O Diálogo no limite

A disputa entre Pedro e Ramon, o superfantástico (1311)

Ricardo da COSTA

Conferência proferida no dia 21 de maio de 2013 no
I Colóquio Internacional de Filosofia,
Nicolau de Cusa em Diálogo (1401-1464)
,
evento organizado pela Sociedade Brasileira de Filosofia Medieval
(apoio: FAPES e CAPES) e ocorrido na UFES entre os dias 20 e 23 de maio de 2013.

In: Mirabilia 21 (2015/2), p. 132-150.

Resumo: A proposta dessa conferência é apresentar o debate filosófico entre Pedro e Ramon Llull (Librum disputationis Petri et Raimundi phantastici), e analisar os limites do diálogo medieval. Debate ou conversão? Pretendemos discutir os parâmetros do diálogo medieval luliano, aspectos que levaram nosso autor às fantasias mais extremas de seu diálogo literário-filosófico: a dramatização do conflito entre ideais e atitudes realistas. Além disso, faremos uma análise iconográfica de uma das mais famosas representações artísticas de Ramon Llull: “A retaguarda e o auxílio do exército do Senhor Ramon Llull de Maiorca para destruir a torre da mentira e da ignorância”, sétima iluminura do Breviculum (1325).

Abstract: The purpose of this conference is to present the phylosophical debate between Pedro and Ramon Llull (Librum disputationis Petri et Raimundi phantastici), and analyze the limits of the medieval dialogue. Debate or conversion? We intend to discuss the parameters of medieval dialogue lulian, aspects that led our author to the most extreme fantasies of literary-philosophical dialogue: the dramatization of the conflict between ideals and realistic attitudes. In addition, we intend to do a iconographic analysis of one of the most famous artistic representations of Ramon Llull: “The rear of the army and relief of Mr. Ramon Llull of Majorca to destroy the tower of falsehood and ignorance”, seventh miniature from Breviculum (1325).

Palavras-chave: Disputa − Ramon Llull − Filosofia medieval − Arte medieval.

Keywords: Disputatio − Ramon Llull − Medieval Philosophy − Medieval Art.

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Cristo com os doutores (1506), de Albrecht Dürer (1471-1528). Óleo sobre painel, 65 x 80 cm, Museo Thyssen-Bornemisza, Madrid.

I. Diálogo, disputa

1. A disputa é uma oposição espiritual na qual, por meio de palavras, um entendimento manifesta sua concepção oposta à de outro.

(...)

17. A finalidade da disputa é rechaçar o erro e reconhecer a verdade.
Ramon Llull, Livro dos provérbios (1296), CCXLVIII, “Da disputa”, 1 e 17.1

A Filosofia nasceu sob a égide do diálogo, debate que unia duas ou mais pessoas na busca racional de algo. Preferencialmente da Verdade.2, já que a busca da verdade era a principal atividade do filósofo.3 Recurso literário, princípio, forma de expressão não-dogmática, sua própria natureza intrínseca fazia com que os dialogantes inquirissem dialeticamente: aquele que soubesse perguntar e responder, o dialético, era o especialista do diálogo (PLATÃO, Crátilo, 390c):

Σωκράτης: τὸν δὲ ἐρωτᾶν καὶ ἀποκρίνεσθαι ἐπιστάμενον ἄλλο τι σὺ καλεῖς ἢ διαλεκτικόν;
Ἑρμογένης: οὔκ, ἀλλὰ τοῦτο.4

Sócrates: E o que sabe perguntar e responder? Dirias tu que ele se chama dialético?
Hermógenes: Sim, isso mesmo.5

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Jean de Meung e a Senhora Verdade. Paris, Bibliothèque nationale, MS Fr. 1728. Autor da segunda parte do Romance da Rosa (c. 1268-1285), o poeta Jean de Meung (1250-1305), nessa inicial iluminada, é assessorado pela Senhora Verdade que, além do cetro com a flor-de-lis francesa na mão esquerda, porta na direita três livros, o que ilustra bem o valor que os escritores medievais atribuíam ao conceito.6

Nesse ambiente, nessa comunicação existencial em que o problema do outro era posto de modo franco, aberto, não havia espaço para tergiversações. A autenticidade era um dos requisitos que legitimavam as distintas posições. Franqueza. Abertura-para. Com benevolência (εὔνοια).7 Como a atitude sincera e despojada do Cristo com os doutores, de Albrecht Dürer (1471-1528), em que pese a malícia dos inquiridores do Cristo destacada pelo pintor alemão, aliás, vício recorrente atribuído aos acadêmicos (neste caso, aos doutores do Templo, os judeus, para o pintor, personagens sorrateiros, esquivos, maliciosos indagantes).

Mas há matizes contextuais e históricos, evidentemente. O juízo histórico, ao contrário do metafísico (que parte de evidências extraídas de primeiros princípios indemonstráveis e chega a conclusões necessárias − Llull denominava de razões necessárias) tem sempre o caráter de interpretação de uma presumível verdade sobre o passado.8

E justamente uma das dificuldades para se compreender o diálogo clássico-medieval é a finalidade para a qual convergiam os participantes. Pois não se tratava de infinitamente abrir novos círculos a cada resposta, como já sugeriu coetâneamente o filósofo alemão Hans-Georg Gadamer (1900-2002). Porque compreender, para Gadamer, obriga necessariamente a uma nova pergunta após a resposta dada pelo interlocutor − trata-se de uma dialética da pergunta e resposta, ou, em suas próprias palavras, a negação do fantasma do esclarecimento total (Verdade e Método, 2.3.3, 383)9

Pelo contrário, o diálogo medieval tinha uma finalidade bem precisa: convencer. Converter (ou afirmar o fantasma do esclarecimento total). Isso está muito claro na filosofia de ação de Ramon Llull (1232-1316)10 (melhor seria defini-la como filosofia de conversão). Ademais, o termo recorrente em sua obra não é diálogo, mas disputa (disputació/disputatio). E o filósofo maiorquino a definiu como uma oposição espiritual que se manifesta por meio de palavras, como vimos. Llull não defendia que a disputa fosse baseada em autoridades religiosas. Cria que os debatedores deveriam aceitar premissas (que chamou de primeiros princípios) e que, sobretudo, a mútua amizade contivesse a oposição individual. Não se deveria debater com um homem intelectualmente soberbo, porque a Soberba cria empecilhos mentais para a plena compreensão.11 Mais: quem reconhecia a verdade não seria vencido, mas ensinado. A verdade deveria ser aceita por quem a encontrasse, já que a finalidade da disputa era reconhecê-la (Livro dos provérbios, CCXLVIII, 5, 7, 9, 11, 12, 15 e 17).12

Suas disputas tinham sempre o mesmo objetivo, já que Llull foi um maestro de uma só sinfonia: a conversão de judeus e muçulmanos à fé católica. Para isso, o filósofo partia das premissas comuns às três religiões, as dignidades divinas (na Arte breve, escrita em 1308, nove: Bondade, Grandeza, Eternidade, Poder, Sabedoria, Vontade, Virtude, Verdade e Glória)13, para, a seguir, tentar provar a existência da Santíssima Trindade no mundo, na realidade. Nesse sentido, A Disputa entre Pedro, o clérigo, e Ramon, o fantástico (1311) é uma exceção à regra.14 Ramon disputa com o clérigo Pedro, homem mundano, mas, sobretudo, expõe seu desconsolo, sua decepção com os poderes instituídos, sem deixar de reiterar pontos de sua filosofia, sua Weltanschauung, posições diametralmente opostas à de seu debatedor, como veremos.

De fato, o tema era central na filosofia de Ramon Llull. Já no Livro da Contemplação (c. 1271-1273), há um capítulo dedicado ao tema da disputa.15 E é claro: trata-se àqueles que desejam aprender a melhor maneira de disputar, mostrar e defender a verdade.

Há uma série de sugestões nesse capítulo que hoje chamaríamos de psicológicas. Para o tema que nos interessa nesse breve preâmbulo − a boa-fé e benevolências necessárias para se iniciar um debate filosófico − os primeiros artigos são bem precisos e esclarecedores: antes de iniciar uma disputatio, convém salientar que os debatedores devem ter uma boa intenção, que olhem para a verdade (uma reminiscência ciceroniana)16 e que concordem com o adversário “nas coisas comumente outorgadas e cridas...”17; que ambos se despojem da ira, da felonia e da má-vontade18, que decidam se desejam debater com as autoridades dos santos ou por razões naturais, e que concordem em não seguir o modo de sofismas, nem o de falsidades nem o de dizer palavras vis uns aos outros.19

23. Los hòmens qui no volen atorgar veritat en la disputació e fan sofismes e falsies per tal que fugen e que no donen semblants que sien vençuts ne confuses, aquells, Sènyer, han desordenada entenció, car ells no disputen per demonstrar veritat ni per reebre veritat, ans ho fan per tal que sien vists savis. On, l'entenció d'aquests aitals tota és de vana glòria e de vanitat; on, aquests aitals, si bé no volen atorgar veritat, no hi deu hom fer gran força ni no se'n deu hom ab ells aïrar, car basta que hom lur nafre lur enteniment en ço que ells coneixen que hom diu ver e que ells raonen lo contrari de veritat.

Os homens que não desejam concordar com a verdade na disputa e criam sofismas e falsidades para disfarçar e não transparecer que foram vencidos e desbaratados, estes, Senhor, têm uma intenção desordenada, pois não disputam para demonstrar a verdade nem para aceitá-la, mas para que pareçam sábios. Assim, a intenção deles é de vanglória e de vaidade; quanto a eles, ainda que não desejem concordar com a verdade, não devem ser muito combatidos nem odiados: basta que seu entendimento seja ferido naquilo que entendem ser a verdade, mas que raciocinam o contrário dela.20

II. A Disputa entre Pedro, o clérigo, e Ramon, o fantástico

10. Não queiras disputar com um homem obstinado no erro.
11. Desista de disputar com um homem possuído pela soberba intelectual, porque ele se opõe ao entendimento de teu pensamento.
12. Na disputa, quem reconhece a verdade não é vencido, mas ensinado.
Ramon Llull, Livro dos provérbios (1296), CCXLVIII, “Da disputa”, 10-12.21

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Detalhe da Via veritatis (ou Igreja Militante e Triunfante), afresco de Andrea de Bonaiuto (1343-1377) que mostra a exaltação da Ordem Dominicana (domini-canes, os “cães do senhor”, como eram conhecidos) e sua intensa disputa contra as heresias. Museo di Santa Maria Novella, Cappellone degli Spagnoli, Florença. De nosso interesse especial é a representação dos debates públicos (abaixo): da esquerda para a direita, São Domingos de Gusmão (1170-1221) com um bastão, Pedro de Verona (ou Pedro, o Mártir, c. 1205-1252) que disputa com 12 pessoas (observe a gesticulação de suas mãos, sinal que está ocorrendo um intenso debate), e Santo Tomás de Aquino (1225-1274) que aponta para um livro aberto e assim refuta os hereges (um, no canto direito, rasga uma página de seu livro). No centro da cena, à esquerda, um dominicano, em um trono, com uma túnica azul, dá o sacramento da confissão a um crente. À sua direita, a personificação dos vícios que impedem o acesso ao caminho da Verdade. Da esquerda para a direita, uma Dama toca uma rabeca para o Orgulho (com um falcão em seu braço direito), a Luxúria (com um macaco em seu colo) e a Avareza (de verde, pensativa [“devo ou não gastar?”). Entre a cena dos debates e os vícios, damas dançam alegre e despreocupadamente (detalhe muito semelhante a uma cena da Alegoria do Bom Governo, de Ambrogio Lorenzetti)22; um jovem toca uma gaita de foles, e uma dama (à direita) toca um pandeiro; acima, jovens colhem frutas. O mundo não se preocupa com a busca da Verdade.

Escrita em 1311 quando de sua viagem ao Concílio de Vienne (1311-1312), a Disputa entre Pedro, o clérigo, e Ramon, o fantástico é uma das peças mais famosas do opus luliano. Isso embora só tenha chegado até nós um manuscrito medieval, com notas (comentários) de Nicolau de Cusa (1401-1464)23 − por isso, Michel Sennelart baseou sua edição crítica do texto em um incunábulo parisiense impresso em 1499 pelo humanista, teólogo e filósofo francês Jacques Lefèvre d'Étaples (c. 1455-1536).24 O cenário, portanto, é uma viagem. A Vienne (na região do Ródano-Alpes). Ali ocorreu esse importante Concílio da Igreja que decidiu, entre outras coisas, a supressão da Ordem do Templo.25 Llull dirigia-se ao Concílio para, uma vez mais, solicitar à Igreja que: 1) constituísse um lugar adequado para que homens devotos e intelectuais estudassem idiomas para pregar o Evangelho a todas as criaturas; 2) criasse uma única ordem militar que conseguisse sustentar na Palestina uma guerra incessante contra os sarracenos e assim recuperasse a Terra Santa, e 3) o papa escolhesse homens inteligentes dispostos a enfrentar intelectualmente as opiniões de Averróis (1126-1198), para ele, um detrator da verdade.26

Como Ramon Llull foi um dos escritores mais prolíficos da Idade Média, ele aproveitou a viagem de Paris a Vienne para escrever. E redigiu essa agradabilíssima disputatio. Criou um diálogo imaginário com um elevadíssimo senso de humor, pois ofereceu ao seu leitor a imagem que ele pensava que seus contemporâneos tinham dele. Sua estrutura e conteúdo são muito simples: Prólogo, I) Fantasia, II) As quatro causas, III) A Honra, IV) O Deleite, V) A Ordem.

Antes da disputa, um encontro: Ramon, alter ego do escritor, se encontra com um clérigo. Ambos se dirigem ao Concílio, mas com objetivos bem diferentes: enquanto Ramon pretende apresentar ao papa as petições supracitadas, o clérigo, às gargalhadas, debocha de suas propostas. Ridiculariza-o. Chama-o de louco, “louquíssimo”, superfantástico (phantasticissimum). Em contrapartida, diz que vive materialmente muito bem graças à Igreja e que pretende empregar mais parentes seus na Cúria. Com posturas existenciais tão opostas, um acusa o outro de louco (phantasticum). Ramon então propõe ao clérigo, enquanto viajam, disputar para ver quem é o verdadeiro louco:

– Clerice, credis me phantasticum, ego vero te. Vis ergo inter nos quaestio versetur, quisnam fuerit phantasticus, et uterque pro se, seque tuendo, suas adducat rationes, idque in generali Concilio terminetur?

– Ait clericus: – Consentio.

– Clérigo, vós credes que eu sou um fantástico e eu creio que sois vós. Desejais que entre nós se estabeleça uma disputa (quaestio) para decidir quem é o fantástico, que cada um de nós demonstre suas razões na defesa de seus interesses e que tudo termine quando cheguemos ao Concílio geral?

– Disse o clérigo: – Concordo.27

Assim, os dois determinaram aqueles cinco termos para ordenar a disputa pela palma da loucura. Naturalmente não tratarei de todos os termos, somente do prazer (delectatio) com a contemplação da Beleza, na Idade Média universo conceitual diretamente relacionado ao Bem.28

II.1. O Deleite

Delectatio est habitus, cum quo homo quiescit.

O deleite é o hábito que faz com que o homem repouse.
RAMON LLULL. Llibre de la disputa del clergue Pere i de Ramon, el fantàstic, IV, 86.29

O filósofo maiorquino afirma que há dez sujeitos (decem subiectis) através dos quais se chega ao deleite, ato natural procedente da ordenação divina: os seis sentidos corporais (Llull acrescenta um aos cinco: o “afato” [affatus], a linguagem, sentido pertencente à língua)30, a imaginação, e as três potências da alma racional, o intelecto, a vontade e a memória. Esses sujeitos devem servir ao homem para que este aperfeiçoe seu louvor a Deus, e assim se volte não para as coisas visíveis, mas para as invisíveis.

No entanto, o clérigo enfatiza seu deleite apenas com as coisas materiais:

Ait clericus: – Raimunde, naturaliter quando video pulchrum obiectum, ratione pulchritudinis obiecti moveor ad delectandum, ut quando video pulchram mulierem, pulchrum lectum, pulchram domum, pulchrum ensem auro argentoque ornatum, pulchrum equum, pulchras vestes, pulchram familiam et huiusmodi. Et ideo naturaliter in praedictis obiectis oblector, quia mea potentia visiva et ipsa obiecta me movent ad delectandum.

Disse o clérigo: – Ramon, quando vejo um objeto belo, por causa de sua beleza naturalmente sou movido ao deleite, como quando vejo uma senhora bela, um leito belo, uma casa bela, uma espada bela e ornada de ouro e prata, um cavalo belo, vestidos belos, uma família bela e coisas desse tipo. Por isso, naturalmente me compraz todas essas coisas, pois minha potência visiva e os mesmos objetos me movem ao deleite.

RAMON LLULL. Llibre de la disputa del clergue Pere i de Ramon, el fantàstic, IV, 87.31

Llull diz então estar entristecido com o prazer do clérigo mundano, e afirma que, se ele morrer assim, com esse louco deleite, desviado e perverso (phantastica, obliqua et perversa), sofrerá as eternas penas do Inferno. Sem se importar com isso, Pedro prossegue em seu encantamento: o deleite pelas coisas audíveis (palavras belas, especialmente quando são louvores à sua pessoa), pelos odores agradáveis (flores, bálsamo, perfumes), pelos sabores delicados (coelhos, perdizes, vinhos), pelo tato (alusão ao pecado da carne), pela eloquência (o “afato” luliano), pela imaginação, que pensa os bens que ainda serão adquiridos, pelo entendimento e pela memória.

O filósofo alerta o clérigo que ele deveria passar do prazer material ao superior, espiritual, como o louvor à Deus, já que o homem deve usar todos os bens terrenos a Seu serviço. E sempre sob o crivo da razão. A eloquência, por exemplo, só é meritória quando louva as coisas verdadeiras − aqui Llull compartilha a mesma perspectiva ética de Aristóteles (em sua Retórica).32 Do mesmo modo, o deleite com o entendimento e a vontade deve ser guiado pelo hábito das virtudes. O tópico termina com um divisor de águas: é a riqueza ou a pobreza que determina a felicidade?

Ait clericus: – Magna profundor laetitia, quando recordor me fuisse pauperem et nunc sentio esse divitem, quando recordor me olim non habuisse honorem et habeo nunc plurimum. Insuper valde delector, quando possibilia recolo, quibus adhuc et ditior et honoratior evadere potero.

Ait Raimundus: – Omnibus modis percipio te magnum esse phantasticum. Dico enim omnibus modis, quia per decem praedicta subiecta delectationes praeter tuum ultimum finem, qui Deus est, quaeris. O miser, quare non recordaris quod nihil eras, dum eras pauper, et minus nunc es, licet sis dives. Nam maior peccator quan tunc eras existis. Et si in tali habitu permaneas, quanto maiores divitias et honores acquibis, tanto maior peccator eris, et in aeterno ignis clibano maioribus poenis cruciaberis.

Disse o clérigo: – Sinto profunda alegria quando recordo que fui pobre e agora sou rico, quando recordo que antes não tinha honra e agora a tenho muito. Mas é muito maior meu deleite quando me dou conta das inúmeras possibilidades que ainda tenho de ser ainda mais rico e mais honrado.

Disse Ramon: – De todas as maneiras percebo que sois um grande fantástico. Digo de todas as maneiras porque buscais o deleite através dos dez sujeitos anteriores sem levar em conta vosso fim último, que é Deus. Miserável, porque não recordais que éreis nada enquanto éreis pobre, e agora sois menos ainda, embora sejais rico? Sois agora um pecador maior que antes. E se persevereis neste hábito, adquirindo mais riquezas e honras, maior pecador serás e no eterno abismo do fogo serás torturado com maiores penas.

RAMON LLULL. Llibre de la disputa del clergue Pere i de Ramon, el fantàstic, IV, 105-106.33

Um dos limites do diálogo é a opção (ou não) pela transcendência. Desde Sócrates.34

III. “A retaguarda e o auxílio do exército do Senhor Ramon Llull de Maiorca para destruir a torre da mentira e da ignorância”

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Iluminura VII do Breviculum (1325). Badische Landesbibliothek de Karlsruhe, Alemanha. Codex St. Peter, perg. 92.

Thomas Le Myésier (†1336), cônego de Arras, doutor em Medicina e membro da Sorbonne, foi um dos primeiros admiradores de Ramon Llull em Paris. Com o intuito de facilitar a compreensão da obra do maiorquino no âmbito universitário, Le Myésier preparou uma compilação, chamada Electorium. Sua versão reduzida (1/10), conhecida como Breviculum, tem uma série de doze riquíssimas iluminuras que ilustram a vida do filósofo catalão. Duas delas tratam da disputa, alegoricamente representada como um assédio militar, uma batalha, uma disputatio. A primeira apresenta Aristóteles (384-322 a. C.) à frente de seu exército, em um assalto à Torre da Mentira e da Ignorância (iluminura VI). Lá encontra-se a Verdade aprisionada em um calabouço, triste, deprimida.

A iluminura acima (imagem 4) apresenta Ramon Llull (o comentador de Aristóteles) na retaguarda, com seu próprio exército, que vai em socorro do filósofo grego para a libertação da Verdade. À sua frente estão três cavaleiros com trombetas. São as três potências da alma racional: o Intelecto, a Vontade e a Memória (reminiscência agostiniana da filosofia de Llull, mas, sobretudo, reflexo analógico da imago mundi do pensamento de nosso autor).35 Elas proclamam a existência de um só Deus e Sua Santíssima Trindade. A seguir, o filósofo, montado no cavalo da intenção reta, porta uma lança com um estandarte, com os dizeres: “Estimemos a Deus pela primeira intenção e pela maioridade do fim; contemplemos o mérito pela segunda intenção e pela minoridade do fim”.

No carro de guerra luliano, o exército de sua Arte: os nove princípios absolutos (Bondade, Grandeza, Duração, Poder, Sabedoria, Vontade, Virtude, Verdade e Glória) e os demais (diferença, concordância, contrariedade, princípio, meio, fim, maioridade, igualdade, menoridade).36 Com eles, Ramon pretendia vencer a disputa pela fé cristã e, com a razão, converter o mundo ao catolicismo.

Conclusão

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Cristo e os doutores. Detalhe da iluminura 595 do Saltério da Rainha Maria (c. 1310-1320, British Library MS Royal 2.VII). Trata-se da segunda representação do Saltério deste episódio bíblico. Aos doze anos de idade, o Cristo, no centro da cena, sobre uma estreita coluna, discorre, com os doutores ao seu redor. À esquerda, Maria, com um livro na mão esquerda (representação de sua sabedoria) expressa estupefação a um José representado como um senhor idoso apoiado em uma bengala. Em nichos, seis profetas. É notável a diferença na representação dos doutores judeus (e sua reação) dos maliciosos doutores da pintura de Albrecht Dürer (imagem 1).

Na Idade Média, o limite do diálogo era a crença, a fé (ou, em termos filosóficos, a transcendência). Como homem que viveu na fronteira dos três universos religiosos − o judeu, o católico e o muçulmano − Llull, mais que qualquer outro pensador de seu tempo, vivenciou as dificuldades do convívio entre as chamadas Religiões do Livro. Nicolau de Cusa, quase dois séculos mais tarde, compartilhou algumas das preocupações filosóficas do maiorquino. A Disputa entre Pedro, o clérigo, e Ramon, o fantástico foi um dos livros de cabeceira do cusano. Neste caso, não por suas meditações lógicas a respeito da existência da Santíssima Trindade, tema central da filosofia do catalão, mas certamente pela argumentação racional que deve ancorar todo diálogo.37

No opúsculo luliano, embora tenham iniciado a conversa com razoável acrimônia, os dois personagens conseguiram chegar ao fim do debate, ainda que sem convergir quanto aos conceitos escolhidos para a disputa. O limite era, é e será a transcendência (ou as transcendências).38 Retirem-na do pano de fundo, da finalidade das ações humanas, que nunca chegar-se-á a um acordo razoável.39

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Fontes

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Notas

  • 1. RAMON LLULL. El Libro de los Proverbios (ed. preparada por S. Garcias Palou). Madrid: Miraguano S. A. Ediciones, 2011, p. 350 e 351.
  • 2. “A verdade é certa adequação da inteligência às coisas como elas são. No homem, as verdades (mundo do inteligível) são abstraídas das coisas. As coisas são a fonte da verdade. Mas para que haja a verdade é preciso haver uma potência intelectiva que, extraindo das coisas as suas qualidades, descortinando-lhes as especificidades e separando o essencial do acidental, chegue aos conceitos.”, COSTA, Ricardo da, SILVEIRA, Sidney. “Como Deus é ciente em sua essência divina”: a presciência de Deus no Livro da Contemplação (c. 1271-1273) de Ramon Llull. In: Trans/Form/Ação, v. 38, n. 02.
  • 3. Por exemplo, João de Salisbury (c. 1120-1180), em sua obra Policraticus, refere-se à Filosofia como a profissão de buscar a verdade, e trata assim a relação entre a Verdade e a Filosofia: “A verdade é áspera e frequentemente engendra dissabores quando não se elogia alguém. No entanto, seu amargor é mais útil e grato aos que têm íntegra sua sensibilidade do que o mel da língua da prostituta. Pois melhores são os açoites do amigo do que o enganoso beijo do adulador. E por que? Porque é sempre preferível a lealdade à perfídia (...) A profissão de buscar a verdade é certamente árdua e costuma ser adulterada pela obscura intromissão do erro, ou então pela negligência em seu exercício. Entre tantas coisas desconhecidas, quem é capaz de encontrar acertadamente o que é verdadeiro? (...) O primeiro grau do ato de filosofar consiste em pesar os gêneros e as propriedades das coisas para, prudentemente, reconhecer o que há de verdadeiro em cada uma. O segundo é fielmente seguir a verdade que cada um descubra. Este caminho dos filósofos só está claro aos que deixam o reino da vaidade e se unem aos que foram libertados pela verdade.”, JUAN DE SALISBURY. Policraticus (edición preparada por Miguel Angel Ladero, Matias Garcia, Tomas Zamarriego). Madrid: Editora Nacional, 1984, p. 260 (livro III, cap. 6) e 304 (libro IV, Prólogo).
  • 4. Κρατύλος.
  • 5. PLATÓN. Diálogos. Górgias, Menéxeno. Eutidemo. Menón. Crátilo (trad., introd. y notas por J. C. Ruiz, E. Acosta Méndez, C. J. Oliveri y J. L. Calvo). Madrid: Editorial Gredos, Tomo II, 1983, p. 377.
  • 6. Uma excelente análise totalizante (e já clássica) – especialmente do ponto de vista filosófico-literário – de O Romance da Rosa é a de LEWIS, C. S. Alegoria do Amor. Um Estudo da Tradição Medieval. São Paulo: É Realizações, 2012, p. 121-164. Para o imbricamento (tipicamente medieval) da Literatura com a Filosofia, ver NATÁRIO, Maria Celeste, e EPIFÂNIO, Renato (coord.). Entre Filosofia e Literatura. Ciclo de Conferências. Sintra – Pertual: Zéfiro, 2011.
  • 7. Foi Cícero (106-43 a. C.) quem traduziu o termo grego (Eunoia = boa vontade) que, para Aristóteles (385-322 a. C.) é um dos sentimentos circundantes da amizade (ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco [trad., textos adicionais e notas de Edson Bini]. Bauru, SP: EDIPRO, 2007, IX, 1666b1, 30 ss, p. 274-275), para beneuolentia: “A amizade não é senão uma harmonia entre todas as coisas, tanto divinas quanto humanas, acompanhada da benevolência e do amor (beneuolentia et caritate)”. CICERÓ. Leli (De l'amistat) (introd., text revisat, trad. i notes de Pere Villalba i Varneda). Barcelona: Fundació Bernat Metge, 1999, p. 102-103.
  • 8. SILVEIRA, Sidney. “Breve nota do Editor”. In: Raimundo Lúlio e as Cruzadas. Rio de Janeiro: Sétimo Selo, 2009, p. iv, nota 6.
  • 9. GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis: Editora Vozes, 1998, p. 554-555.
  • 10. Definição de LLINARÈS, Armand. Ramon Llull. Barcelona: Edicions 62, 1987.
  • 11. Para Santo Agostinho (354-430), a Soberba é o desejo de uma falsa grandeza, quando a alma se compraz em si própria e se afasta do imutável bem que deveria agradar-lhe mais do que ela própria. Ver SANTO AGOSTINHO. A Cidade de Deus (trad., prefácio e nota biográfica de J. Dias Pereira). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, Volume II, 1993, p. 1277-1278 (Livro XIV, cap. XIII).
  • 12. RAMON LLULL. El Libro de los Proverbios (ed. preparada por S. Garcias Palou), op. cit., p. 350-351-352.
  • 13. RAMON LLULL. Arte breve (introd. y trad. de Josep E. Rubio), Pamplona, EUNSA, 2004.
  • 14. RAMON LLULL. Llibre de la disputa del clergue Pere i de Ramon, el fantàstic. Llibre de la ciutat del món (introd., trad. i notes a cura de Lola Badia). Turnholt. Santa Coloma de Queralt: Obrador Edèndum, 2008.
  • 15. Volume segundo, Livro terceiro, distinção vinte e nove, capítulo cento e oitenta e sete: “Como se pode perceber e entender qual é a melhor e mais verdadeira maneira para se disputar da fé”. RAMON LLULL. Obres essencials. Barcelona: Editorial Selecta, 1960, vol. II, p. 546-550.
  • 16. CICERÓ. Leli (De l'amistat) (introd., text revisat, trad. i notes de Pere Villalba i Varneda), op. cit., p. 99.
  • 17. RAMON LLULL. Obres essencials, op. cit., 546.
  • 18. RAMON LLULL. Obres essencialsop. cit., 547.
  • 19. RAMON LLULL. Obres essencialsop. cit., 547.
  • 20. RAMON LLULL. Obres essencialsop. cit., 549.
  • 21. RAMON LLULL. El Libro de los Proverbios (ed. preparada por S. Garcias Palou), op. cit., p. 350 e 351.
  • 22. COSTA, Ricardo. “Um espelho de príncipes artístico e profano: a representação das virtudes do Bom Governo e os vícios do Mau Governo nos afrescos de Ambrogio Lorenzetti (c. 1290-1348) - análise iconográfica”. In: Utopía y Praxis Latinoamericana. Revista Internacional de Filosofìa Iberoamericana y Teoría Social. Maracaibo (Venezuela): Universidad del Zulia, vol. 8, n. 23, octubre de 2003, p. 55-71.
  • 23. Ver COLOMER, Eusebi. “Noves dades entorn del 'Lul.lisme' de Nicolau de Cusa”. In: Estudio Lulianos 25 (1981-3).
  • 24. BADIA, Lola. “Introducció”. In: RAMON LLULL. Llibre de la disputa del clergue Pere i de Ramon, el fantàstic. Llibre de la ciutat del món (introd., trad. i notes a cura de Lola Badia), op. cit., p. 45.
  • 25. Para o tema, ver COSTA, Ricardo da. “Ramón Llull y la Orden del Temple”. InABACUS 11. Revista digital de la asociación BAUCAN, filosofía de las armas templarias, 2013.
  • 26. “Jordi Gayà Estelrich enumera diez peticiones que prepara Llull para el Concilio: 1) Fundación de tres colegios de lenguas, en Roma, París y Toledo; 2) Unificación de las órdenes militares; 3) Establecimiento de un diezmo para financiar la conquista de Tierra Santa y de todos los territorios ocupados por los sarracenos; 4) Regulación de las prebendas eclesiásticas; 5) Regulación de los hábitos de sacerdotes y religiosos; 6) Suspensión de cátedra para los filósofos que atacan la Teología; 7) Sanciones extremas contra los usureros; 8) Programación de predicación en mezquitas y sinagogas, los viernes y sábados, respectivamente; 9) Reforma de los estudios de Derecho; 10) Reforma de los estudios de Medicina. Con estas peticiones, Llull advierte sobre la importancia de este momento para la cristiandad. Escribe entonces El Concilio (1311) con este propósito. Es una amonestación, un poema vigoroso y claro, especialmente cuando se dirige al papa, a los prelados y a los príncipes. De hecho, Llull obtuvo un cierto suceso cuando concluyó el Concilio de Vienne. De aquellos tres propósitos de su vida, por lo menos pudo concretar dos. Pero nadie escuchó su tercer pedido (acerca del problema del averroísmo). El primero de sus objetivos, la fundación de escuelas para la enseñanza de lenguas orientales, fue alcanzado. El decreto Inter sollicitudines dispuso que se fundasen estos colegios en la curia papal y en las casas de estudios de París, Oxford, Bolonia y Salamanca. Deberían enseñar el hebreo, árabe y caldeo. Los maestros también deberían traducir obras de estas lenguas al latín. Sus gastos serían subvencionados por la curia romana, el rey de Francia (en el caso de París), y la iglesia de la región, en los restantes. De la segunda petición, descrita en la Vida, que se refiere a que existiese sólo una orden militar-religiosa para sustentar “...en Ultramar una guerra incesante contra los sarracenos a fin de recuperar la Tierra Santa”, su deseo se cumplió parcialmente, pues a pesar de no haberse fundado una nueva orden, los haberes de la Orden del Temple que había sido disuelta antes, fueran transferidos a la Orden de los Hospitalarios –una solución aceptable tanto para Ramón Llull como para el rey de Francia.”, COSTA, Ricardo da. “Ramón Llull y la Orden del Temple”. InABACUS 11. Revista digital de la asociación BAUCAN, filosofía de las armas templarias, 2013.
  • 27. RAMON LLULL. Llibre de la disputa del clergue Pere i de Ramon, el fantàstic. Llibre de la ciutat del món (introd., trad. i notes a cura de Lola Badia), op. cit., p. 112-115.
  • 28. PANOFSKY, Erwin. Idea: A Evolução do Conceito de Belo. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 35-44.
  • 29. RAMON LLULL. Llibre de la disputa del clergue Pere i de Ramon, el fantàstic. Llibre de la ciutat del món (introd., trad. i notes a cura de Lola Badia), op. cit., p. 150-151.
  • 30. Originalmente um termo latino que consta de uma obra de Cícero (106-43 a. C.), De natura Deorum, e correntemente traduzido como inspiração.
  • 31. RAMON LLULL. Llibre de la disputa del clergue Pere i de Ramon, el fantàstic. Llibre de la ciutat del món (introd., trad. i notes a cura de Lola Badia), op. cit., p. 150-151.
  • 32. “A retórica é útil porque a verdade e a justiça são por natureza mais fortes que os seus contrários. De sorte que, se os juízos não se fizerem como convém, a verdade e a justiça serão necessariamente vencidas pelos seus contrários, e isso é digno de censura.” ARISTÓTELES. Retórica (prefácio e introdução de Manuel Alexandre Júnior, tradução e notas de Manuel Alexandre Júnior, Paulo Farmhouse Alberto e Abel do Nascimento Pena). Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa/Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2005, Livro I, 1, 135a, p. 93.
  • 33. RAMON LLULL. Llibre de la disputa del clergue Pere i de Ramon, el fantàstic. Llibre de la ciutat del món (introd., trad. i notes a cura de Lola Badia), op. cit., p. 162-163.
  • 34. “A hora, conferida a Sócrates, de uma tão grande hostilidade, fez subir enormemente de intensidade a luta em torno do seu verdadeiro significado. Prescindindo do problema da solidez destes juízos apaixonados e rebeldes, a luta travada por Nietzsche é, depois de muito tempo, o primeiro indício de que a antiga força atlética de Sócrates permanece intacta e ameaça, mais que nenhuma outra, a segurança interior do super-homem moderno”. JAEGER, Werner. Paidéia. A formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p. 345.
  • 35. PRING-MILL, Robert D. F. “Ramon Llull i les tres potencies de l’ànima”. In: Estudis sobre Ramon Llull. Barcelona: Publicacions de l’Abadia de Montserrat, 1991, p. 211-240.
  • 36. RAMON LLULL. Arte breve (introd. y trad. de Josep E. Rubio), Pamplona, EUNSA, 2004.
  • 37. “Nicolau de Cusa foi um seguidor de Llull? O maiorquino é o autor mais bem representado de sua biblioteca. Dele, o cusano tomou consciência da necessidade de representar um novo método de pensamento para diagnosticar os desastres e solucionar os problemas decorrentes das guerras de religião que a educação de Sorbonne não oferecia”. FLASCH, Kurt. El pensament filosòfic a l'Edat Mitjana: d'Agustí a Maquiavel. Santa Coloma de Queralt: Obrador Edèndum 2006, p. 538. Ver também − e principalmente − RAMON LLULL UND NIKOLAS VON KUES: EINE BEGEGNUNG IM ZEICHEN DER TOLERANZ. Akten des Internationalen Kongresses zu Ramon Llull und Nikolas von Kues (Brixen und Boze, 25-27 November 2004). Brepols: INSTRVMENTA PATRISTICA ET MEDIAEVALIA 46, 2005.
  • 38. Para um aprofundamento do tema, ver COSTA, Ricardo da. “As raízes clássicas da transcendência medieval”. In: MARINHO, Simone. Temas de Filosofia Medieval. Campina Grande: Editora da UEPB, 2013, p. 19-41.
  • 39. Embora já tenha citado essa belíssima passagem do filósofo Sêneca, não posso deixar de citá-la novamente, visto que se adequa perfeitamente ao que quis dizer nessa frase final: “Sem a divindade, ninguém pode ser um homem de bem (...) Se penetrares num bosque cheio de velhas árvores, de altura fora do comum e tais que a densidade dos ramos entrelaçados uns nos outros oculta a vista do céu, a própria grandeza do arvoredo, a solidão do lugar, a visão magnífica dessa sombra tão densa e contínua no meio da planura, tudo te fará sentir a presença divina”. LÚCIO ANEU SÉNECA. Cartas a Lucílio (trad., prefácio e notas de J. A. Segurado e Campos). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, 41, 3, p. 141. Citado em COSTA, Ricardo da. “O ofício do Historiador”. In: International Studies on Law and Education - 5 (janeiro-junho 2010), p.79-84.

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