Dominicanos, os Cães do Senhor

A Ordem dos Pregadores na renovação urbana e intelectual do Ocidente Medieval (séc.XIII)

In: COSTA, Ricardo da. Delírios da Idade Média.
Santo André, SP: Armada, 2023, p. 23-42
(ISBN 978-65-87628-26-4).

Ricardo da COSTA

Resumo: O trabalho apresenta um breve contexto histórico do efervescente século XIII do Ocidente Medieval e a importância da Ordem dos Pregadores na renovação urbana e na consolidação do pensamento cristão nas recém-criadas universidades.

Abstract: This paper presents a brief historical context of the effervescent 13th century of the Medieval West and the importance of the Order of Preachers in urban renewal and in the consolidation of Christian thought in the newly founded universities.

Palavras-chave: Ordem dos Pregadores – Ocidente Medieval – Universidades – Idade Média. 

Keywords: Order of Preachers – Medieval West – Universities – Middle Ages.

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Fra Angelico (1387-1455), A Virgem e a Criança entre São Domingos e Santo Tomás de Aquino (1430). Afresco, 196 x 187 cm, The State Hermitage Museum. À esquerda da Virgem e o Menino, São Domingos (1170-1221), fundador da Ordem dos Pregadores.1 Ele porta um lírio branco em sua mão direita, símbolo da pureza. À direita, Santo Tomás de Aquino (1225-1274), com um livro aberto. Em suas páginas, pode-se ler o texto dos Salmos. Ao contrário dos santos, que têm características individualizadas, a Virgem é idealizada. O Menino Jesus porta a sphaera mundi.2 Além da suavidade das posturas e da delicadeza dos gestos (expressos nas formas das mãos), é Sua imagem que proporciona o sublime lirismo do afresco.

I. Expansão3

A turbulência das últimas invasões havia cessado.4 A partir do séc. XI, a paisagem do continente europeu foi gradativamente enriquecida com novas áreas de plantio (às margens das florestas, nas terras intra e extramuros citadinos). Por todos os lados, os campos receberam aldeias de jovens agricultores.

Seus arroteamentos, iniciados séculos antes pelos monges5, juntamente com a melhora das técnicas de cultivo6, propiciaram uma melhor e mais nutritiva base alimentar (desconhecida da Antiguidade).7 Pântanos foram secados, canais foram abertos, estradas foram construídas.

Com isso, a população da Europa cresceu cerca de 300% entre os séculos XI e XIV e sua expectativa de vida saltou dos 20 anos no séc. II para 35 no início do séc. XIV!8

Fra Buonvicino della Riva (c.1250-1313), gramático lombardo e poeta leigo da Ordem dos Humilhados (1201-1571)9, manifestou uma alegre estupefação com a expansão de sua urbe, Milão:

A população cresce dia-a-dia, e a cidade engrandece-se com novos edifícios (...) A fertilidade do território, a abundância de todos os bens salta aos olhos (...) Nenhum homem saudável, se acaso não é mandrião, deixa de conseguir ganhar a vida com a dignidade que convém à sua posição social (...)

Nos dias festivos, quando se veem os grupos alegres da nobreza e do povo, todos bem vestidos, quando se veem bandos alegres de crianças, correndo de um lado para o outro, as reuniões faustosas, os encantadores grupos de damas e jovens, semelhantes a filhas de rei, que passeiam ou se sentam à soleira de suas portas, quem negaria que isto constitui o mais brilhante espetáculo que se pode contemplar dos dois lados do mar?10

O mundo voltara a desabrochar e as comunidades urbanas quiseram registrar isso nas expressões de sua arte, como já afirmara o cronista Raul Glaber (985-1047) duzentos anos antes, ao perceber que um manto branco cobrira o mundo:

Quase dois anos após o ano mil, as basílicas das igrejas foram renovadas em quase todo o mundo, especialmente na Itália e na Gália, embora a maioria ainda fosse suficientemente bela e não precisasse de reparos. Mas os povos cristãos pareciam competir entre si para aumentar a magnificência das igrejas e torná-las umas melhores que as outras.

Parecia que o mundo inteiro, como em uma espécie de acordo, sacudiu os trapos de sua velhice para revesti-las com um manto branco. De fato, os fiéis não se contentavam em reconstruir quase todas as igrejas episcopais, mas também embelezaram todos os mosteiros dedicados a diferentes santos e até mesmo as capelas.11

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Bíblia de São Luís, Paris (c.1244-1254), The Morgan Library & Museum, MS M.638, folio 14r.

Foi um crescimento comercial e citadino tão surpreendente que os historiadores não hesitaram em definir esse período como uma era de revolução comercial12 – e configurar espacialmente essa sociedade da Idade Média Central como uma Europa das cidades. Essa peculiaridade histórica marcou de modo indelével a identidade do continente europeu e imprimiu uma nova e pujante feição à sua religiosidade.13

II. Mendicantes

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Fra Angelico (1387-1455), O encontro entre São Domingos e São Francisco de Assis (c.1427-1429). Têmpera e folha de ouro em painel, 26 x 26,7 cm. Fine Arts Museums of San Francisco. O respeitoso aperto de mão dos dois santos sela, fisicamente, o compromisso espiritual – evangélico – de pregar a fé: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mt 16, 15).

Bernardus valles,
montes Benedictus amabat,
Oppida Franciscus,
celebres Dominicus urbes.

Amava Bernardo os vales,
Bento as montanhas,
Francisco as cidades fortificadas
e Domingos as cidades populosas.14

São Bernardo de Claraval (1090-1153), São Bento de Núrsia (c.480-547), São Francisco de Assis (c.1181-1226) e São Domingos de Gusmão (1170-1221). Esse conhecido dístico latino elenca-os como os mais insignes representantes da riqueza da espiritualidade católica em sua relação com o mundo.15

Também expressa a inclinação urbana das novas ordens religiosas, conhecidas como mendicantes, nascidas nesses âmbitos citadinos. E, de todas, a dos dominicanos cumpriu maximamente a determinação do Cristo de anunciar a boa-nova, de converter, de salvar. De catequizar.16

Posteriormente, Humberto de Romans (c.1190-1277), quinto mestre-geral da Ordem dos Pregadores, em sua obra Da formação dos pregadores (De eruditione praedicatorum)17 – uma das principais fontes sobre a espiritualidade dominicana – confirmou as bases dominicanas da pregação urbana em três fundamentos: 1) eficácia, 2) necessidade e 3) difusão.18

Mas por que mendicantes?

II.1. “Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu” (Mt 19, 21): mendicantes versus hereges

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Taddeo di Bartolo (c.1362-1422). Milagre de São Domingos – São Domingos ressuscita Napoleone Orsini (c.1403). Têmpera e ouro em painel, 40 x 38,7 cm (n. 1955.11), McNay Art Museum, San Antonio, Texas, EUA. Napoleone Orsini, sobrinho do cardeal Estêvão, caiu de seu cavalo em uma vala e morreu. Foi então colocado aos pés de São Domingos, que orou por ele e o ressuscitou. O Milagre de São Domingos provavelmente fazia parte de uma predela, registro inferior de um retábulo.

Do ponto de vista teológico, a mendicância consiste em viver sem posses, sem bens, única e exclusivamente da Providência divina.19 Ela se materializa nas doações das pessoas comuns.20 Por sua vez, do ponto de vista histórico – isto é, sem levar em conta os impulsos espirituais, os eflúvios da graça, os âmbitos mais recônditos das consciências – foram os renovados ambientes citadinos que arrefeceram a rígida noção tradicional das sociedades estruturadas como ordens sociais.21 Além disso, com as novas consciências urbanas, as efervescentes cidades proporcionaram as condições sociais para a defesa da mendicância face o súbito enriquecimento da sociedade medieval.22

A pobreza e a riqueza eram então consideradas manifestações físicas dos insondáveis desejos de Deus, ordenações sagradas, inquestionáveis.23 No entanto, aglomerações sociais urbanas antes desconhecidas estimularam novas e mais incisivas perguntas às Sagradas Escrituras. Muitos estiveram à procura de uma vida verdadeiramente cristã, mais próxima do exemplo dos apóstolos.24

Além disso, a constatação de que havia um mundo a ser realmente catequizado somou-se às ênfases da interiorização espiritual, das intenções, não apenas dos atos.25 O cristianismo se consolidava assim como uma fé das consciências.26

Nesse contexto intelectual instigante e espiritualmente profundo, as interpretações do que seria o verdadeiro modo de vida cristão e a melhor exegese da Bíblia provocaram, em contrapartida, a agudização dos debates, radicalismos, heterodoxias. Heresias. Mas isso não era novo. Desde seus primórdios, o Cristianismo foi palco de intensas discussões teológicas.

A ortodoxia católica foi gradualmente definida nos concílios ecumênicos, especialmente a partir do de Nicéia (325). Já em sua época, Santo Agostinho (354-430) catalogou oitenta e oito heresias27; Isidoro de Sevilha (560-636), setenta – e ainda definiu o conceito:

Heresia é uma palavra grega cujo significado deriva de “escolha”, porque cada um escolhe o que lhe parece melhor, como os filósofos peripatéticos, acadêmicos, epicúreos e estoicos, ou, como quem, forjando em suas reflexões um dogma errôneo, se separou da Igreja para seguir seus próprios critérios.28

Via de regra, as heresias da Alta Idade Média foram cristológicas (sobre a Natureza de Cristo, dogma central do Cristianismo). A partir do século X, no entanto, surgiram muitas heresias populares.29 Por volta de 1130, a cristandade ocidental começou a se organizar contra elas. São Bernardo de Claraval (1090-1153), talvez a maior personalidade de seu tempo, foi o primeiro a publicamente pregar contra a heresia albigense (ou cátara) do sul da França30, mas com a razão e as palavras, não com as armas e a violência:

Seguindo a alegoria, as vinhas são as igrejas, as raposas as heresias, ou melhor, os hereges. Isto quer dizer com toda a evidência que os hereges devem ser mais aprisionados que alijados, e devem ser surpreendidos não com as armas, mas com argumentos que rechacem seus erros. E se for possível, eles devem ser reconciliados com a Igreja Católica e assim reconduzidos à verdadeira fé (Sermão 64, III, 8).

Desde suas origens, as raposas atacaram a Igreja, mas logo todas foram descobertas e capturadas. O herege combatia abertamente, porque seu máximo desejo era vencer em público, e sucumbia. Aquelas raposas eram facilmente presas. É verdade que uma vez descoberta a verdade, o herege costumava obstinar-se em permanecer nas trevas (...) mas pelo menos todos viam que a raposa havia sido agarrada, a impiedade condenada e expulso o ímpio, cuja ostentação já havia sido vencida, embora sem fruto (...)

Que podemos fazer para caçar estas péssimas raposas que desejam destruir mais que vencer, e não querem deixar que as vejamos a não ser arrastadas? Todos os hereges sempre tiveram a mesma intenção: granjear a glória com a singularidade de sua ciência, mas estas raposas são mais daninhas e astutas que os outros hereges: desprezam sua própria glória e se alimentam com o dano alheio. Em minha opinião, elas estão amestradas pelo exemplo de seus antepassados que, uma vez descobertos já não podiam escapar, porque em um instante eram agarradas. Por isso, procuram perpetrar o mistério da iniquidade com uma nova sedução, e quanto mais camuflados, mais se sentem livres para agir (Sermão 65, I, 1-8) (os grifos são meus).31

Os especialistas dividiram as heresias em duas correntes: 1) as que buscavam uma relação direta entre a palavra evangélica e a vida cotidiana do crente (os valdenses, por exemplo), e 2) as de caráter dualista (os cátaros/albigenses são o exemplo mais conhecido).32

Seja como for, a admoestação de São Bernardo de Claraval foi ouvida por um fiel: São Domingos de Gusmão (1170-1221).

II.2. “Louvar, bendizer, pregar”: São Domingos, Guardião do Senhor

Domingos quer dizer “guardião do Senhor” ou “guardado pelo Senhor”, de acordo com a etimologia do nome, pois Dominicus [Domingos] vem de dominus, “Senhor”.33

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Andrea da Firenze (1343-1415). Detalhe de O Triunfo da Igreja (c.1367). Igreja de Santa Maria Novella, Florença, Itália. Da esquerda para a direita, São Domingos envia uma matilha de cães malhados contra lobos marrons que atacavam um rebanho de ovelhas. A Ordem combate a heresia: ao centro, São Pedro Mártir (1205-1252) e, à direita, Santo Tomás de Aquino (1225-1274) – com um livro aberto – disputam com hereges e pagãos.

Sua história é bem conhecida. Resumamo-la. Nascido em Caleruega (Burgos, Castela) por volta de 1170, Domingos de Gusmão recebeu a melhor e mais refinada educação de seu tempo: Artes e Teologia. Ordenado sacerdote, ingressou como cônego no capítulo da Catedral de Osma (Soria) em 1196. Entre 1201 e 1206, já como subprior de Osma, Domingos acompanhou seu bispo, Diego de Acebes (†1207) em uma missão diplomática ao condado das Marcas (provavelmente o reino da Dinamarca) para o rei de Castela, Afonso VIII (1155-1214).34

Em seu retorno, Diego e Domingos se detiveram no Languedoc e se encontraram com uma legação (missão diplomática) enviada pelo papa Inocêncio III (1160-1216) para pregar junto aos hereges albigenses, presidida pelo legado cisterciense Pierre de Castelnau. Após constatarem a ampla difusão da heresia, retornaram a Castela e depois novamente viajaram para Roma. Provavelmente Inocêncio III quis que Domingos dirigisse seu zelo apostólico para a conversão dos albigenses.

Assim, com alguns poucos religiosos, Domingos decidiu pregar entre os hereges com seu método: pobreza, austeridade e abnegação evangélica. Como missionários, ele e os seus percorreram o Languedoc e realizaram disputas públicas com os albigenses. No entanto, o assassinato de Pierre de Castelnau (14 de janeiro de 1208) precipitou os acontecimentos. Violência. O papa foi então instado a convocar uma cruzada: que os hereges fossem impugnados com a força da espada espiritual!35

Em uma carta aos arcebispos do Languedoc e a todos os grandes senhores do reino da França, Inocêncio foi incisivo:

...Despojai-os de suas terras para que habitantes católicos substituam nelas os hereges eliminados (...) a fé desapareceu, a paz morreu, a peste herética e a cólera guerreira ganharam novo alento. Prometo-vos a remissão de vossos pecados a fim de que, sem demora, ponhais fim a tão grandes perigos. Esforçai-vos em pacificar as populações em nome de Deus, da paz e do amor. Ponhais todo o vosso empenho em destruir a heresia por todos os meios que Deus vos inspirar. Com mais firmeza do que contra os sarracenos, pois eles são mais perigosos, combatei os hereges com a mão dura e o braço firme.36

Com o chamamento do papa teve início a Cruzada Albigense (1209-1244), guerra intestina protagonizada pelo nobre franco-normando Simão de Montfort (c.1175-1218). No entanto, a cruzada não impediu que Domingos continuasse a pregar entre os albigenses:

Durante o tempo que os cruzados estiveram ali até a morte do conde de Montfort, foi frei Domingos o laborioso pregador das palavras de Deus. Quantas injúrias sofreu naqueles dias da parte dos malvados! Quantas ciladas teve que suportar!37

Segundo Jordão da Saxônia (c.1190-1237) – primeiro biógrafo de São Domingos e seu sucessor como mestre-geral da Ordem dos Pregadores – mesmo antes da aprovação do papa Honório III (1150-1227), os futuros dominicanos receberam terras, igrejas e o sexto dos dízimos da diocese de Toulouse (com o qual puderam se prover de tudo o que fosse necessário para seu sustento – e adquirir livros!).38

Com a convocação do IV Concílio de Latrão (1215) – que teve como objetivos reformar a Igreja, corrigir os costumes, extirpar a heresia e confirmar a fé – Domingos foi com o bispo de Toulouse se encontrar com o papa. Dos 70 decretos lateranenses, três diziam respeito diretamente aos seus propósitos: o (instituir os pregadores como auxiliares do bispo na pregação e na administração da penitência); o 11° (que nas catedrais e igrejas houvesse sempre pelo menos um professor para ensinar gratuitamente as ciências sagradas aos clérigos e estudantes pobres), e o 13° (proibição de criarem ordens religiosas: as congregações interessadas deveriam adotar uma regra já existente – Domingos escolheu a de Santo Agostinho). O novo papa, Honório III, tomou os pregadores sob sua proteção: que eles futuramente fossem “...lutadores da fé e verdadeiras luzes do mundo”.39

Com a aprovação da Igreja, a Ordem dos Pregadores rapidamente cresceu. Realizaram dois capítulos gerais, em 1220 e em 1221, ano em que faleceu São Domingos de Gusmão. Já com Jordão da Saxônia como segundo mestre-geral da Ordem, os dominicanos conseguiram as primeiras cátedras na Universidade de Paris.40 Bem-preparados intelectualmente, dedicaram-se à atualização dos estudos e à renovação do ensino da doutrina católica. Por isso rapidamente ganharam a proeminência docente nas recém-criadas universidades41 – causa dos primeiros conflitos acadêmicos que se tem notícia.

III. Nas universidades

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Estudantes da Universidade de Bolonha. Fragmento da tumba de Giovanni da Legnano (†1383), de Pierpaolo dalle Masegne (sécs. XIV-XV) e Jacobello di Bonomo (fl. 1370-90). Museo Civico Medievale, Bolonha, Itália.

Franciscanos e dominicanos ingressaram nas universidades no início do séc. XIII. E na época de sua primeira crise: a greve parisiense de 1229-1231.42 Já em 1217, São Domingos enviara seus frades às duas grandes universidades de então: Bolonha e Paris. Para que recebessem uma boa formação teológica e conseguissem atrair novos membros para sua Ordem.43

No Carnaval de 1229 aconteceu uma briga entre estudantes da universidade e um taverneiro do bairro de Saint-Marcel, distúrbio que se propagou pelas ruas de Paris. Não era a primeira vez. Como os alunos estavam sob a alçada jurídica da Igreja, não dos tribunais laicos, foram apresentadas queixas aos tribunais eclesiásticos (que costumavam ser brandos com os estudantes). Só que dessa vez a regente Branca de Castela (1188-1252) interveio e exigiu reparação.44 A Universidade permitiu que a guarda municipal punisse os estudantes rebeldes. Excederam-se: vários alunos foram mortos. Em consequência, a universidade convocou uma greve e fechou suas portas. Por dois anos!45

Para que o ensino retornasse, o bispo de Paris solicitou a Filipe, o Chanceler (c.1160-1236) –, que permitisse uma cátedra para os dominicanos, conferindo a eles o direito de ensinar na universidade (licentia docendi).46 A porta se abrira. O primeiro pregador a lecionar (como Magister regens) foi Rolando de Cremona (c.1178-1259).47 Quanto à greve, a situação se resolveu somente com a bula Parens scientiarum (1231), que assegurou a autonomia da Universidade de Paris.48

Após Rolando de Cremona, em Paris lecionaram João de Saint-Gilles (†c.1259-1260)49, Alberto Magno (c.1200-1280), Tomás de Aquino (1225-1274). Os dominicanos foram fundamentais para a sistematização dos estudos aristotélicos na universidade. Com seu rigor lógico-teológico, proporcionaram uma sólida coerência interna à cultura cristã50 e marcaram profundamente a história do pensamento ocidental.51

Conclusão

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Margem inferior de uma página da Bíblia de Abbey. Bolonha, Itália (c.1250-1262). Jean Paul Getty Museum, Ms. 107, folio 224r. Têmpera e folha de ouro sobre pergaminho. Dominicanos e franciscanos cantam. Cada grupo está diante de um livro iluminado e apoiado sobre um atril. Os dominicanos são presenteados com a regência do próprio Cristo. Esta Bíblia foi encomenda de um mosteiro dominicano, o que pode explicar o fato de o Cristo estar regendo-os, não aos franciscanos – que, na iluminura, observam, algo melancólicos, a preferência divina.

Em 1261, Humberto de Romans nos ofereceu um panorama de como sua Ordem era socialmente percebida. A força da convicção expressa na passagem é extraordinária:

Nós ensinamos aos povos, ensinamos aos prelados, ensinamos aos sábios e aos ignorantes, aos religiosos e aos leigos, aos clérigos e aos seculares, aos nobres e às gentes do povo, aos grandes e aos pequenos; ensinamos os mandamentos, os conselhos, as coisas difíceis, as verdades certas, os caminhos da perfeição; ensinamos todas as classes de virtudes (...) os grandes nos chamam como conselheiros e nos dão assento junto a eles, os prelados nos convidam a fazer as suas vezes, a Santa Igreja nos favorece e, por todos os lugares, o povo por nós manifesta uma extraordinária devoção.52

Com sua “nova” religiosidade, as ordens mendicantes marcaram o século XIII. Social e intelectualmente. Deram um novo e irresistível vigor à Igreja, com a defesa da ortodoxia com bases fundamentadas na mensagem apostólica e com seu exemplo junto às populações urbanas, ansiosas por uma igreja mais próxima de suas realidades cotidianas.53

Em relação aos dominicanos, a percepção hoje arraigada da Ordem (inclusive em boa parte da historiografia) não corresponde à dos medievais. Mesmo temas correlatos aqui, expostos do contexto do século XIII – a heresia albigense, o aristotelismo universitário defendido pelos dominicanos, por exemplo –, muitas vezes são abordados em retrospectiva e a partir de pressupostos distantes do ambiente cultural de então.54

Sem os Cães do Senhor, a Ordem dos Pregadores e seus principais expoentes, a história do pensamento e seus fundamentos – o raciocínio lógico, os debates com base na razão, na força dos argumentos racionais e no princípio da não contradição – não seriam os mesmos no Ocidente.55 Do mesmo modo a Fé. Esse foi o contexto no qual atuou e dentro do qual deve ser entendido Santo Tomás de Aquino, o mais conhecido e ilustre dos dominicanos.56

 

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Notas

  • 1. Para a importância do tema artístico da Virgem e o Menino na História da Arte, ver ALMEIDA, José António Ferreira de. A Virgem com o Menino na Arte Antiga e Medieval. Porto: Marânus, MCMLIV.
  • 2. “Mas que a Terra era esférica, com exceção de alguns pré-socráticos, já os gregos sabiam (...) No século VII, Isidoro de Sevilha (...) avaliava em 80 mil estádios o comprimento do equador. Quem fala de círculo equatorial admite, evidentemente, que a Terra é esférica. Até um estudante do liceu pode facilmente deduzir que, se Dante entra no funil infernal e, quando sai pelo outro lado, vê estrelas desconhecidas no sopé da montanha do Purgatório, isso significa que ele sabia perfeitamente que a Terra era esférica e escrevia para leitores que também o sabiam.” – ECO, Umberto. “Introdução à Idade Média”. In: ECO, Umberto (org.). Idade Média I. Bárbaros, cristãos e muçulmanos. Alfragide: D. Quixote, 2014, p. 23.
  • 3. Originalmente, o presente trabalho foi apresentado como conferência no dia 25 de janeiro de 2021 no Congresso online de Tomismo.
  • 4. MUSSET, Lucien. Las invasiones: las oleadas germánicas. Barcelona: Editorial Labor, 1968.
  • 5. “Por fim, os monges foram desbravadores das florestas. Civilizaram. Outra revolução silenciosa, pertinaz, agrícola, levada a cabo por esses homens de negro (os historiadores, mais uma vez eles, deram a esse lento movimento de conquista da natureza realizado principalmente pelos mosteiros o nome de arroteamento”. COSTA, Ricardo da. “Cluny, Jerusalém celeste encarnada (sécs. X-XII)”. InRevista Mediaevalia. Textos e Estudos 21 (2002), p. 115-137.
             Para o tema, ver BONNASSIE, Pierre. “Arroteamento”. InDicionário de História Medieval. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1985, p. 33-36, e FOURQUIN, Guy. História Económica do Ocidente Medieval. Lisboa: Edições 70, 1986.
  • 6. GIMPEL, Jean. A Revolução Industrial da Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1975.
  • 7. FLANDRIN, Jean-Luis; MONTANARI, Massimo (dir.). História da alimentação. São Paulo: Estação Liberdade, 1998.
  • 8. “Tal crescimento demográfico jamais havia sido alcançado na Europa desde a revolução neolítica e a invenção da agricultura, e não será mais observada até a Revolução Industrial. Trata-se, claramente, de um fato maior na história ocidental (...) Disso decorre uma alta muito sensível da expectativa de vida média (...) a comparação é significativa: enquanto ela não ultrapassa 20 anos no século II, apogeu da Roma antiga, ela salta para 35 anos por volta de 1300. A ‘tenebrosa’ Idade Média realiza quase o dobro do que as glórias do classicismo: onde está a barbárie e onde está a civilização?” – BASCHET, Jérôme. A civilização feudal. Do ano mil à colonização da América. São Paulo: Globo, 2006, p. 101.
  • 9. WICKSTROM, John B. “The Humiliati: liturgy and identity”. InArchivum Fratres Praedicatorum, 1992: 4, p. 1-32.
                Os humilhados eram uma das inúmeras seitas reformistas da época, semelhantes aos valdenses. Uma parte se uniu a eles; outra seguiu a ortodoxia e formou a Ordem dos Humilhados, que perdurou até o séc. XVI. Ver GARCIA-VILLOSLADA, Ricardo. Historia de la Iglesia Católica II. Madrid: BAC, 2003, p. 720-721.
  • 10. BONVESIN DE LA RIVA. “De magnalibus urbis Mediolani”. In: Bullettino dell’Istituto Storico Italiano, n. 20, Roma, 1898, pp. 61 e seg. Extrato citado em LOPEZ, Robert. O nascimento da Europa, Lisboa, Cosmos, 1965.
  • 11. Igitur infra supradictum millesimum tertio jam fere imminente anno, contigit in universo pene terrarum orbe, praecipue tamen in Italia, et in Galliis, innovari ecclesiarum basilicas, licet pleraeque decenter locatae minime indiguissent. Aemulabatur tamen quaeque gens Christicolarum adversus alteram decentiore frui. Erat enim instar ac si mundus ipse excutiendo semet, rejecta vetustate, passim candidam ecclesiarum vestem indueret. Tunc denique episcopalium sedium ecclesias pene universas, ac caetera quaeque diversorum sanctorum monasteria, seu minora villarum oratoria, in meliora quique permutavere fideles. RODULFUS GLABER. Chronicle, CAPUT IV. De innovatione ecclesiarum in toto orbe, 252. PL 142 0651C.
  • 12. DAVIDE, Diego. “Mercados, feiras e vias de comunicação”. In: ECO, Umberto (org.). Idade Média III. Castelos, mercadores e poetas. Alfragide: D. Quixote, 2014, p. 184.
  • 13. MUSI, Aurelio. “As cidades”. In: ECO, Umberto (org.). Idade Média III. Castelos, mercadores e poetas. Alfragide: D. Quixote, 2014, p. 188.
  • 14. Citado em PALACIOS MARTÍN, Bonifacio. “Los dominicos y las órdenes mendicantes en el siglo XIII”. In: DE LA IGLESIA DUARTE, José Ignacio, GARCÍA TURZA, Francisco Javier, GARCÍA DE CORTÁZAR, José Ángel (coords.). VI Semana de Estudios Medievales, 31 de julio al 4 de agosto de 1995, 1996, p. 30 e MORENO BLANCO, Raimundo. “El Convento de Santo Domingo de Piedrahíta (Ávila): Historia, Arquitectura y Arte”. In: BSAA Arte LXXX (2014), p. 36.
  • 15. Na Poesia, um dístico é composto por linhas métricas sucessivas. Normalmente consiste em duas linhas sucessivas que rimam e têm a mesma métrica. Pode ser formal (fechado) ou contínuo (aberto). Em um dístico formal, cada uma das duas linhas é interrompida no final, o que faz com que haja uma pausa gramatical no final de uma linha do verso. Em um dístico contínuo, o significado da primeira linha continua para a segunda. “Em geral, cada dístico encerra um pensamento completo; quando, no lugar disso, utiliza-se o enjambement, este atende a fins vários, como ao de pôr em relevo determinada idéia ou personagem.” – MOURA, Fernanda. “Para uma tradução em verso do dístico elegíaco: Propércio, I, 14”. In: Cadernos de Tradução, v. 1, n. 19 (2007), p. 58.
  • 16. “E disse-lhes: ‘Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado. E estes sinais seguirão aos que crerem: em meu nome expulsarão os demônios, falarão novas línguas, pegarão nas serpentes e, se beberem alguma coisa mortífera, não lhes fará dano algum, e porão as mãos sobre os enfermos, e os curarão’. Ora, o Senhor, depois de lhes ter falado, foi recebido no Céu e assentou-se à direita de Deus. E eles, tendo partido, pregaram por todas as partes, cooperando com eles o Senhor, e confirmando a palavra com os sinais que se seguiram. Amém” (Mt 16, 15-20).
  • 17. FR. HUMBERTO DE ROMANIS OP. DE ERUDITIONE PRAEDICATORUM (Sobre la formación de los pregadores) (trad.: Fr. Nelson Medina F. O. P.). TRADITIO SPIRITUALIS SACRI ORDINIS PREDICATORUM. www.traditio-op.org.
  • 18. CASILLAS GARCÍA, José Antonio. El Convento de San Pablo de Burgos. Historia y Arte. Salamanca: Editorial San Esteban, 2003, p. 34.
                Humberto de Romans não foi apenas o quinto mestre-geral dos dominicanos e uma das fontes da espiritualidade da Ordem; compilou e instituiu uma série de costumes dos dominicanos de seu tempo e fez uma espécie de diretório para eles. A regra de Santo Agostinho, adotada por São Domingos no início da fundação, era muito genérica e necessitava de adaptações pontuais aos dominicanos que, aos poucos, a prática tinha estabelecido e que, de acordo com o princípio do direito medieval de que o costume é uma fonte da lei (consuetudo fons legum) precisava ser formalmente instituído como regra. É por isso considerado um segundo fundador dos dominicanos. Foi importantíssimo no seu tempo, muito respeitado na corte pontifícia. Chegou a ser considerado como possível papa. E ademais tinha enorme influência na corte do rei São Luís (1214-1270), de quem era amigo (e padrinho de batismo de um dos seus filhos).
  • 19. “Duas coisas cabem à providência: a razão da ordenação dos seres a que ela provê, a um fim; e a execução dessa ordem, a que se chama governo. Quanto à primeira, Deus, que tem no seu intelecto a razão de todos os seres, mesmo dos mínimos, a todos provê imediatamente. E preestabelecendo certas causas a certos efeitos, deu-lhes a virtude de os produzir. Logo, é necessário que nele preexista a razão da ordem desses efeitos. Quanto à segunda, a providência, que governa os inferiores pelos superiores, emprega certos seres médios; não por defeito do seu poder, mas pela abundância da sua bondade, que comunica a dignidade de causa, mesmo às criaturas.” – TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, I, q. 22, a. 3.
  • 20. Como consta da Regra de São Francisco: “Os irmãos de nada se apropriem, nem de casa, nem de lugar, nem de coisa alguma. E, como peregrinos e estrangeiros neste século (1Pd 2, 11), sirvam ao Senhor na pobreza e na humildade. Com confiança recorram à esmola, da qual não devem se envergonhar, porque o Senhor se fez pobre por nós neste mundo (2Cor 8,9). Esta é a excelência da altíssima Pobreza, que vos constituiu, caríssimos irmãos meus, herdeiros e reis do Reino dos Céus, voz fez pobres em coisas e vos sublimou em virtudes (Tg 2, 5). Esta seja a vossa porção, que conduz à terra dos vivos (Sl 141, 6). Aderindo inteiramente a ela, caríssimos irmãos, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo não queirais jamais ter outra coisa debaixo do céu” (Regra Bulada VI, 1-7). In: Fontes Franciscanas (coord. geral: Dorvalino Francisco Fassini). Santo André, São Paulo: Editora O Mensageiro de Santo Antônio, 2004, p. 65. Agradeço a indicação do extrato dessa fonte franciscana à Profa. Deborah Azevedo da Silva.
  • 21. “...a sociedade de ordens baseava-se num princípio de desigualdade, próprio da estrutura do cosmo. Implicava uma hierarquia, que, por sua vez, estruturava-se conforme a doutrina do corpo místico, adaptado à realeza (o rei, a cabeça, e as ordens, os membros). O Estado era pensado como um organismo vivo. Não era a riqueza que conferia o escalão social e a dignidade e sim a posse de uma dignidade, que determinava a seu detentor as fontes de rendimentos, o poder sobre outros homens. Ela era obtida de diversas maneiras (por exemplo, por hereditariedade nobiliárquica ou por um determinado serviço prestado ao rei). Em suma, era uma sociedade de símbolos (trajes ou adornos especiais) e de privilégios.” – COSTA, Ricardo da. “Revoltas camponesas na Idade Média. 1358: a violência da Jacquerie na visão de Jean Froissart”. In: CHEVITARESE, André (org.). O campesinato na História. Rio de Janeiro: Relume Dumará / FAPERJ, 2002, p. 97.
  • 22. LE GOFF, Jacques. O apogeu da cidade medieval. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
  • 23. DI FIORI, Ciro. “Aspirações de renovação religiosa da Igreja e heresias”. In: ECO, Umberto (org.). Idade Média III. Castelos, mercadores e poetas. Alfragide: D. Quixote, 2014, p. 221.
  • 24. VAUCHEZ, André. A Espiritualidade na Idade Média Ocidental (séculos VIII a XIII). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995.
  • 25. Nesse sentido, a filosofia da intenção de Pedro Abelardo (1079-1142), ensinada na nascente Universidade de Paris, ajudou a formar mentes mais críticas sobre a relação da ação com o julgamento moral. Para isso, ver MARENBON, J. “Act, intention and consente”. InThe Philosophy of Peter Abelard. Cambridge University Press, 1997, p. 251-264.
  • 26. As ênfases hermenêuticas se voltavam para as passagens do Novo Testamento em que a consciência cristã é posta em relevo (especialmente nas Cartas aos Coríntios): “...nem em todos há conhecimento; porque alguns até agora comem, com consciência do ídolo, coisas sacrificadas ao ídolo; e a sua consciência, sendo fraca, fica contaminada.” (1Cor 8, 7); “...se alguém te vir a ti, que tens ciência, sentado à mesa no templo dos ídolos, não será a consciência do que é fraco induzida a comer das coisas sacrificadas aos ídolos?” (1Cor, 8, 10); “Ora, pecando assim contra os irmãos, e ferindo a sua fraca consciência, pecais contra Cristo.” (1Cor 8, 12); “...se algum dos infiéis vos convidar, e quiserdes ir, comei de tudo o que se puser diante de vós, sem nada perguntar, por causa da consciência.” (1Cor 10, 27); “...se alguém vos disser: Isto foi sacrificado aos ídolos, não comais, por causa daquele que vos advertiu e por causa da consciência.” (1Cor, 10, 28); “...a consciência, não a tua, mas a do outro. Pois por que há de a minha liberdade ser julgada pela consciência de outrem?” (1Cor 10, 29); “Nossa glória é o testemunho de nossa consciência, de que com simplicidade e sinceridade de Deus, não com sabedoria carnal, mas na graça de Deus, temos vivido no mundo, e de modo particular convosco” (2Cor 1, 12); “...assim nos recomendamos à consciência de todo o homem, na presença de Deus, pela manifestação da verdade.” (2Cor 4, 2); “...sabendo o temor que se deve ao Senhor, persuadimos os homens à fé, mas somos manifestos a Deus; e espero que nas vossas consciências sejamos também manifestos.” (2Cor 5, 11). De fato, um dos fundamentos teológicos dos mendicantes foi a consciência dos atos, tremenda diferença em relação aos séculos alto-medievais.
  • 27. SAN AGUSTÍN. “Las herejías, dedicado a Quodvultdeo” (trad.: P. Teodoro C. Madrid, OAR). In: SAN AGUSTÍN. Augustinus Hipponensis. Obras completas.
  • 28. SAN ISIDORO DE SEVILLA. Etimologías. Madrid: BAC, 1994 (VIII, 3, 1).
  • 29. Uma de suas primeiras manifestações está narrada em um dos textos da década 1110-1120 que relata o processo contra dois hereges da aldeia de Bucy (Bucy-le-Long, cerca de três milhas a leste de Soissons) e revela a permanência de resistências ao fortalecimento do poder sacerdotal: a obra De vita sua, do monge Guiberto de Nogent (c.1053-1125). Ver ZERNER, Monique. “Heresia”. In: LE GOFF, Jacques & SCHMITT, Jean-Claude (coord.). Dicionário Temático do Ocidente Medieval I. Bauru, São Paulo: Edusc; São Paulo, SP: Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 503-521.
                Essa fonte já foi vista como um bom exemplo de como as autoridades civis se anteciparam às eclesiásticas no castigo aos hereges: a repressão sangrenta da heresia iniciou-se no seio do poder secular, não no direito canônico, mas no civil. Ver GARCIA-VILLOSLADA, Ricardo. Historia de la Iglesia Católica II, op. cit., p. 744-746.
  • 30. “O papa afirmou que estes hereges [os cátaros] eram mais perigosos que os sarracenos, e modernos historiadores não vacilam em afirmar que a Igreja correu então um risco não menos grave que o da invasão islâmica no século VIII (...) ensinavam um dualismo de caráter gnóstico. Alimentavam um ódio feroz contra a Igreja católica, ódio que em muitas ocasiões se manifestava no saque de templos, em atentados sacrílegos, assassinato de clérigos e de fiéis. Além disso, eram perigosos para a sociedade por suas doutrinas contrárias ao matrimônio e à propagação da espécie. Nas regiões do Languedoc e da Aquitânia, a maior parte da nobreza lhes era favorável, entre outras razões porque a seita albigense, ao negar à Igreja o direito de possuir bens terrenos, justificava seu despojo. Como esses nobres atuavam como príncipes soberanos de um país, já que naqueles tempos feudais a autoridade e o poder direto do rei eram quase nulos, e como o clero não gozava de muito prestígio por seus costumes mundanos, a heresia encontrava terreno fácil e muita facilidade de propagação.” – GARCIA-VILLOSLADA, Ricardo. Historia de la Iglesia Católica II, op. cit., p. 479-480.
                Os cátaros também condenavam taxativamente toda espécie de juramentos. Como, na Idade Média, toda a ordenação social se baseava no sistema de pactos jurados, desde o relacionamento dos senhores feudais com seus suseranos, até o dos servos em relação aos seus senhores, condenar os pactos jurados significava abalar toda a ordem social. Para isso, ver PERNOUD, Régine. Idade Média. O que não nos ensinaram. São Paulo: Linotipo Digital, 2020, p. 163-184.
  • 31. SAN BERNARDO DE CLARAVAL. Obras completas de SAN BERNARDO DE CLARAVAL V (introd. y trad. por Juan Maria de la Torre). Madrid: BAC, MCMLXXXVII.
  • 32. Para os cátaros/albigenses, ver ALVIRA CABRER, Martín. “Movimientos heréticos y conflitos populares en el pleno medievo”. In: MITRE FERNÁNDEZ, Emilio (coord.). Historia del Cristianismo. II. El mundo medieval. Madrid: Editorial Trota, Universidad de Granada, 2004, p. 406-416.
  • 33. JACOPO DE VARAZZE. Legenda Áurea. Vida de Santos. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 614.
  • 34.
    PALACIOS MARTÍN, Bonifacio. “Los dominicos y las órdenes mendicantes en el siglo XIII”, op. cit., p. 34; LOPERRAÉZ CORVALÁN, Juan. Descripcion histórica del Obispado de Osma, con el catálogo de sus prelados. Tomo I. Madrid, en la Imprenta Real, 1788, p. 190-192.
  • 35. BEATO JORDÁN DA SAXONIA. “Orígenes de la Orden de Predicadores”. In: Santo Domingo de Guzmán visto por sus contemporâneos (esquema biográfico, introducciones, versión y notas de los padres Fray Miguel Gelabert, O. P., Fray José María Milagro, O. P.; introducción general por el padre Fray José María de Garganta, O. P.). Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, MCMXLVII, Cap. XIX, p. 176.
  • 36. Citado em LABAL, Paul. Los Cátaros. Herejía y crisis social. Editorial Crítica, 1988, p. 101.
  • 37. BEATO JORDÁN DA SAXONIA. “Orígenes de la Orden de Predicadores”, op. cit., cap. XX, p. 177.
  • 38. BEATO JORDÁN DA SAXONIA. “Orígenes de la Orden de Predicadores”, op. cit., caps. XXII-XXVI, p. 179-181.
  • 39. Citado em GARCIA-VILLOSLADA, Ricardo. Historia de la Iglesia Católica II, op. cit., p. 668-669.
  • 40. GARCIA-VILLOSLADA, Ricardo. Historia de la Iglesia Católica II, op. cit., p. 671.
  • 41. MASTROMARTINO, Fabrizio. “As ordens religiosas”, op. cit., p. 257.
  • 42. CRESTA, Gerald. “Valor y sentido del conocimiento en las órdenes mendicantes del siglo XIII”. InActa Scientiarum. Education, vol. 32, núm. 2, julio-diciembre, 2010, p. 142.
  • 43. CLARAMUNT, Salvador. “Un grave conflicto en las universidades del siglo XIII: los frailes en los studia”. InAnuario de Esludios Medievales, 29 (1999), p. 211.
  • 44. PERNOUD, Régine. Blanca de Castilla: la gran reina de la Europa medieval. Barcelona: Belacqua, 2002.
  • 45. Para o tema, ver ADELINA FRABOSCHI, Azucena. Crónica de la Universidad de París y de una huelga y sus motivos (1200-1231). Buenos Aires: Instituto de Estudios Grecolatinos, 1991.
  • 46. MCCLUSKEY, Colleen. “Philip the Chancellor”. In: ZALTA, Edward N. (ed.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Summer 2019 Edition).
  • 47. PARMEGGIANI, Riccardo. “Rolando da Cremona”. In: Dizionario Biografico degli Italiani – Volume 88 (2017). Trecani.
  • 48. Bulla “Parens scientiarum”. In: Bibliotheca Augustana.
  • 49. JACQUART, Danielle. “St Giles, John of”. In: Oxford Dictionary of National Biography (Oxford DNB).
  • 50. PALACIOS MARTÍN, Bonifacio. “Los dominicos y las órdenes mendicantes en el siglo XIII”, op. cit., p. 41.
  • 51. PENA GONZÁLEZ, Miguel Anxo. “Dominicos y franciscanos en las universidades medievales”. In: PENA GONZÁLEZ, Miguel Anxo; RODRÍGUEZ-SAN PEDRO BEZARES, Luis Enrique (coords.). La Universidad de Salamanca y el Pontificado en la Edad Media. Universidad Pontificia de Salamanca, 2014, p. 118.
  • 52. Citada em LINAGE CONDE, Antonio. “Las órdenes religiosas de la plenitude al ocaso del medievo”. In: MITRE FERNÁNDEZ, Emilio (coord.). Historia del Cristianismo. II. El mundo medieval. Madrid: Editorial Trota, Universidad de Granada, 2004, p. 493.
  • 53. BOLTON, Brenda. A Reforma na Idade Média. Lisboa: Edições 70, 1986, p. 91.
  • 54. Em relação ao catarismo: “Os dissidentes religiosos do Midi tolosano na Idade Média são considerados geralmente como ‘heróis positivos’, que manifestam de maneira exemplar o espírito de liberdade, de tolerância, de resistência à opressão e de democracia...” – BIGET, Jean-Louis. “Albigenses: observações sobre uma denominação”. In: ZERNER, Monique (org.). Inventar a heresia? Discursos polêmicos e poderes antes da Inquisição. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2009, p. 229.
                Em relação ao aristotelismo: “...houve uma moda de aristotelismo latino medieval e que, por volta de 1260-1270, impregnou quase todo o ensino universitário. Um mestre que também esteve na moda foi Tomás de Aquino, um dos grandes introdutores de Aristóteles no âmbito universitário. Mas depois de 1270 o aristotelismo retrocedeu, tanto pelas condenações de tradicionalistas como Étienne Tempier como, em contrapartida, pelos ataques dos mestres ‘modernos’ que opunham ideias mais místicas e menos racionalistas, como foi o caso dos franciscanos João Duns Escoto (1266-1308) e Guilherme de Ockham (c. 1350), e do dominicano Mestre Eckhart (c. 1260-1328). O intelectualismo de Aristóteles foi considerado a partir de então como um obstáculo à uma ciência que se tornava mais experimental e aberta à livre-discussão.” – LE GOFF, Jacques. ¿Nació Europa en la Edad Media? Barcelona: Crítica, 2003, p. 109.
                A consideração de Jacques Le Goff (1924-2014) a respeito do aristotelismo não explica o aparente paradoxo de como a ciência avançou com a mística medieval (!) e o “abandono” do racionalismo aristotélico; já o juízo de Jean-Louis Biget (1937-) sobre o catarismo é uma consideração política: na Idade Média, inexistia a noção (moderna) de tolerância – muito menos o conceito de democracia (no sentido atual do mesmo)!
                Para o conceito de tolerância, ver COSTA, Ricardo da. “Ramon Llull (1232-1316) foi o filósofo da tolerância na Idade Média? O Livro do Tártaro e o Cristão (1288)”. In: SALATINI, Rafael; DIAS, Laércio Fidélis (orgs.). Reflexões sobre a Paz. Vol. II – Paz e Tolerância Marília, SP: Editora Oficina Universitária; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2018, p. 115-138.
  • 55. “A teologia tem a particularidade de não assentar em premissas universais e evidentes, mas nos artigos da fé recebidos da revelação; o seu rigor científico explica-se pela confutação dos seus negadores; aplicando o que Aristóteles declara no quarto livro de Metafísica (IV, 4; 1006, a2-1006, b12) a propósito do princípio da não-contradição...” – GHISALBERTI, Alessandro. “Tomás de Aquino”. In: ECO, Umberto (org.). Idade Média III. Castelos, mercadores e poetas. Alfragide: D. Quixote, 2014, p. 349.
  • 56. Agradeço sobremaneira as correções e sugestões do Prof. Dr. Armando Alexandre dos Santos.

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