Há algo mais contra a razão que tentar transcender a razão só com as forças da razão?

A disputa entre São Bernardo de Claraval e Pedro Abelardo

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A Virgem, o Menino e São BernardoYates Thompson 36, folio 186. Nessa delicada iluminura da Divina Comédia (Paraíso, XXXIII) atribuída ao pintor e iluminista sienês Giovanni di Paolo (c. 1403-1483), Dante e Beatriz (à esquerda) chegam a um locus amoenus com a Virgem e o Menino rodeados por cinco anjos e São Bernardo (de joelhos, à direita, com o hábito branco cisterciense).

Um diamante escondido. Assim é São Bernardo de Claraval (1090-1153), um dos personagens mais injustiçados da Idade Média. E por quê? Entre outras, por ter-se oposto firme e decididamente às heresias de Pedro Abelardo (1079-1142). A disputa entre ambos é uma das histórias mais fascinantes (e mal contadas) do século XII. Contá-la-emos, pois, aqui, baseados primacialmente nas fontes primárias. A seguir, comentaremos como a bibliografia julga esse famoso debate.

I. O confronto (1138-1142): as fontes

Nossa história começa com Guilherme, monge beneditino de Reims e abade de Saint-Thierry (c. 1075-1148), que foi, nas palavras de Bernardo, “um homem sábio”.1 Guilherme havia sido amigo de juventude de Abelardo, mas ambos distanciaram-se por suas distintas opções de vida: este escolheu as escolas e a glória do século; aquele, a vida monástica e a glória eterna.

Por volta de 1138, Guilherme teve em mãos duas obras de Abelardo: a Theologia christiana (1123-1124) e a Introductio ad theologiam (1124/25-1136).2 Ficou muitíssimo mal impressionado com as teses teológicas ali expostas, pois encontrou treze proposições errôneas e capazes de engendrar graves desvios na doutrina católica. Com zelo apostólico, Guilherme alertou Godofredo de Lèves, bispo de Chartres (e protetor de Abelardo) e Bernardo de Claraval, que viajou a Paris para encontrar-se com Abelardo e tentar dirimir o problema.

Foram dois encontros, o segundo com duas testemunhas. Neste último, Abelardo prometeu a Bernardo corrigir seus escritos e o conteúdo das aulas que ministrava. Mas logo voltou atrás e decidiu não se retratar de nada. Escreveu então uma carta ao arcebispo de Sens, pedindo que, no primeiro Concílio que ali fosse realizado, ele tivesse a oportunidade de defender-se publicamente das acusações de heresia que lhe eram imputadas. E diante de Bernardo! O sínodo ocorreria em Pentecostes do ano de 1140, nos dias 2 e 3 de junho. O arcebispo concordou.

Enquanto isso, Abelardo, já com sessenta anos, não permaneceu ocioso. Escreveu a Confessio fidei ad Heloissam, a Confessio fidei universis (em que nega todas as acusações)3 e a Apologia contra Bernardum.4 Confiante, convidou discípulos e amigos para presenciar sua vitória sobre o abade de Claraval. Este, por sua vez, recebeu uma carta do arcebispo de Sens solicitando a sua presença no Concílio. Abelardo pedira isso ao arcebispo. Contudo, Bernardo a princípio negou-se a ir e explicou os porquês:

Em primeiro lugar, porque sou uma criança, e ele um guerreiro adestrado desde a adolescência; ademais, porque me parecia indigno provar a solidez da fé com pobres raciocínios humanos, quando nos consta que ela se apoia em uma verdade certa e imutável. Repeti que bastam seus escritos para acusá-lo, e que não era preciso minhas palavras e sim a dos bispos, a quem compete julgar o dogma.5

Depois disso, Bernardo escreveu aos bispos para alertar que a Esposa de Cristo clamava, quase sufocada, em meio à selva de heresias e campos de erros, e que o amigo do Esposo não poderia abandoná-la em um momento de tão grave perigo, pois o adversário, astuto e sagaz, pretendia assaltar os descuidados e render os indefesos.6

Noutra missiva aos bispos7, Bernardo insistiu: competia a eles reparar os escândalos do reino de Deus8, cortar os espinhos que nasciam e apaziguar as querelas. E eles deveriam temer, pois a fé do homem simples estava sendo ridicularizada e as verdades mais sublimes da fé discutidas. A inteligência humana estava julgando-se senhora de tudo e não se guiava mais em nada pela fé!

Bernardo pediu: os bispos deveriam ler o livro de Pedro Abelardo intitulado Teologia. Ali estavam escritas coisas insólitas aos ouvidos e mentes católicas sobre a Santíssima Trindade, a geração do Filho e a procedência do Espírito Santo; deveriam também ler outro, chamado Sentenças, e outro ainda, de nome Conhece-te a ti mesmo, no qual “pululam sacrilégios e erros!”.

Bernardo clamou: que esse pecador público fosse repreendido à vista de todos e que fossem reprimidos muitos outros que punham trevas na luz9 e disputavam nas aulas as realidades divinas, pois assim os iníquos seriam obstruídos.10

Não obstante, Bernardo hesitava. Deveria ele ir a Sens? Ao escrever ao Papa Inocêncio II (1130-1143) e expor a situação, Bernardo – com toda a retórica clássica exercitada entre os cistercienses e baseada na Sagrada Escritura – mostrou o imenso sofrimento que sentia pela situação na qual a fé cristã se encontrava, particularmente devido ao sucesso das heresias defendidas por Abelardo, mas também à instabilidade de sua personalidade:

Em minha necessidade, eu me prometia um largo repouso depois que cessou a raiva leonina e a paz à Igreja retornou. Aquilo passou, mas eu não descanso.11 Ignorava que vivo em um vale de lágrimas12 ou havia esquecido que habito na terra do esquecimento.13 Não me dava conta de que na terra na qual habito germinam cardos e espinhos14 que, cortados, rebrotam, e depois, outros, numa sucessão sem fim. Havia escutado, mas a dor faz compreender melhor, como agora a experimento.15 A dor refrescou, mas não foi exterminada.

As lágrimas me inundam porque me abatem as desgraças: às vítimas do degelo sobreveio a neve.16 Quem suportará esse frio congelador17, esse frio que congela a caridade para que campeie a iniquidade?18 Livramo-nos de um leão, mas caímos nas fauces de um dragão, talvez mais insidioso19, oculto em sua cova, que o outro, que ruge nas montanhas20, embora já não esteja na cova: oxalá seus papéis empoeirados estivessem armazenados nas bibliotecas e não fossem lidos nas aulas. Seus livros voam, e os que odeiam a luz, porque são maus21, arremeteram contra a luz, convertendo-a em trevas.22

Tudo poderia ter sido resolvido prudentemente e sem alarde, mas Abelardo piorou a situação, pois, segundo Bernardo, ele

...propagou a todos os ventos que se enfrentaria comigo em Sens no dia marcado. Chegou ao ouvido de todos e foi impossível que eu ignorasse. Em um primeiro momento, tergiversei, pois não me movo por rumores populares23, mas cedi diante dos rogos dos amigos, embora com muito esforço e lágrimas.24

Bernardo percebeu que tudo estava sendo arranjado como uma espécie de torneio, aquela festa abominável, costume diabólico dos cavaleiros profanos25 e que, com sua ausência, o erro e o poder do inimigo se robusteceriam caso ninguém lhes fizesse frente. Abelardo preferia louvar as novidades dos filósofos mais que a Fé e a Doutrina dos Padres da Igreja, e “...como todos fogem dele, provocou a mim, o mais insignificante de todos, para um certame pessoal”.26

Bernardo então recebeu uma decisiva carta de Guilherme de Saint-Thierry, instando-o incisivamente a comparecer ao Concílio:

Interpelar-vos me constrange. Vosso dever é falar e não guardar silêncio diante de uma questão grave e que interessa ao bem-comum dos fiéis (...) Não se trata de bagatela. É a fé na graça de Deus e no sacramento de nossa redenção que estão em causa. Em verdade. Pedro Abelardo põe-se a ensinar e a escrever novidades. Seus livros ultrapassam os mares, vão para lá dos Alpes, voam de província em província, de reino em reino. Por toda parte são louvados com entusiasmo e defendidos impunemente.

Diz-se mesmo que gozam de simpatia junto à cúria romana (...) Eu vos digo: vosso silêncio é perigoso (...) Eu também amei a Pedro Abelardo. E, Deus é testemunha, gostaria de continuar a amá-lo. Mas, no presente caso, não posso levar em conta nem o próximo nem o amigo. É demasiado tarde para remediar o mal com conselhos ou admoestações privadas. O erro é público (...) É uma condenação pública e solene que se impõe.27

Após tantos rogos, Bernardo decidiu comparecer, “totalmente desarmado e sem argumentos, unicamente apoiado na fé”.28 Além dos bispos e abades, compareceram muitos religiosos, mestres das escolas das cidades, clérigos instruídos, nobres (o conde Thibaut [Teobaldo] de Champagne [1090-1151] e Guilherme II, conde de Nevers [1089-1148]) e até o rei da França, Luís (VII, o Jovem, 1120-1180), com todo o seu séquito.

O arcebispo realizara o sonho de Abelardo: por um instante, Sens tornou-se o centro da Cristandade! É possível que Abelardo tenha presumido que Bernardo não ousaria comparecer, de modo que seria esmagador o seu triunfo, mas a presença do abade parece tê-lo desconcertado.

No primeiro dia do concílio (02/06/1140), Abelardo foi colocado em um lugar distinto, e então se iniciou a leitura pública de alguns capítulos de suas obras. Bernardo inquiriu o mestre (“rebateu” e “pressionou”, segundo as fontes). Abelardo então levantou-se abruptamente, não quis mais escutar nada e, contrariando sua posição anterior, disse a todos que só aceitaria o Papa como juiz – Bernardo disse crer que essa apelação não era lícita.29 Em uma carta dirigida ao papa Inocêncio (em nome do arcebispo de Reims) há uma viva descrição da saída de Abelardo:

O abade de Claraval, armado com o zelo da fé e da justiça, rebateu tudo [as teses de Abelardo] na presença dos bispos. Ele, em contrapartida, nem confessou, nem negou: abandonou o lugar que ele mesmo havia escolhido, sem ter recebido nenhuma injúria ou moléstia, e apelou à Sé apostólica, a fim de prolongar a sua iniquidade.

Os bispos, reunidos expressamente para isso e em plena deferência à vossa reverência, não atentaram em nada contra a sua pessoa, [e] só decidiram que certas passagens de seus livros, condenadas pelos Santos Padres, necessitavam de uma correção medicinal, para que a epidemia não se propagasse. E como esse homem arrasta as multidões e tem um povo que confia nele, é necessário que rapidamente remedieis esse contágio.30

Godofredo de Auxerre (Geoffroy d’Auxerre, †c. 1190), amigo e secretário de Bernardo – mas também ex-aluno e discípulo de Abelardo – esteve presente ao Concílio e escreveu uma interessante versão do ocorrido, não muito diferente da carta do arcebispo de Reims:

Uma grande multidão se reúne na catedral. O servidor de Deus apresenta os escritos de Mestre Pedro e denuncia suas proposições erradas. A este foi facultado seja negar que se encontravam em seus livros, seja corrigi-las com espírito de humildade, seja, enfim, se pudesse, refutar as objeções formuladas contra elas. Mestre Pedro, porém, recusa-se a fazê-lo. Sem meios de combater eficazmente a inteligência e a sabedoria de seu opositor, apela, para ganhar tempo, para a Sé Apostólica.

Bernardo, esse admirável defensor da fé católica, pressiona a Abelardo no sentido de responder com liberdade e sem receio. Diz-lhe mais que não lhe seria aplicada nenhuma sentença. Mesmo assim, Abelardo se recusa obstinadamente a tomar a palavra. Depois, como atestam seus próprios companheiros, confessa que naquele momento sua memória ficara quase inteiramente perturbada, sua razão se obscurecera e seu sentido interior se evaporara. Apesar disso, o Concílio deixou ir-se embora esse homem. Absteve-se de tocar em sua pessoa, mas condenou seus dogmas perversos.31

Em sentido contrário, Béranger de Poitiers, fervoroso discípulo de Abelardo, também escreveu sua (viva) versão do Concílio:

Finalmente, depois do almoço, um dos assistentes começa a ler, em voz alta e sonora, o livro de Pedro. Animado de um ódio secreto contra Abelardo, e todo encharcado do suco da videira – não do suco daquele que disse “Eu sou a verdadeira videira”, mas do suco que embriagou o patriarca – esse leitor levanta por demais a voz. Momentos depois, os prelados se mexem, batem os pés, riem, escarnecem – o que permitia facilmente ver que estavam homenageando não a Cristo, mas a Baco. A seguir, brindam-se, glorificam o vinho, celebram a bebedeira e arrotam...

Enfim, se alguma passagem sutil, divina e inesperada é lida, os prelados depressa se assustam, rangem os dentes contra Pedro e o olham disfarçadamente. E gritam: “Deixaremos viver esse monstro?” E sacudindo a cabeça como os judeus, acrescentam: “Eis aquele que destrói o templo de Deus”.

Assim, cegos, julgam palavras de luz. Ébrios, condenam um homem sóbrio (...) Cães, devoram um santo (...) Porcos, comem pérolas (...) O vinho sobe à cabeça dos prelados e a letargia do sono toma conta de seus olhos. Enquanto o leitor berra, os ouvintes roncam. Um se apoia no cotovelo, para poder mais facilmente fechar os olhos. Outro se estende preguiçosamente sobre a almofada para melhor cerrar suas pálpebras fatigadas...

Se o leitor dá com uma passagem espinhosa, grita para os surdos prelados: Damnatis? – Condenais? Alguns, que acordam apenas com a última sílaba, respondem, abanando a cabeça e com voz sonolenta: Damnamus – Condenamos. Outros, atordoados com o barulho da condenação, murmuram, omitindo a primeira sílaba: Namus – Nadamos. Sim, nadais, nadais na tormenta da embriaguez e vos afogais no vinho.32

Caso deixemos de lado a visível admiração de Béranger por Abelardo – suas obras têm “passagens divinas”, “palavras de luz”, “pérolas” (além do fato de não ter dito uma palavra a respeito da saída de seu mestre) – sua descrição da plateia é plausível.33 Também devemos deixar o ódio que Béranger nutre por Bernardo para creditar-lhe veracidade: em seu libelo contra o cisterciense, Béranger agressivamente o acusa:

Tomaste Abelardo como alvo das tuas setas, para vomitar contra ele o veneno do teu azedume, para o riscar da terra dos vivos, para o pôr na categoria dos mortos (...) Enquanto lhes fechas as portas da clemência, os teus hediondos furores traem-te, o teu ódio cego é reconhecido.34

De qualquer modo, se a leitura das obras de Abelardo no Concílio foi, de fato, feita após o almoço, é admissível que alguns bispos mais idosos tenham cochilado naquela tarde em que suas teses foram julgadas heréticas. Contudo, isso não anula o conteúdo de seus escritos, nem a decisão conciliar, como veremos.

Com mestre Abelardo ausente, o Concílio examinou os capítulos de suas obras naquela sessão plenária, e decidiu que 19 de seus artigos (e não treze, como pensara Guilherme de Saint-Thierry) eram contrários à Fé e à Verdade. São esses:

  1. O Pai é potência plena, o Filho certa potência, e o Espírito Santo nenhuma potência;
  2. O Espírito Santo não é da mesma substância do Filho e do Pai;
  3. O Espírito Santo é a alma do mundo;
  4. Cristo não assumiu a carne para livrar-nos do jugo do diabo;
  5. Nem Deus e o Homem, nem a pessoa que é Cristo, é a terceira pessoa na Trindade;
  6. O livre-arbítrio basta por si mesmo para algum bem;
  7. Deus só pode fazer ou omitir o que faz ou omite, e só no modo ou tempo que faz, não em outro;
  8. Deus não deve nem pode impedir os males;
  9. Não contraímos a culpa de Adão, somente a pena;
  10. Não pecaram os que crucificaram Cristo por ignorância; a tudo que se faz por ignorância não se deve atribuir culpa;
  11. Não houve em Cristo o espírito de temor a Deus;
  12. O poder de atar e desatar foi dado somente aos apóstolos, não a seus sucessores;35
  13. O homem não é melhor nem pior por suas obras;
  14. Ao Pai, o qual não vem de outro, pertence própria ou especialmente a operação, mas não também a sabedoria e a benignidade;
  15. O temor casto está excluído da vida futura;
  16. O diabo coloca sua sugestão por operação nas pedras e ervas;
  17. O advento ao fim do mundo pode ser atribuído ao Pai;
  18. A alma de Cristo não desceu por si mesma aos Infernos, mas só por potência;
  19. Nem a obra, nem a vontade, nem a concupiscência, nem o prazer que a move são pecado, nem devemos querer que se extinga.36

Embora não seja o escopo desse trabalho a análise de todos esses artigos atribuídos a Abelardo, uma simples aferição de uma das obras citadas no epistolário de Bernardo, a Ética ou Conhece-te a ti mesmo (Etica seu liber Scito te ipsum, de 113637) mostra que o mestre, de fato, afirmou o que está contido nos artigos condenados no Concílio de Sens – e depois negou o que disse. Em seu capítulo 26 (item 12 dos artigos condenados), Abelardo afirma que

Assim, parece que quando o Senhor disse aos Apóstolos: “A quem perdoeis os pecados, fiquem perdoados”38 isto se referiu à pessoa dos Apóstolos, não aos bispos em geral. Da mesma maneira, o que se disse em outro lugar: “Vós sois a luz do mundo”39, e “Vós sois o sal da terra”40 – assim como a muitas outras coisas – devem ser atribuídas à pessoa dos Apóstolos. Porque essa discrição e santidade que o Senhor deu aos Apóstolos não foram concedidas igualmente aos seus sucessores.41

Contudo, na Confessio fidei universis Abelardo afirma exatamente o contrário:

Mas assim como quero corrigir meus ditos mal expressos, se é que alguns existem, da mesma forma convém-me repelir os crimes que indevidamente me imputam. Visto que, com efeito, diz o bem-aventurado Agostinho: é cruel aquele que descura de sua fama42, e conforme Túlio: o silêncio imita a confissão43, achei justo responder aos capítulos que foram escritos contra mim...

XII. Confesso que foi concedido a todos os sucessores dos apóstolos, do mesmo modo que aos mesmos apóstolos, o poder de atar e desatar, assim como aos bispos tanto indignos quanto dignos, enquanto a Igreja os receber.44

Assim, sonolento ou não, o Concílio leu o conteúdo daquelas obras. Mas voltemos à história. Após retirar-se, Abelardo dirigiu-se a Roma para entrevistar-se com o papa e pedir a decisão final. Entrementes, Bernardo escreveu a Guido de Castelo, discípulo de Abelardo (e futuro papa Celestino II, 1143-1144), aconselhando-o a amar Abelardo, mas não a seus erros, pois sua boca está cheia de maldições, amargura e fraude45; ao cardeal Ivo, Bernardo declarou que Abelardo era um monge sem regra e um prelado sem solicitude, um homem dissimulado e ambíguo: por fora, um João, por dentro, outro Herodes.46

Ao papa Inocêncio II (1130-1143) Bernardo escreveu outra carta para informá-lo dos últimos acontecimentos e pedir que combatesse essa nova heresia, pois “...o melhor lugar para se remediar os estragos à fé é onde a fé nunca vacilará (...) Por isso, temos o direito de esperar do sucessor de Pedro o que o próprio Senhor disse: quando te converteres, confirma teus irmãos”.47 Em outra missiva, Bernardo chamou a atenção do papa para o fato de que, como um lírio entre espinhos48, a Igreja de Deus estava despedaçada por dentro, e exatamente por aqueles que carregava em seu seio e alimentava em seu peito.49

Mas a correspondência de Bernardo sobre esse assunto não se limitou ao papa. Ao bispo de Palestrina (no Lácio), ele disse que Abelardo, como Ario (c. 256-336), ensinava a inexperientes aprendizes diferentes graus na Trindade50; como Pelágio (c. 360-418), antepunha o livre-arbítrio à Graça51, e como Nestório (c. 386-451)52, dividia o Cristo e excluía o Homem assumido do consórcio da Trindade.53 O mesmo afirmou ao cardeal Guido54, a um diácono55, a Guido de Pisa56, a um cardeal presbítero57 e a um abade.58

De fato, Abelardo defendeu o niilismo cristológico (em Cristo, corpo e alma não poderiam estar unidos). Consequentemente, a redenção do homem não fora real, já que a morte de Cristo não aconteceu de fato (como a morte é a separação entre a alma e o corpo, Cristo não teria morrido, pois Sua alma e corpo já estavam separados).59

Ao cardeal Aimeric, Bernardo diz que comprovou o que ouviu falar de Abelardo quando leu os seus livros:

Tanto ouvimos como vimos60 os livros e as sentenças do mestre Pedro Abelardo; anotamos suas palavras, assinalamos seus mistérios, e revelaram-se mistérios de iniquidade.61 Nosso teólogo impugna a Lei. Joga o que é santo aos cães e pérolas aos porcos62, corrompe a fé dos simples, macula a castidade da Igreja.63

Toda essa intensa atividade epistolar e literária em prol da fé deu resultado. O papa confirmou em bula a decisão conciliar, como podemos ler nessa carta que enviou a Henrique, bispo de Sens (datada de 16 de julho de 1140):

Embora indignos, nós estamos sentados à vista de todos na cátedra de São Pedro, a quem foi dito “E tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos”64, e assim, de comum acordo com nossos irmãos, bispos cardeais, pela autoridade dos Santos Cânones condenamos os capítulos que a vossa discrição nos ordenou e todas as doutrinas do mesmo Pedro Abelardo juntamente com seu autor, e, como herege, lhe impomos o silêncio perpétuo. Decretamos também que todos os seguidores e defensores de seu erro devem ser afastados da companhia dos fiéis e ligados com o vínculo da excomunhão.65

Abelardo dirigiu-se a Roma. Mas lentamente. De mosteiro em mosteiro. Passou por Cluny.66 Nem ele, nem o abade, Pedro, o Venerável (c. 1092-1156) sabiam da decisão pontifícia quando o primeiro chegou à abadia. De qualquer modo, Pedro preparou (e conseguiu) a reconciliação de Abelardo com Bernardo, e o admitiu em sua comunidade. Permitiu que ele continuasse a ensinar (em Saint-Marcel) e a escrever. A pedido de Abelardo, Pedro escreveu uma belíssima carta ao papa e comunicou sua atitude, pedindo sua aprovação:

Mestre Pedro (...) recentemente passou por Cluny, vindo da França. Nós lhe perguntamos aonde ia. Ele nos respondeu que, extenuado pelas vexações de pessoas que, fato que lhe causava horror, queriam fazê-lo passar por herético, apelara à majestade apostólica e desejava se refugiar junto dela. Louvamos sua intenção e o aconselhamos a correr ao refúgio comum que todos conhecemos. A justiça apostólica, dissemos a ele, jamais foi recusada a ninguém, fosse estrangeiro ou peregrino, e ela não vos faltará...

Entrementes, chegou monsenhor, o abade de Cîteaux, que conversa conosco e com ele para restabelecer a paz entre ele e monsenhor de Claraval, a respeito do que precisamente ele apelara. Empenhamo-nos em enviá-lo em paz e o exortamos a ir ter com monsenhor de Claraval, acompanhado de monsenhor de Cîteaux. Também acrescentamos a nossos conselhos que, se ele escrevera ou pronunciara palavras ofensivas a ouvidos católicos, consentisse, a convite de monsenhor de Cîteaux ou de outras pessoas sábias e de bem, em se abster doravante delas em sua linguagem e a apagá-las de seus escritos.

Assim foi feito. Ele foi para lá, e ao voltar nos relatou que, graças a monsenhor de Cîteaux, renunciara a seus protestos passados, e fez as pazes com monsenhor de Claraval. Nesse meio tempo, a nosso conselho, mas, sobretudo, acreditamos, por alguma inspiração divina, ele decidiu renunciar ao tumulto das escolas e dos estudos para fixar para sempre sua morada em vossa Cluny. Essa decisão nos pareceu conveniente à sua velhice, à sua fraqueza, à sua profissão religiosa, e, no pensamento de que sua ciência, que não vos é totalmente desconhecida, poderia ser útil à multidão de nossos irmãos, concordamos com seu desejo...

Suplico-vos, então, eu que, quem quer que eu seja, estou pelo menos à vossa disposição; esse convento de Cluny, que vos é inteiramente devotado, vos suplica; o próprio Pedro vos suplica, por ele, por nós, pelos portadores dos presentes que são vossos filhos, por esta carta que ele nos pediu para escrever-vos, dignai-vos ordenar que ele acabe os últimos dias de sua vida e de sua velhice, que talvez não sejam mais numerosos, em vossa casa de Cluny, e que da morada em que este pardal errante está tão feliz de ter encontrado um ninho, nenhuma instância possa expulsá-lo nem fazer sair. Pela honra com que revestis todos os bons, e pelo amor com que o amastes, concedei que vossa proteção apostólica o cubra com seu escudo!67

Abelardo não saiu mais de Cluny. O próprio Pedro, o Venerável, ao escrever a Heloísa, antiga amante de Abelardo e agora freira, e informá-la da morte do mestre, assim contou como foram os seus últimos dias:

Não me lembro de ter visto ninguém que tenha tido e demonstrado tal humildade (...) Lia continuamente, orava com frequência, não quebrava o silêncio senão para conversar familiarmente com os irmãos ou quando tinha de falar publicamente das coisas divinas na assembleia. Frequentava tanto quanto podia os santos sacramentos, oferecendo a Deus o sacrifício do Cordeiro imortal (...) Pelo espírito, pela boca, pelo trabalho, não cessava de meditar, de ensinar, de professar, tanto sobre as coisas de Deus como sobre os assuntos filosóficos e os outros domínios do saber ...

Foi assim que Mestre Pedro consumiu os seus derradeiros dias, na doçura e na humildade, como discípulo daquele que disse: “Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração”68, ele que tinha sido conhecido quase no mundo inteiro, e célere em toda a parte, como um mestre de uma ciência singular.69

Pedro Abelardo, herético, mas finalmente em paz consigo, faleceu na paz do mosteiro de Cluny, por volta de 1142. Bernardo ainda viveria mais onze anos.

Esses são os fatos. Vejamos com a bibliografia os trata (ou maltrata).

II. A Bibliografia

A bibliografia sobre o tema que acabamos de expor é imensa.70 Nas obras a que tivemos acesso, historiadores e filósofos são quase unânimes em condenar, implícita ou explicitamente, o comportamento de Bernardo de Claraval no affaire Abelardo. Alguns chegam a fantasiar... Senão vejamos.

O pendor por Abelardo é antigo. Já Michelet (1798-1874) apresentou o mestre como “progressista” e “libertador da razão” contra as intransigentes autoridades. Jacques Verger (1943- ), medievalista, nos informa que a historiografia marxista repisou constantemente essa imagem71 – a esse respeito, a colocação do filósofo alemão Kurt Flasch (1930- ) é correta: “...muitos historiadores, sem levar muito em conta as tensões da época, consideraram erroneamente Abelardo como um revolucionário”.72

O historiador e padre García M. Colombás (1920-2009) diz que Bernardo teve um radicalismo agressivo, juízos temerários, foi ardiloso, mordaz, intransigente e violento, e escreveu palavras dignas de um inquisidor no pior sentido da palavra!73 Fogo amigo...

O medievalista Emilio Mitre Fernández (1941- ), embora razoavelmente imparcial, afirmou que o Concílio de Sens foi “promovido” por São Bernardo”74 – e vimos que isso não é verdade, pois, além de ter sido convidado pelo arcebispo, Bernardo fez de tudo para não comparecer. Nesse aspecto, Ricardo García-Villoslada (1900-1991), historiador e jesuíta, está corretíssimo: Abelardo provocou São Bernardo para uma disputa pública no Concílio de Sens75, a mesma (e correta) interpretação do historiador Jacques Paul (1934- ).76

Apesar de fazer uma narrativa sucinta e correta, o filósofo Alain de Libera (1948- ) diz que Bernardo demonstrou uma temível eficiência77, sem maiores explicações. Eficiências são temíveis?

Sir Anthony Kenny (1931- ), filósofo, diz que Bernardo, “...às vezes justa, às vezes injustamente” extraiu do livro de Abelardo dezenove heresias, e as condenou em Sens.78

Étienne Gilson (1884-1978), filósofo e historiador, é um dos poucos justos, pois fundamenta sua argumentação na documentação. Afirma que os teólogos são os únicos competentes para julgar o caso (conhecimento que falta à maior parte dos historiadores medievalistas, infelizmente), e que eles concordam com São Bernardo em dizer que Abelardo confundiu Filosofia com Teologia e errou ao se esforçar para interpretar racionalmente os dogmas, particularmente o da Trindade.79 E por basear-se em Gilson, Josep-Ignasi Saranyana (1941- ), sacerdote e prelado do Opus Dei, apresenta um resumo bastante correto da história.80

O medievalista Georges Duby (1919-1996), apesar de sua maravilhosa prosa, não deixa de condenar – sem alegar os motivos – o abade de Claraval: para ele, o combate feroz que Bernardo travou com Abelardo foi um duelo violento em que todos os golpes foram permitidos (!), e que somente quando Bernardo percebeu que as armas de seu adversário superavam as suas, é que recorreu a outros meios, menos nobres, menos humildes.81 Um pouco de fel dos lábios de um dos maiores...

Absolutamente tendenciosa é a interpretação de Jacques Le Goff (1924-2014): para o medievalista francês, São Bernardo mudou sub-repticiamente o caráter da assembleia, transformando-a de um auditório em Concílio (sic) e o adversário em acusado (!). Afirma ainda que Bernardo se reuniu na noite anterior “à abertura dos debates” com os bispos, e lhes forneceu um dossiê completo que retratava Abelardo como um perigoso herético. Toda essa invenção naturalmente sem citar uma única fonte!82

Stephen P. Marrone (1950- ), historiador, sem levar em consideração os motivos teológicos, vê todo o debate retrospectivamente (o que, definitivamente, não é o ideal, pois leva em consideração processos históricos a posteriori): para ele, apesar de Bernardo ter exposto ao ridículo os métodos de Abelardo, sua convocação de uma resistência unida contra o novo aprendizado estava destinada ao fracasso.83

Dominique Iogna-Prat (1952- ), medievalista, mantém a cantilena acusatória contra os “inquisidores”, pois afirma que Abelardo foi condenado no Concílio de Soissons (1121) sem que sua Theologia summi boni tenha sido lida (ou refutada).84

Uma das poucas vozes que critica Abelardo é a do religioso Mariano Ballano de León: para ele, Abelardo era um grande mestre, sinceramente religioso, mas com um espírito mais próprio de um dialético que de um teólogo, pois lhe faltavam a profundidade e a sabedoria espiritual, já que não buscou a compreensão dos mistérios da fé. Ademais, também lhe faltavam o juízo, a moderação e o desinteresse de um verdadeiro pensador.85

Por sua vez, os autores brasileiros mantêm a cantilena incriminatória e maniqueísta e, por vezes, pioram-na consideravelmente. Senão vejamos.

O cisterciense Luis Alberto Ruas Santos diz que a atuação de Bernardo no episódio da condenação de Abelardo poderia receber reparos (não diz quais) e ainda não foi totalmente esclarecida pelos estudiosos.86

Já o padre e historiador Orlando Silva chega às raias do ódio: assim como o historiador e jesuíta García M. Colombás, Silva diz que Bernardo é um inquisidor antes da data; que não jogou limpo contra Abelardo, pois fugiu de uma disputatio teológica direta e preferiu o jogo sujo (o cerco e encurralamento do adversário através de cartas).87 Mais: que Bernardo foi “um santo que imaginava produzir a verdade com violência”, e que à santidade (oficial) de Bernardo prefere a venerabilidade (de fato) de Pedro; que “detesta o inquisidor Bernardo, não entende o santo Bernardo, e estima o homem Bernardo”.88 Inacreditável!

Luis Alberto de Boni (1940- ), à semelhança de Jacques Le Goff, distorce os fatos. Afirma que as autoridades religiosas, “enciumadas e impactadas” com o método de ensino de Abelardo, organizaram, como uma oposição, o sínodo de Sens, no qual, antes de ser ouvido, Abelardo foi condenado. Pior: trata Bernardo com deboche, dizendo que ele, “homem de grandes tratados sobre o amor em abstrato”, não temia “sacrificar indivíduos concretos”, e proibiu (!) Abelardo de falar em Sens. Para tal, de Boni apresenta justamente o primeiro extrato que citamos, em que Bernardo diz que é uma criança comparada com o guerreiro (Abelardo).89

O problema é que, além de não ter proibido Abelardo de falar, na carta citada, Bernardo explicava ao Papa o porquê de não querer comparecer ao Concílio!

Por fim, na mesma linha de Luis Alberto de Boni, o padre Cléber Eduardo dos Santos Dias (1974- ) afirma que Bernardo convenceu os bispos a condenar indiscriminadamente as teses que atribuíam a Abelardo!90

Até onde distorceremos a História?91

Conclusão

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A Virgem, o Menino, São Bernardo e DanteYates Thompson 36, folio 189. São Bernardo apresenta Dante (de joelhos) à Virgem e o Menino.

Como vimos, a disputa entre Bernardo de Claraval e Abelardo é um dos temas mais famosos da Idade Média, e um assunto no qual boa parte da historiografia é claramente tendenciosa, distorce os fatos, inventa-os — tudo porque a figura de Abelardo é representada como o avanço intelectual, e a de Bernardo, a de um inquisidor antes do tempo, verdadeiro aiatolá da fé católica.

Ao analisarmos as fontes e investigarmos os fatos, deparamo-nos com o inverso: é Abelardo que dissimula e mente, e tenta de todos os modos intimidar o monge cisterciense, especialmente ao sugerir um debate público no Concílio de Sens.

Sempre que o historiador projeta sua própria mentalidade no passado ocorrem distorções, mas nesse caso o que há é um verdadeiro bloqueio ideológico contra o abade de Claraval: o radical anticatolicismo do século XX (inclusive no seio da Igreja Católica, como vimos na bibliografia) inventa uma Idade Média que nunca existiu.92 Para os medievais, a fé não se discute. Ou se tem, ou se não tem.

A fé que pretenda conciliar-se com a hesitação é débil,
e quando o intelecto tenta irromper uma verdade selada pela fé,
viola a consideração e espreita a majestade de Deus.

Bernardo de Claraval, Da Consideração, V, 6.

Notas

  • 1. OBRAS COMPLETAS DE SAN BERNARDO VII. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos (BAC), MCMXC, Carta 79, 1, p. 305.
  • 2. Publicadas em Patrologia Latina 178, p. 979-1114 e 178, p. 1123-1330, respectivamente.
  • 3. Ambas foram publicadas (em edição bilíngüe) no artigo de DIAS, Carlos Eduardo dos Santos. “Pedro Abelardo – Confessio fidei universis”. In: VERITAS, Porto Alegre, v. 51, n. 3, set. 2006, p. 169-181.
  • 4. Disponível na Internet.
  • 5. Op. cit., Carta 189, 4, p. 629.
  • 6. Op. cit., Carta 187, p. 621-623.
  • 7. Op. cit., Carta 188, p. 623-625.
  • 8. “O Filho do Homem enviará seus anjos e eles apanharão do seu Reino todos os escândalos e os que praticam a iniqüidade e os lançarão na fornalha ardente. Ali haverá choro e ranger de dentes. Então os justos brilharão como o sol no Reino de seu Pai. O que tem ouvidos, ouça!”, Mt 13, 41-43.
  • 9. “Ai dos que ao mal chamam bem e ao bem, mal, dos que transformam as trevas em luz e a luz em trevas, dos que mudam o amargo em doce e o doce em amargo!”, Is 5, 20.
  • 10. Op. cit., Carta 187, p. 621-623. O franciscano Bertoldo de Regensburgo (c. 1220-1272), incansável viajante, pregador (da década de 1240 até a de 1270) calculou que em seu tempo, no século XIII, havia cerca de 150 seitas heréticas.
  • 11. “Vivo sem paz e sem descanso, eu não repouso: o que vem é a agitação!”, Jo 3, 26.
  • 12. “Ao passar pelo Vale das Balsameiras eles o transformam em fonte”, Sl 83, 7 (Vale das Balsameiras – a balsameira, ou “árvore que chora”, deve ser a amoreira).
  • 13. “Conhecem tuas maravilhas na treva, e tua justice na terra do esquecimento?”, Sl 87, 13 (o Salmo 87 é o da súplica do fundo da angústia!).
  • 14. “Ele produzirá para ti espinhos e cardos”, Gn 3, 18.
  • 15. “Em suma, só o medo fará entender a mensagem”, Is 28, 19.
  • 16. “Meus irmãos atraiçoaram-me como uma torrente, como canais de um rio que transborda, tornando-se turvo pelo degelo e arrastando consigo a neve”, Jo 6, 16.
  • 17. “Ele atira seu gelo em migalhas: diante do seu frio, quem pode resistir?”, Sl 147, 17.
  • 18. “E pelo crescimento da iniqüidade, o amor de muitos esfriará”, Mt 24, 12.
  • 19. “Fraude e astúcia lhe enchem a boca, sob sua língua há opressão e maldade. Põe-se de emboscada entre os juncos e às escondidas massacra o inocente”, Sl 9, 29.
  • 20. “Ele ruge contra a tua pastagem”, Jr 25, 30.
  • 21. “Por que foi dada a luz a quem o trabalho oprime, e a vida a quem a amargura aflige”, Jo 3, 20.
  • 22. Op. cit., Carta 189, 2, p. 627.
  • 23. Passagem que faz eco a Sêneca (4 a.C. - 65 d.C.): “Como pode agradar ao vulgo alguém a quem só a virtude agrada? Não se conquista o favor popular por processos limpos. Terás de igualar-te primeiro ao vulgo, que só te aprovará quando te considerar um dos seus. Ora, para a tua formação, a opinião que tenhas sobre ti mesmo importa muito mais do que a dos outros. A amizade de pessoas dúbias só se concilia por processos dúbios. Em que te ajudará nisto a Filosofia, essa arte excelsa que a tudo sobreleva? Precisamente em levar-te a querer agradar mais a ti do que ao vulgo, a avaliar a qualidade, não o número, das pessoas que emitem juízos sobre ti, a viver sem temor dos deuses ou dos homens, a poder vencer a adversidade ou a pôr-lhe cobro. Por outro lado, se eu te vir andar famoso nas bocas do mundo, se à tua entrada, como a de histriões no palco, ressoarem vivas e palmas, se por toda a cidade mulheres e crianças te tecerem louvores, como não hei-de eu lamentar-te, sabendo como sei qual a via para se obter tal favor?”, LÚCIO ANEU SÉNECA. Cartas a Lucílio. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, Carta 29, 12, p. 109-110.
  • 24. Op. cit., Carta 189, 4, p. 629.
  • 25. “De fato, devido ao grande número de mortos e feridos, dezenove anos antes a Igreja inutilmente tentara proibir essas ‘detestáveis assembléias’ chamadas torneios: em 1130 (concílios conjuntos de Reims e Clermont), em 1139 (Latrão II) e 1179 (Latrão III). Em Clermont, por exemplo, a Igreja privara de sepultura cristã aqueles que se ostentavam e pereciam nessas feiras.” – COSTA, Ricardo da, e ZIERER, Adriana. “Os torneios medievais”. In: Boletín Electrónico de la Sociedad Argentina de Estudios Medievales (SAEMED), año II, n. 3, Abril/Julio de 2008.
  • 26. Op. cit., Carta 189, 3, p. 629.
  • 27. Citado em SILVA, Orlando. O Drama Heloísa-Abelardo. São Paulo: Edições Loyola, 1989, p. 150.
  • 28. Op. cit., Carta 189, 4, p. 631. O filósofo Alain de Libera (1948- ) afirma que convém sublinhar esse detalhe: a entrada de Bernardo em cena deveu-se à demanda de Guilherme de Saint-Thierry: “Teólogo de envergadura, Guilherme, discípulo de Bernardo, dizia ter notado, uma após a outra, diversas afirmações estranhas de Abelardo, e exortava seu mestre a escrever contra ele (‘ele te respeita, esse homem, e te teme’)”, DE LIBERA, Alain. Pensar na Idade Média. São Paulo: Ed. 34, 1999, p. 214.
  • 29. Op. cit., Carta 189, 4, p. 631.
  • 30. Op. cit., Carta 191, 2, p. 635.
  • 31. Citado em SILVA, Orlando. O Drama Heloísa-Abelardo, op. cit., p. 150.
  • 32. Citado em SILVA, Orlando. O Drama Heloísa-Abelardo, op. cit., p. 151-152. O texto integral está disponível na Internet.
  • 33. Desde suas origens, a universidade conheceu o problema da sedução do magistério e da facilidade de transformar uma audiência de jovens em seguidores totalmente dedicados ao seu mestre (hoje diríamos “fanáticos”). Por exemplo, João de Salisbury (c. 1115-1180), ele próprio um ex-aluno de Pedro Abelardo, percebeu esse terrível fenômeno social. Em sua obra Policraticus (1159), ele disse: “Existem poucos que se dignam ser imitadores dos acadêmicos [isto é, dos filósofos da Academia grega], já que cada um escolhe aquilo que vai seguir mais por gosto que pela razão. Uns se distraem com suas próprias opiniões, outros com as dos doutores, e outros com o trato da multidão. Quem duvida que aquele que jura pela palavra de seu mestre não concorda com o que se diz, mas com quem diz? Aquele que foi cativado pela opinião de um doutor, ladra qualquer coisa com força, e acredita que saiu das ocultas intimidades da Filosofia o que, na verdade, é apenas uma prova de infantilidade. Esse está disposto a disputar qualquer idiotice, acreditando que é inconcebível o que soa desconhecido aos seus ouvidos, e não concorda com a razão apenas porque pensa que o que disse seu mestre é autêntico e sacrossanto!”, Livro VII, cap. 9.
  • 34. Citado em BERLIOZ, Jacques. “S. Bernardo, o soldado de Deus”. In: BERLIOZ, Jacques (apres.). Monges e Religiosos na Idade Média. Lisboa: Terramar, 1994, p. 53.
  • 35. “Entre as proposições condenadas havia algumas absolutamente incitantes, por exemplo: ‘Deus não deve e não pode impedir o mal’ e ‘O poder de ligar e desligar foi dado somente aos Apóstolos e não aos seus sucessores’.” – KENNY, Anthony. Uma Nova História da Filosofia Ocidental. Volume II – Filosofia Medieval. São Paulo: Edições Loyola, 2008, p. 67.
  • 36. Publicado em DENZINGER, Enrique. El Magisterio de la Iglesia. Barcelona: Editorial Herder, 1963, p. 114-115.
  • 37. PEDRO ABELARDO. Ética o Conócete a ti mismo (estudio preliminar, traducción y notas de Pedro R. SANTIDRIÁ). Madrid: Editorial Tecnos, 2002.
  • 38. “Aqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhe-ão perdoados; aqueles aos quais retiverdes ser-lhes-ão retidos”, Jo 20, 23.
  • 39. Mt, 5, 14.
  • 40. Mt 5, 13.
  • 41. PEDRO ABELARDO. Ética o Conócete a ti mismo, op. cit., p. 103.
  • 42. AGOSTINHO, Sermo 355, 1.
  • 43. CÍCERO. De Invenctione Rhetorica I, 54.
  • 44. In: DIAS, Carlos Eduardo dos Santos. “Pedro Abelardo – Confessio fidei universis”. In: VERITAS, op. cit., p. 176, e também em PEDRO ABELARDO. Ética o Conócete a ti mismo, op. cit., p. 120.
  • 45. Op. cit., Carta 192, p. 637. A citação é de Sl 10, 28.
  • 46. Op. cit., Carta 193, p. 639.
  • 47. OBRAS COMPLETAS DE SAN BERNARDO II. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos (BAC), MCMXCIV, Carta 190, Prólogo, 4, p. 529. A citação que Bernardo faz para lembrar a importância do cargo pontifício é Lc 22, 32.
  • 48. Ct 2, 2 (“Como açucena entre espinhos é minha amada entre as donzelas”).
  • 49. Op. cit., Carta 330, p. 978.
  • 50. Ario defendeu que Deus criou o Logos do nada, e que, portanto, o Filho não era da mesma natureza que o Pai. O arianismo foi condenado como heresia no Concílio de Nicéia (325).
  • 51. Pelágio defendeu que a humanidade era capaz de evitar o pecado e que a escolha de obedecer às ordens de Deus era responsabilidade de cada um. Isso está exposto em sua Carta a Demétrias (c. 413), praticamente o único escrito seu que chegou até nós. O historiador Paul Johnson (1928- ) afirmou que a teoria da graça e predestinação de Pelágio não é muito diferente da de Calvino (História do Cristianismo, Rio de Janeiro, Imago, p. 144). Por sua vez, Barrows (1905-1995) afirma que “...para os teólogos liberais, Pelágio é o santo e Agostinho o herege” (DUNHAM, Barrows. Heroes y Hereges. Antigüedad y Edad Media. Barcelona: Editorial Seix Barral, 1969, p. 79). Agostinho se opôs firmemente ao pelagianismo. Ver BROWN, Peter. Santo Agostinho. Uma biografia. Rio de Janeiro: Editora Record, p. 425-440.
  • 52. Nestório defendeu que Cristo tinha duas naturezas, uma humana e outra divina. Por isso, se opunha que Maria fosse chamada “Mãe de Deus”. O nestorianismo foi declarado herético no Concílio de Éfeso (431).
  • 53. Op. cit., Carta 331, p. 983.
  • 54. Carta 332, p. 984-987.
  • 55. Carta 333, p. 986-987.
  • 56. Carta 334, p. 988-989.
  • 57. Carta 335, p. 990-991.
  • 58. Carta 336, p. 992-993.
  • 59. LUIS LLANES, Josep, y IGNASI SARANYANA, Josep. Historia de la Teología. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2002, p. 31. Para o tema do niilismo cristológico, ver SANTIAGO-OTERO, Horacio. “El nihilismo cristológico y las tres opciones”. In: Revista Española de Teología 29 (1969), p. 37-48.
  • 60. “Conforme ouvimos, assim vimos também”, Sl 48, 9.
  • 61. Citação muito significativa a respeito de Abelardo (e que mostra o quanto o abade de Claraval dominava o conteúdo bíblico): “Pois o mistério da impiedade já está agindo, só é necessário que seja afastado aquele que ainda o retém! Então aparecerá o ímpio, aquele que o Senhor destruirá com o sopro de sua boca, e o suprimirá pela manifestação de sua Vinda”.
  • 62. “Não deis aos cães o que é santo, nem atireis as vossas pérolas aos porcos, para que não as pisem e, voltando-se contra vós, vos estraçalhem”, Mt 7, 6.
  • 63. Carta 338, p. 995.
  • 64. “Eu, porém, orei por ti, a fim de que tua fé não desfaleça”, Lc 22, 32.
  • 65. DENZINGER, Enrique. El Magisterio de la Iglesia, op. cit., p. 115.
  • 66. Para a importância de Cluny, ver COSTA, Ricardo da. “Cluny, Jerusalém celeste encarnada (séculos X-XII)”. In: Revista Mediaevalia. Textos e Estudos 21 (2002), p. 115-137.
  • 67. Pedro, o Venerável, Epístola IV, 4 (Patrologia Latina, 305-306). Publicada em GILSON, Étienne. Heloísa & Abelardo. São Paulo: Edusp, 2007, p. 141-143.
  • 68. Mt 11, 29.
  • 69. Citado em VERGER, Jacques. “Abelardo. Escolas no claustro”. In: BERLIOZ, Jacques (apres.). Monges e Religiosos na Idade Média. Lisboa: Terramar, 1994, p. 72.
  • 70. E bem indicada no artigo de DIAS, Carlos Eduardo dos Santos. “Pedro Abelardo – Confessio fidei universis”, op. cit.
  • 71. VERGER, Jacques. “Abelardo. Escolas no claustro”, op. cit., p. 64.
  • 72. FLASH, Kurt. El pensament filosòfic a l’Edat Mitjana. Santa Coloma de Queralt: Obrador Edèndum, 2006, p. 211.
  • 73. M. COLOMBÁS, García. La tradición benedictina. Ensayo histórico. IV.1. El siglo XII. Zamora: Ediciones Monte Casino, 1993, p. 172-173.
  • 74. MITRE FERNÁNDEZ, Emilio. Historia del Cristianismo II. El mundo medieval. Madrid: Editorial Trotta, 2004, p. 347.
  • 75. GARCIA-VILLOSLADA, Ricardo. Historia de la Iglesia Católica II. Edad Media (800-1303). Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos (BAC), 1963, p. 642.
  • 76. PAUL, Jacques. Historia Intelectual del Occidente Medieval. Madrid: Cátedra, 2003, p. 242, embora ele se equivoque ao dizer que Abelardo foi excluído da sessão conciliar do dia 02 de junho de 1140.
  • 77. DE LIBERA, Alain. A Filosofia medieval. São Paulo: Edições Loyola, 1997, p. 337.
  • 78. KENNY, Anthony. Uma Nova História da Filosofia Ocidental. Volume II – Filosofia Medieval. São Paulo: Edições Loyola, 2008, p. 67.
  • 79. GILSON, Étienne. A Filosofia na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 342.
  • 80. SARANYANA, Josep-Ignasi. A Filosofia Medieval. Das origens Patrísticas à Escolástica Barroca. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência Raimundo Lúlio, 2006, p. 183.
  • 81. DUBY, Georges. São Bernardo e a Arte Cisterciense. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 132.
  • 82. LE GOFF, Jacques. Os intelectuais na Idade Média. São Paulo: Editora Brasiliense, 1993, p. 46. Esse malfadado livro, comemoradíssimo nos círculos universitários brasileiros, já foi duramente criticado por Alain de Libera (Pensar na Idade Média, op. cit.).
  • 83. MARRONE, Stephen P. “A filosofia medieval em seu contexto”. In: McGRADE, A. S. (org.). Filosofia Medieval. Aparecida, São Paulo: Idéias & Letras, 2008, p. 46.
  • 84. IOGNA-PRAT, Dominique. “A argumentação defensiva: da polêmica gregoriana ao Contra Petrobrusianos de Pedro, o Venerável”. In: ZERNER, Monique (org.). Inventar a heresia? Discursos polêmicos e poderes antes da Inquisição. Campinas: Editora da UNICAMP, 2009, p. 105.
  • 85. BALLANO, Mariano. “Errores de Pedro Abelardo – Introduccion”. In: Obras Completas de San Bernardo II. Tratados. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos (BAC), MCMXCIV, p. 526.
  • 86. RUAS SANTOS, Luis Alberto. Um monge que se impôs a seu tempo: pequena Introdução com antologia à vida e obra de São Bernardo de Claraval. São Paulo: Musa Editora; Rio de Janeiro: Edições Lumen Christi do Mosteiro de São Bento, 2001, p. 55.
  • 87. SILVA, Orlando. O Drama Heloísa-Abelardo. São Paulo: Edições Loyola, 1989, p. 147-148.
  • 88. SILVA, Orlando. O Drama Heloísa-Abelardo, op. cit., p. 160-161.
  • 89. DE BONI, Luis Alberto. De Abelardo a Lutero. Estudos sobre filosofia prática na Idade Média. Porto Alegre: Edipucrs, 2003, p. 15 (e nota 3).
  • 90. DIAS, Carlos Eduardo dos Santos. “Pedro Abelardo – Confessio fidei universis”, op. cit., p. 171.
  • 91. Como bem disse o historiador marxista Eric Hobsbawm (1917-2012), “A História é atualmente revista ou inventada por gente que não deseja o passado real, mas somente um passado que sirva aos seus objetivos. Estamos hoje na grande época da mitologia histórica”. Citado em COSTA, Ricardo da. “Para que serve a História? Para nada...”. In: Sinais 3, vol. 1, junho/2008. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciência Humanas e Naturais, p. 43-70.
  • 92. Um bom exemplo do anticatolicismo contemporâneo e seu bloqueio hermenêutico à melhor compreensão histórica (particularmente acerca da Idade Média) está muito bem expresso na advertência demoníaca do historiador da arte e então diretor da Galeria Nacional de Arte dos Estados Unidos, Earl A. Powell III (1943-), quando de uma exposição em 2010 sobre a arte barroca espanhola (1600-1700) ao público americano: “Lembrem-se: as imagens são para serem vistas, não beijadas. A tentação estará presente na sala!”. O diretor se referia especialmente às impressionantes esculturas sobre a Paixão de Cristo dos artistas Pedro de Mena (1628-1688) e Gregorio Fernández (1576-1636), comparadas por ele a quase uma “rendição artística ao estilo de Mel Gibson”! (os grifos são nossos). ALANDETE, David. “La crudeza sangrienta del barroco español llega a EE UU”. El País, 23/02/2010.

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