensões e próximos projetos, o que está por vir em termos de tradução de fontes primárias?

Ricardo da Costa – Eu pretendo continuar a fazer esse trabalho com IVITRA. A seguir, depois de Curial, houve o convite por parte da Profa. Júlia Butiñá para traduzir uma obra literária chamada O Sonho, de um autor pré-humanista chamado Bernardo, o Médico (Bernat Metge, c.1340-1413). Um diálogo à semelhança dos diálogos platônicos, à semelhança da Consolação da Filosofia de Boécio (c. 480-525). O trabalho de tradução está em fase final. A seguir, analisar o texto, e escrever sobre ele. A ideia é continuar nesse filão, porque nós, pesquisadores universitários federais, sempre encontramos..., cada um encontra o seu nicho para trabalhar, descobre o seu cantinho. O meu foi a cultura catalã medieval, que é uma cultura muito interessante porque é uma região, até hoje, e era muito no mundo antigo e medieval, uma região de passagem. Muitas culturas transitaram por ali. Uma região cosmopolita com uma perspectiva muito ampla, cultural, econômica. Um universo rico. Então, minha ideia é continuar com esse trabalho, com os clássicos da coroa de Aragão junto a IVITRA, a quem eu agradeço muito o convite para traduzir Curial e Guelfa. Muito obrigado, Prof. Vicent Martines, Prof. Antoni Ferrando, Profa. Júlia Butiñá!

Francis – Gostaria de finalizar com uma pergunta um pouco à margem do que conversamos, mas que considero importante: as pessoas questionam muito o Humanismo, professor, não?

Ricardo da Costa – As pessoas?
 
Francis – As pessoas que não conhecem, lógico, a religiosidade.

Ricardo da Costa – As pessoas que não conhecem questionam tudo! A ignorância é arrogante.

Francis – Mas o Humanismo começou principalmente com a questão religiosa, e as pessoas... Talvez seja o fato de Curial iniciar com uma citação de Petrarca. E eu gostaria que o senhor falasse sobre essa ligação, que o autor, que é, diga-se de passagem, um anônimo.

Ricardo da Costa – Sim, um autor anônimo.

Francis – Ele é anônimo. Tinha, com esse aspecto geográfico da Catalunha, que nesse momento se relacionava com a Itália, a Itália da Coroa de Aragão, as duas Sicílias, Nápoles, e essa relação do autor com Petrarca, humanista...

Ricardo da Costa – Eu só não entendi o seguinte: as pessoas criticam a religiosidade do Humanismo?

Francis – Do Humanismo, sim. Porque, apesar de o Humanismo ser o antropocentrista – você que é professor que me corrija – Petrarca defende essa união do Humanismo com as virtudes cristãs.

Ricardo da Costa – Sim.
 
Francis – Então, gostaria que o senhor falasse desse assunto, que está inserido na novela.

Ricardo da Costa – As pessoas criticam essa relação?

Francis – Sim.

Ricardo da Costa – E por quê? Só para eu te dar uma resposta mais precisa.

Francis – Por exemplo, elas criticam a Idade Média porque ela tinha um cunho religioso, e o Humanismo separou a Idade Média desse cunho religioso, mas eu, eu penso que o Humanismo, ele continua, ele inicia principalmente com Petrarca.

Ricardo da Costa – A crítica à religião é uma crítica pueril.

Francis – Exatamente.

Ricardo da Costa – É uma crítica infantil.

Gabriel – Do senso comum.
 
Ricardo da Costa – Do senso comum moderno, considerado uma falta de juízo, porque o senso comum clássico era o contrário do senso comum moderno. A filosofia clássica se baseava no senso comum! Sêneca (4 a. C. - 64 d. C.) afirmava que a primeira coisa que a Filosofia garantia ao filósofo é o senso comum (a humanidade, o espírito de comunidade). Aliás, o próprio Sêneca disse certa vez que, sem a crença na divindade, ninguém poderia ser uma pessoa boa! Então, essa crítica à religião, de qualquer época que você estude, é uma crítica pueril, infantil. A religião permeia todas as culturas de todas as épocas. Mesmo hoje, que você, por exemplo, vive num ambiente universitário que é preponderantemente antirreligioso...

Francis – Pós-moderno, não?

Ricardo da Costa – Pós-moderno, antirreligioso e tal. Esse ambiente expressa os valores de uma camada pequena da sociedade.

Francis Rousseau (1712-1778) já dizia que é uma decadência, não?

Ricardo da CostaRousseau era um pobre coitado. A vida de Rousseau foi uma vida trágica. Aliás, eu emprestei um livro ontem ao meu amigo Stan, chamado Os Intelectuais (1988), do Paul Johnson (1928- ), o grande historiador Paul Johnson, que tem um capítulo sobre Rousseau muito interessante. A vida de Rousseau foi uma tragédia. Mas só para concluir, essa camada social, esse grupo social que você convive na universidade e que é antirreligioso, é um substrato ínfimo do mundo. Nós pensávamos, no século XIX, que, com o avanço da Ciência, as religiões iriam diminuir. Ledo engano. As religiões crescem cada vez mais. Atualmente, a que mais cresce é a Islâmica. A religião islâmica é a que mais avança, inclusive na Europa...

Francis – Na Península Ibérica...

Ricardo da Costa – Na Europa, nos Estados Unidos, a proliferação de mesquitas é tremenda. Há poucos anos, houve um grande debate na Suíça sobre isso, se as mesquitas poderiam dar o seu toque, a sua chamada religiosa ou não. Então...

Francis – E a novela Curial e Guelfa está repleta desse...

Ricardo da Costa – Não, a novela não.

Francis – A novela está repleta desse mundo religioso, ligado à cristandade, mas, ao mesmo tempo...

Ricardo da Costa – Não. Curiosamente, a novela não expressa isso. São raríssimas partes, poucas exceções. De uma maneira geral, Curial e Guelfa não expressa nenhuma visão religiosa. Talvez por isso eu tenha considerado sua beleza um pouco vazia, já que não há nenhuma transcendência. É a beleza pela beleza. Bem, há um personagem que se converte, o Javali, que entra para uma ordem monástica, mas Curial e Guelfa basicamente é uma novela do século XV que tem uma perspectiva não religiosa. Então..., mas isso não é, isso não deve ser o divisor de águas de qualidade: “Isso é bom, isso é ruim” por causa de sua religiosidade (ou não). Por exemplo, o Instituto Científico do Vaticano tem muitos prêmios científicos. Muitos. Então, essa é uma crítica muito boba, muito infantil. A crítica a qualquer coisa relacionada à religião... Mas parece que o Stan vai fazer a última pergunta (risos).

Stan Stein – Não, eu tenho apenas dizer que espero novos encontros como este, e que a gente possa enriquecer a nossa cultura, o nosso conhecimento com essas ricas fontes do passado medieval e, quiçá, possamos multiplicar o acesso a essa obra, publicada lá na Universidade de Santa Bárbara, Califórnia. Quem sabe, solicitar autorização para sua reprodução aqui no Brasil. Que a juventude, a universidade, a UFES possam ter exemplares abundantemente distribuídos para acesso de todos. Um grande abraço!

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