As Sagradas Escrituras orientam, educam e salvam

A educação monástica de Guiberto de Nogent (c.1055-1125)

Carlile Lanzieri JÚNIOR
Ricardo da COSTA

In: Revista Ágora. Vitória, n. 6, 2007, p. 1-­19
(sem as imagens).

Resumo: O artigo analisa aspectos da educação monástica medieval do século XI e as dúvidas levantadas pelos docentes da época quanto ao uso de textos da literatura clássica pagã. Como base para as nossas análises, tomamos o depoimento edificante do abade beneditino Guiberto de Nogent (c.1055-1125) que, em sua juventude, viveu o drama de ser seduzido pela poesia ovidiana, fato que quase o desviou de seu caminho rumo à Sabedoria e do encontro da divina espiritualidade.

Abstract: The article analyses aspects of the medieval monastic education in the XIth century and the doubts raised by the teachers of that time about the use of texts from the pagan classical literature. As base for our analysis, we took the moralizing testimony of benedictine abbot Guibert of Nogent (c.1055­-1125), who in his younghood lived the drama of to be tempted by the Ovidian poetry, something that almost put him out of his way to the wisdom and the meeting of the divine spirituality.

Palavras-chave: Guiberto de Nogent – Monasticismo – História da Educação.

Keywords: Guiberto de Nogent – Monasticism – History of Education.

Quando a malévola Fortuna me favorecia com bens perecíveis, Quase me arrastou para a queda fatal. Mas agora, tendo revelado seu vulto enganoso, Eu imploro, e a morte se nega a vir a mim. Por que proclamastes muitas vezes minha felicidade, amigos? Quem se desvia é porque não estava no caminho certo.
Boécio, A Consolação da Filosofia, Livro I, I.1.

Introdução

A partir do século XI, o mundo monástico, sobretudo em sua vertente beneditina, mergulhou em um período de grande efervescência cultural1 – o termo beneditino é uma construção posterior ao século XII. Entretanto, pode ser perfeitamente aplicado pelos historiadores como uma maneira de designar os monges que procuravam seguir a Regra de São Bento.2 O século ulterior marcou de tal forma o auge da magnificência dos beneditinos que alguns autores chegaram a denominá-lo a época de ouro do monasticismo.3

A organização interna era a prioridade, a vida espiritual e contemplativa, a norma a ser seguida. A formação ética religiosa passou a caminhar lado a lado com o incremento intelectual cotidiano dos reclusos. Era necessário um estudo disciplinado e permanente para se ter conhecimento profundo da Palavra de Deus. O estudo das sete artes liberais recebeu um incentivo jamais visto antes.

Até o século XII, a educação básica formal dos medievais era dividida em Trivium e Quadrivium: o primeiro englobava a Gramática, a Dialética e a Retórica; o segundo era composto pela Aritmética, a Geometria, a Música e a Astronomia. O conjunto de todos esses conhecimentos constituía o que se chamava de as sete artes liberais. A Gramática era a primeira e base para todas as outras, pois requeria do estudante a capacidade de bem escrever e conhecer a correta estruturação gráfica do latim.4 Por sua vez, os mosteiros se transformaram em verdadeiras escolas, fontes de divulgação, transmissão, e preservação do saber.

Nessa época, a educação monástica previa a formação permanente do estudante. Sem abrir mão de aspectos morais e existenciais, a educação primava por alçar os educandos a uma atividade contínua e saborosa na busca pelo conhecimento5, como bem o afirma Isidoro de Sevilha:

Sábio provém de sabor, pois assim como o gosto é apto para discernir o sabor dos alimentos, o sábio está capacitado para apreciar as coisas e suas causas, porque conhece cada uma delas e discerne com o senso da verdada. Seu contrário é o insipiente, porque carece de sabor e não tem critério nem qualquer senso (Etimologías X, 240).6

Os discentes, incentivados pelos seus mestres à reflexão, tinham no encontro da virtude intelectual com a ética cristã seu maior anseio existencial, o que era capaz de restituir a semelhança do homem com a divindade que um dia o criou.7 No seio da Igreja Católica, os monges foram os primeiros a se preocuparem com a educação. Desde cedo, aqueles que entravam para o claustro aprendiam a controlar as inconstâncias do corpo, e eram instruídos na leitura8, preceitos já admoestados na própria Bíblia: “Não deixe de disciplinar o jovem. Se você o corrige com vara, ele não morrerá. Corrija com vara o jovem, e o estará livrando da morte”.9

Os versículos do apóstolo Pedro aqui transcritos deram o tom da educação concebida pelos medievais: punir o jovem hoje pensando em sua educação no amanhã. Embora o uso de castigos e punições corporais fosse uma prática disseminada entre os monges, não devemos tomá­los como seres insensíveis e cruéis com as crianças, pois a perspectiva, como se vê, era outra. Para esses educadores, o controle do corpo era o primeiro passo na formação moral e espiritual de um discente, uma vez que o distanciava dos assuntos momentâneos e fúteis do mundo, e os aproximava dos dons eternos da alma, considerada imortal e superior ao corpo que perecia e morria.10

Quando alcançassem a maturidade, os alunos deveriam ser capazes de decidir e julgar, sempre com a Sabedoria adquirida, quando então estariam aptos a optar pelo que fosse moralmente certo. Aqueles que não demonstrassem as capacidades de discernir e construir opiniões eram considerados bestas, idiotas.11 Acerca da Sabedoria – tema caro aos medievais – por exemplo, São Bernardo de Claraval (1090­-1154) disse ser ela “o amor à virtude”12, “fonte de todo o conhecimento”13, “luz que ilumina os caminhos daqueles que desejam abandonar o mundo”14. Para Bernardo, como para Isidoro de Sevilha, Sabedoria deriva de “sabor”, sua sede é a alma, e pode também ser definida como o sabor do bem.

O abade de Claraval também acreditava que o saber não se limitava a questões técnicas ou materiais. Em seu âmago, o pensamento de Bernardo, como o de todos os pedagogos medievais, trazia o compromisso sincero e contínuo com a busca pela virtude, de Deus em Sua Plenitude, o que tornava aqueles que assumiam essa jornada melhores a cada dia.

Como principal documento que balizava a vida monástica, a Regra de São Bento previa a reserva diária de algumas horas para a leitura e a meditação, uma maneira importante e eficaz de manter os monges com seus pensamentos permanentemente ocupados com boas obras. Da mesma forma, essa atividade cotidiana lhes abria a alma e o coração para a descoberta do caminho para a Sabedoria.

Ao se anteciparem ao surgimento das grandes universidades dos séculos XIII e XIV, os beneditinos deram conta da difícil tarefa de educar. Com o tempo, suas casas se transformaram em verdadeiros jardins da infância15, onde eram recebidas crianças oriundas de todos os segmentos sociais.16 Nesses lugares, elas eram incentivadas ao estudo, à meditação e à permanente reflexão acerca de seus atos, o que as tornava mais civilizadas e menos propensas aos impulsos de violência do mundo viril que as cercava.

Por exemplo, as comunidades monásticas célticas foram as que mais desenvolveram esse novo modelo de educação, pois se opunham às práticas pedagógicas das culturas bárbaras vigentes (que defendiam o endurecimento do coração já na infância para a prática da guerra). Pelo contrário, ao invés de brutalizar o coração das crianças para a guerra e a violência, os monges enfatizavam o amor e a serenidade.17

O compromisso que os monges assumiram na preservação de livros de outras épocas foi mais uma das facetas do pacto cultural celebrado em diversos mosteiros medievais. Através do trabalho diuturno e minucioso de copistas no scriptorium18, parte do saber de outras épocas, inclusive da Antiguidade pagã, foi preservado e chegou até nós. Em mosteiros e abadias mais providos, dezenas de livros eram anualmente copiadas. Um trabalho realizado com muito zelo e qualidade, pois os monásticos sabiam: quanto maior fosse o número de cópias de uma obra, maior a possibilidade de sua preservação.19

Para os monges medievais, os livros eram objetos sagrados, e o trabalho do copista era um ato espiritual.20 Em alguns casos, parte da produção era vendida como providencial auxílio à subsistência da comunidade.21 Mas eles não se limitaram à simples preservação: ao cuidarem dos livros, os monges ajudaram a difundir o gosto pelos estudos e pela leitura. Para que os irmãos pudessem compreender o que Deus falou, precisavam dominar essas habilidades.22 Também foram os monges que ajudaram a desenvolver a caligrafia minúscula e os livros em formato de codex, práticas heranças técnicas que ainda se encontram presentes na atualidade.

Contemporânea desse período, a Reforma Gregoriana23 foi agente fundamental nessa gradativa transformação. Com ela, o clero, em especial os monges, tornou-se mais dinâmico e organizado, o que permitiu a destinação de maiores investimentos para a promoção das atividades do scriptorium. Sem se limitar ao campo político, a Reforma Gregoriana abraçou muitos dos valores intrínsecos ao monasticismo, e alçou aos cargos mais elevados da Igreja Católica homens formados nas cátedras de diversos mosteiros da Europa medieval.

O estudo de autores clássicos era previsto e, em alguns casos, incentivado como via de acesso ao conhecimento profundo do latim, peça importantíssima na formação escolar de um monge digno do hábito que vestia. Textos de autores pagãos como Ovídio (43 a.C.-­16 d.C.) e Terêncio (c.190-­59 a.C.) eram requisitados com constância, e muitos reclusos os conheciam profundamente. Entretanto, esse tipo de atividade dividia opiniões entre os monásticos, em alguns casos, encontrou opositores ferrenhos. Estes acreditavam que esse tipo de leitura subverteria os jovens ainda pouco afeitos aos rigores da vida ascética de um monge.24

As revelações de um estudante pecador

O abade beneditino Guiberto de Nogent (c.1055­-1125) deixou registrado em seu livro de memórias pessoais, Monodies, um interessante testemunho acerca da educação que recebera em seus primeiros anos de monasticismo.25 De tudo que ele escreveu a respeito dessa etapa de sua vida, destacamos neste artigo sua dramática e conflitante experiência com a leitura de textos da literatura clássica latina. Por algum tempo, esse tipo de leitura afetou negativamente nosso personagem, e o desviou de sua busca por Deus. Assim como muitos outros monges daquele período, Guiberto sentiu na pele as dúvidas que eram levantadas em relação aos meios pelos quais o saber era buscado em ambiente monástico.

Em uma vívida e interessantíssima narrativa, marcada, sobretudo, pelo desejo edificante de admoestar e demonstrar seu arrependimento, Guiberto ofereceu suas incertezas e angústias como exemplos de fé, perseverança e obediência.26 São narrados exemplos belos e lúdicos, vindos de um homem que soube se erguer das quedas sofridas e superar os problemas que atormentaram seu corpo e sua consciência. Nessa busca, Guiberto se lançou ao encontro da verdadeira Sabedoria cristã, uma sabedoria que não limitada aos livros e detentora de profundas raízes morais e espirituais.27

Guiberto de Nogent escreveu Monodies em 1115, época em que já era abade do pequeno mosteiro de Nogent-­sous-Coucy. Localizado perto do castelo dos nobres de Coucy e a 20 km de distância da cidade de Soissons, este mosteiro sobreviveu até o final século XVIII, quando foi parcialmente destruído pelos revoltosos da Revolução Francesa. Durante os bombardeios da I Guerra Mundial, na segunda década do século passado, foi reduzido a algumas poucas ruínas.

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Abadia de Nougent-Sous-Coucy. Monasticon Gallicanum, pl. 86.

No tempo de Guiberto, Nogent­-sous-­Coucy ficava situado na região da Picardia, norte do Reino da França medieval (a Picardia correspondia à bacia do Somme, embora apresentasse limites linguísticos mais vastos, pois alargava-se até Mons, Noyon, Beauvais, Lille e Liège: o dialeto picardo foi fundamental, ao lado do frâncico e do normando, na formação da langue d’oil.

Dividida em três livros, as Monodies de Guiberto chamaram a atenção de autores da atualidade pelo caráter absolutamente particular de sua Primeira Parte, na qual o abade narrou eventos desde seu nascimento até se tornar líder de Nogent, em 1104. A partir do momento exato no qual veio ao mundo, Guiberto foi destinado à vida religiosa. Ainda criança, sua mãe o entregou aos cuidados de um mestre (Gramaticus) que cuidou de sua educação inicial. Com velada disciplina, esse professor sempre exigia o máximo de seu aluno, e nem mesmo abriu mão do uso de surras para alcançar seu objetivo, como então se pensava.28

Ao lado desse homem, o futuro abade de Nogent permaneceu dos seis ao doze anos de idade. Por volta de 1067, Guiberto foi aceito como oblato no mosteiro de Saint­-Germer de Fly (fundado no século VII e distante seis milhas a oeste da cidade de Clermont), onde seu antigo mestre o retomou como aluno. Naquele momento, iniciava-se uma nova e longa etapa na vida de nosso personagem.

Recolhido na paz e na solidão de Saint­-Germer de Fly, Guiberto se dedicou aos estudos. Empenhado, nada o deteve em sua empreitada: até mesmo quando seus irmãos dormiam, ele permanecia em seu intenso labor intelectual. Tamanha fora sua dedicação que a inveja maliciosa de alguns de seus companheiros o atingiu: muitos o acusaram de soberba, e diziam que ele era muito jovem para querer demonstrar um conhecimento mais amplo e apurado. As maledicências se transformaram em um fardo pesado e difícil para o jovem Guiberto carregar.

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Saint-Germer de Fly. Diocese de Beauvais. Églises de l'Oise.

Incapaz de suportar as terríveis provações as quais era submetido, Guiberto tomou uma séria e importante decisão: chegara a hora de deixar Saint-­Germer de Fly e encontrar um novo lugar para viver. Sua mãe, que também morava perto daquela casa religiosa, apoiou sua decisão.29 Todavia, ela voltou atrás em sua opinião e alertou seu filho sobre o que poderia acontecer, caso ele prosseguisse naquela intenção. Um sonho providencial interferiu no desdobramento dos acontecimentos.

Objeto de assíduos estudos dos psicanalistas durante o século XX, os sonhos tiveram caráter diverso durante a Idade Média. De forma lenta e gradativa, foram assimilados pelo cristianismo. Por um longo espaço de tempo, foram vistos como coisas do diabo, pois tinham origens pagãs e a capacidade de prever o futuro, algo que pertencia a Deus somente. Entre os séculos IV e VII, iniciou-se a formação de uma onirologia cristã. Antes reticentes, os eclesiásticos começaram a absorver o ato de sonhar e lhe dar a importância devida através da formação de uma elite de sonhadores: primeiro, os reis, depois, os santos. Essas pessoas tinham a capacidade de prever em seus sonhos, e as mensagens contidas neles eram muito respeitadas. Na Alta Idade Média, os monges somaram-se a essa elite privilegiada, pois suas experiências oníricas eram reverenciadas pelo caráter premonitório que detinham.

A cultura e a mentalidade medievais esperaram até o século XII para verem uma verdadeira democratização dos sonhos, que, cada vez mais, eram vistos como algo de Deus e não do diabo. Juntamente a isso, observou-se a formação de uma crescente e rica literatura relativa a eles. A partir dessa época, a todos era permitido sonhar e buscar interpretações para o que viam quando dormiam.30

Em uma marcante experiência onírica, a mãe de Guiberto viu o interior da igreja da abadia de Saint­-Germer de Fly em uma imagem turva e muito diferente do que costumava ser: o local estava completamente abandonado, destruído, em ruínas. Os poucos monges que lá se encontravam tinham a grotesca aparência de anões, inclusive seu filho. Abatida com a desconcertante cena que via, a mãe de Guiberto percebeu que uma mulher jovem e bela adentrava pelo corredor principal do lugar. Era a Mãe de Jesus Cristo em pessoa.

Inde consurgens, cum plurima quase animadversione protenta manu, “Hanc’” inquit, “eclesiam ego institui; qua ratione patiar destitui?” Et ad me subinde serenissimum pietatum signifera dirigens oculum clarissimamque dexteram, “Hunc” ait, “huc adduxi et monachum feci, quem nullo modo patiar hinc abduci”.
 

A senhora ergueu-se, estendeu sua mão protetora, como em um gesto de grande indignação, e disse: “Eu instituí essa igreja, por que razão permitiria que ela fosse abandonada?”. Então, essa portadora de toda a piedade dirigiu seu sereníssimo e claro olhar para mim e disse: “Em relação a esse, eu o trouxe até aqui e o tornei monge. De forma alguma, posso permitir que ele vá embora”.31

As palavras daquela santa mulher imediatamente fizeram eco na mãe de Guiberto. Palavras premonitórias, com forte teor imperativo: aquele monge que lhe fora dedicado desde o nascimento jamais poderia sair dali. Quando escutou isso, ela entendeu seu real significado: seu filho estava proibido de abandonar Saint-­Germer de Fly. Ao saber desse sonho, vivamente impressionado, Guiberto compreendeu que seu intento não lhe traria benefício algum. No fim, ele sentiu grandes remorsos por ter cultivado aquele sentimento, por não ter sido capaz de aguentar os suplícios que dilaceravam seu ser.

Naquele mosteiro, por fim, Guiberto permaneceu por muitas décadas. Provavelmente, o desejo basilar de sua mãe era alertá-lo sobre o risco inerente à quebra do voto de reclusão, embora não devamos desconfiar da sinceridade de seu relato. Em tese, o ideal monástico de estabilidade tornava um monge visceralmente ligado à sua comunidade até o fim de seus dias.32

No âmago de sua narrativa, Guiberto tinha a clara intenção de mostrar aos leitores da época – provavelmente outros monges – quão melhor era permanecer na clausura e ser fiel ao local que primeiro lhes recebera, mesmo que tormentas descomunais se abatessem sobre eles. Acima de qualquer coisa, ao bom monge era necessário ser obediente e negar todas as suas vontades – por exemplo, o segundo dos 12 graus da humildade, segundo São Bernardo em seu Tratado sobre os graus da humildade e da soberba, é não amar a própria vontade (Proprian non amare voluntatem).33

Contudo, essa imposição não proibia as saídas consideradas necessárias: visitas a outras casas monásticas, participação em eventos da Igreja, entre outros, eram permitidos, caso fossem feitos com parcimônia e discrição, uma precaução com um objetivo bem definido: evitar que os monges fossem seduzidos pela viciosidade do mundo. O conceito mundo (ou século) possuiu no medievo um caráter muito específico, sobretudo no meio monástico.34 O mundo era o oposto ao espaço sagrado, silencioso e perfeito de um mosteiro. Era o local onde imperavam todos os tipos de imperfeições, que tornavam o homem mais propenso ao pecado e às tentações demoníacas. Estar fora dele seria o mesmo que estar mais próximo de Deus e da salvação pessoal.

Todos aqueles que entravam para uma abadia e se tornavam monges não deveriam, salvo algumas justificadas e necessárias exceções, frequentar as florestas e as cidades para não se exporem à corrupção que lá existia. Durante seu período como abade, o próprio Guiberto desfrutou desse benefício, pois ia com certa frequência à escola da catedral da cidade de Laon para dialogar com estudantes.35

Esse apego à estabilidade, presente na regra beneditina e no pensamento de Guiberto, também nos faz acreditar que ambos podem ser considerados herdeiros de uma antiga tradição romana que defendia um ideal de conservação absoluta da realidade tal como ela se encontrava: era a virtude da permanência. Quando cada homem permanecia em seu lugar e estava cônscio de seu papel na sociedade, a paz e a boa ordem estavam garantidas.36

Todavia, esse ideal de estabilidade não pode ser interpretado como um apelo da Igreja medieval à manutenção do status quo da sociedade, pois ela mesma foi uma grande incentivadora da mobilidade social, e permitiu que muitas pessoas de origem humilde se tornassem membros proeminentes de sua hierarquia.37

Nos primeiros anos de reclusão, a leitura e a elaboração de poesias atraíram Guiberto. Inexperiente, ele se deixou levar pela vaidade e pelo anseio de saciar suas vontades. Eis que uma nova provação se impôs: a atividade poética que muito lhe agradava começou a desviá-lo dos afazeres monásticos. O que ele deveria fazer para conter a inquietação corporal que sentia? Os anos dedicados à religião e à vida reclusa lhe deram a consciência dos pecados aos quais seu interesse de adolescente lhe conduziu, mas naquele momento a torpeza lhe rondava disfarçada nas palavras doces e encantadoras dos poetas pagãos.

Em tom de lamento e advertência, Guiberto narrou a tragédia que viveu naquele período. Do alto da maturidade que adquiriu nos muitos anos de vida dedicados ao monasticismo, ele sabia: aquele tipo de empenho intelectual não deu bons frutos e o afastou do que Deus preparou para ele.

Interea cum versificandi studio ultra omnem modum meum animum immersissem, ita ut universa divinae paginae seria pro tam ridicula vanitate seponerem, ad hoc ipsum, duce mea levitate, jam veneram, ut ovidiana et bucolicorum dicta prasumerem, et lepores amatorios in specierum distributionibus epistolisque nexilibus affectarem.

Entretanto, afundei minha alma totalmente no estudo de produção de versos. Consequentemente, deixei de lado toda a seriedade da Sagrada Escritura para essa vã e ridícula atividade. Sustentado por minha loucura, cheguei ao ponto no qual competia com os poetas ovidianos e bucólicos, e lutei para alcançar um encanto amoroso em minha maneira de combinar imagens e chegar a letras bem distribuídas.38

A vida deu a Guiberto a capacidade de discernir, de compreender o que era moral e espiritualmente melhor. Entretanto, esse foi um bem que ele adquiriu aos poucos. Quando olhou para seu passado, viu como se perdera e quanto mal foi capaz de se impor ao abrir mão de estudar as Escrituras Sagradas em benefício de textos que não eram cristãos. Sem meias-verdades, o abade classificou aquela ocupação como “vã” e “ridícula”, cujos únicos objetivos eram afastá-lo de Deus e saciar seus escopos vaidosos.

Uma das normas éticas mais importantes na vida de um monge encontrava-se em sua preocupação em ser exemplo. Antes de falar qualquer coisa, o irmão recluso tinha a suma obrigação de ser um bom exemplo para seu próximo, no intuito de exortá-lo a ser uma pessoa virtuosa e temente a Deus.39 Ao oferecer suas memórias mais recônditas a seu público, Guiberto quis ser um modelo de vida no qual outros podiam se espelhar e entender que a procura pelo saber passava por obstáculos, e estes somente eram superados quando a obediência e o amor a Deus fossem as prerrogativas norteadoras de um monge, enfim, quando houvesse a humildade.

Oblita igitur mens debiti rigoris, et professionis monasticae pudore rejecto, talibus virulantae hujus licentiae lenociniis laetabatur, hoc solum trutinans, si poetae cuipiam comportari poterat quod curialiter dicebatur, nullatenus vero pensitans quantopere sacri ordinis, de ea quae desiderabatur industria, propositum ledebatur.

Ao esquecer o adequado rigor do chamado monástico e rejeitar seu pudor, minha mente foi tão arrebatada pelas seduções dessa indulgência contagiosa, que eu respeitava somente uma coisa: aquilo que dizia em termos polidos e que pudessem ser atribuídos a algum poeta. Falhei em não perceber quanto mal minha diligente busca fez à minha intenção de tomar as ordens sacras.40

Ao afirmar que também passou por muitas provações, Guiberto desnudou-se diante de seus leitores, os incentivou a um exame de consciência, e os admoestou de maneira lúdica e indireta para que não fraquejassem diante das incontáveis tentações que os assolavam. Para ele, a vitória final sobre o pecado era obtida somente através de muita fé e determinação, atividades detentoras dos altos valores cristãos, mas que ele um dia não ouviu e impediu que entrassem em seu coração, em sua mente.

Logo no primeiro versículo de seu Prólogo, a Regra de São Bento deixa clara a importância do ato de ouvir na vida de um monge: “Escuta, filho, os preceitos do mestre, e inclina o ouvido do teu coração; recebe de boa vontade e executa eficazmente o conselho de um bom pai”.41 Como é possível perceber, não se trata de um ouvir no sentido literal, mas um ouvir espiritual, atividade realizada com os ouvidos do coração, da alma. Portanto, para Guiberto o ato de escutar tinha sentido muito mais filosófico, e somente era alcançado por aqueles que assim o desejassem.

Vaidade e falta de pudor, estes foram os pecados que primeiro arrebataram a alma do jovem Guiberto. Seu fim maior não era se tornar semelhante a Deus, mas aos poetas que ele tanto gostava de ler. Além da satisfação em receber elogios pela beleza dos poemas que escrevia, nada mais lhe trazia interesse. O rigor e a modéstia, pilares que sustentavam a vida no claustro, também foram solenemente negligenciados por Guiberto.

Nimirum utrobique raptabar, dum non solum verborum dulcium, quae a poetis acceperam, sed et quae profuderam lasciviis irretirer, vero etiam per horum et his similium revolutiones immodica aliquotiens carnis meae titillatione tenerer. Quoniam haec terebat volubilis et totius severitatis infrequens animus, alius profecto poderat, quam quem cogitatio suggesserat, e labiis procedere sonus.

Na realidade, eu estava duplamente acorrentado, pois fui envolvido não somente pelas doces palavras que tomei dos poetas, mas também pelas lascívias que emanavam. Além disso, pela repetição daquelas expressões poéticas, algumas vezes fiquei inclinado às revoluções imódicas de minha carne. Embora meu espírito instável, que se irritava sob qualquer disciplina, meditasse sobre esses assuntos, nenhum som saia de meus lábios, a não ser aqueles que meus pensamentos sugerissem.42

Depois de se entregar a um comportamento reprovável, Guiberto inclinou-se aos prazeres da carne. Os encantos da literatura pagã inflamavam sua libido, e o tornavam mais predisposto às tentações da carne. Através do discurso de Guiberto, é possível perceber quanto perigo esse tipo de afeição representava para um monge, pois contrariava a regra beneditina, que sempre exortava os irmãos a estarem atentos aos clamores do Céu. Sem a menor vontade de acolher os chamados de Deus, Guiberto afundava sua alma no pântano da viciosidade.

A fase inicial da educação da pedagogia praticada na Idade Média passava, como vimos, pelo controle do corpo: antes de qualquer coisa, o discente deveria dominar as inconstâncias corporais. Para os medievais, o corpo era entendido como o instrumento pelo qual o homem pecava: gula, luxúria, violência, eram alguns de seus maiores pecados. E neste caso, devemos lembrar ao leitor que não lidamos com a questão do corpo apenas em seu sentido literal, pois na Idade Média o corpo era entendido por muitos como uma entidade inferior e de duração passageira, algo que estava ligado apenas às frivolidades do século (ideia já expressa em Platão).

A todo bom cristão, o melhor a fazer era ater-se às questões superiores do espírito, que tornavam as pessoas mais sábias, menos propensas ao pecado e, portanto, semelhantes a Deus. Assim, puni-lo pela dor e privações era a melhor forma de purificação, o que fazia o pecador compreender que suas preocupações precisavam recair exclusivamente sobre os temas probos e elevados da alma.43

Perdido nas trevas de sua vaidade, Guiberto desejava imitar os autores que lia, não a Jesus Cristo em seu sofrimento e em sua obediência ao Pai que lhe enviara para salvar a humanidade pecadora. Sem mais demora, a Providência divina atuou na vida de nosso personagem. Um sonho revelador de seu antigo mestre fez Guiberto entender quanto mal ele fazia à sua vida, um mal que corroía as entranhas de seu corpo e seu espírito. Um doloroso sentimento de culpa tomou o íntimo de seu ser.

Et tu nosti tamen, Domine, et ego confitor, quia tunc temporis nec tuo timore, nec meo pudore, nec sacrae hujus visionis honore castigatiora peregerim; et nempe irreverentia, quia interius me habebam, et scriptorum nugantium nequaquam scurrilitatibus temperabam. Latenter quippe cum eadem carmina cuderem, et nemini aut vix omnini meis consimilibus illa prodere auderem, saepius tamen mentito auctore, ipsa quibus poteram recitabam, et laetabar ea a voti mei consortibus collaudari.

Tu sabes, Senhor, e devo confessar, que naquele tempo nem medo de Ti, nem pudor ou qualquer respeito por Tua visão sacra me causava vontade de conter meu comportamento. Claramente, abrigava desrespeito dentro de mim, tanto que me recusei a amenizar o tom de humor apressado dos escritores frívolos. Eu guardava esses poemas em segredo, dificilmente ousava mostrá­los a alguém, exceto a alguns de meus pares de mesma opinião, enquanto ocultava o nome do autor.44

Guiberto tinha consciência de seu erro. Ao afirmar que mantinha seus escritos em segredo, o futuro abade de Nogent revelou o grau de perigo que sua paixão emanava, caso contrário, por que não mostrá-los? Somente aqueles que compartilhavam de suas ideias conheciam suas reais intenções, o que comprova que o gosto pela poesia pagã atingia um grande número de reclusos.

Latenter quippe cum eadem carmina cuderem, et nemini aut vix omnino meis consimilibus illa prodere auderem, saepius tamen mentito auctore, ipsa quibus poteram recitabam, et laetabar ea a voti mei consortibus coaudari. Quae mea fore rebar prorsus inconveniens profiteri, et quod ad fructum ullius auctori suo non proderat laudis, solo restabat fructu, immo turpitudine gaudere peccati. Sed haec, Pater, punisti quando voluisti. Emergentibus enim contra me super tali opera infortuniis, et corporis infirmitate pressisti. Pervenit ergo tunc gladius usque ad animan, dum attigit intelligentiam.

Eu os recitava para qualquer um. Ficava feliz se fossem elogiados por meus companheiros. Seria inadequado admitir que eram de minha autoria. Como não produzia louvor para o autor, a ele era permitido aproveitar o fruto, ou melhor, a infâmia do pecado. Mas Tu, ó Pai, puniu­me quando evolui. Quando o infortúnio se emergiu contra mim por causa de tais trabalhos, Tu apertastes minha alma errante com a cinta da adversidade e a oprimiu com enfermidade corporal. O gládio alcançou minha vida45 e minha inteligência foi atingida com absoluto terror.46

Sem se dar conta em um primeiro momento de sua vã atividade, Guiberto se deliciava ao receber elogios. Perdido nas trevas de sua existência pecaminosa, ele sabia que apenas Deus, em Sua justa e magnânima Grandeza, seria capaz de redirecionar seus passos. A confissão de Guiberto torna claro o desígnio monástico de não se ater a assuntos momentâneos e frívolos, que trariam somente uma satisfação efêmera. Ao pensar dessa maneira, Guiberto confirmou o sentido moral da educação que recebeu, um sentido que ele não entendeu de imediato, mas que asseverou ser necessário a quem fosse iniciado no monasticismo. Para Guiberto, não havia divisão entre saber e moral, e as atividades intelectuais tinham obrigação de zelar pela boa formação integral de um monge.

Contemporâneo a Guiberto, Hugo de São Vítor (c.1096-­1141)47 afirmou: “Para o filósofo cristão a leitura deve ser uma exortação, não uma ocupação, e deve nutrir os bons desejos não matá-los”48. Aos olhos desse autor, a prática cotidiana da leitura era o meio pelo qual o estudante refletia e se tornava melhor, não uma atividade de fins meramente técnicos ou que conduzissem a uma arrogante individualidade. Diferente de São Vítor, Guiberto fez da leitura e da poesia um louvor à sua vaidade.

Entretanto, no momento em que a narrativa de Guiberto parece encontrar um desfecho infeliz, eis que uma nova revelação onírica alterou o rumo dos acontecimentos.

Inde accidit, ut, effervescente interiori rabie, ad obscaenula quaedam verba devolverer, et aliquas literulas minus pensi ac moderati habentes, immo totius honestatis nescias dictitarem. Quae cum ad magistri praedicti notitiam pervenissent et ipse aegerrime ferret, in illius exacerbatione fastidii eum contigit obdormisse. Quo soporato, talis ei se ingessit visio: senior caniciei pulcherrimae, [...] apparuit, severissimeque intulit: “Volo’” inquit, “ut de literis quae factae sunt mihi rationem reddas; verum manus quae literas ipsas scripsit non est sua quae script”.

Minha desordem anterior chegou a tal ponto, que comecei a usar algumas desprezíveis palavras obscenas e a compor pequenos poemas completamente desprovidos de qualquer senso de valor ou medida. Na verdade, de toda a decência. Quando meu tutor, que anteriormente mencionei, tomou conhecimento disso, ficou muito preocupado. Enquanto ainda estava em um estado de exasperação e desgosto, ele começou a dormir, e a seguinte visão lhe veio: um velho de cabelos brancos [...] apareceu e lhe falou severamente: “Quero que tu apresentes um relatório desses poemas que foram compostos. A mão que os escreveu não é a do homem que desenhou essas cartas.”49

Guiberto foi censurado por seu mestre, que o alertou sobre o perigo que o rondava. Sem se dar conta, Guiberto, simultaneamente, servia a Deus e a Mamom.50 Aos poucos, ele se aproximou perigosamente do segundo, e, paulatinamente, fez dele seu único e verdadeiro deus. Ao cometer tal ofensa, Guiberto desrespeitou um dos mandamentos da lei divina: amar a Deus sobre todas as coisas. Mas a justiça divina não mais tardou: depois de ser advertido por seu mestre, nosso personagem caiu enfermo. Seu corpo revelava o real estado de sua alma doente.51

Cum itaque poena peccati intellectum dedisset audutui, tunc demum inutilis studii marcente socordia, cum tamen otii impatiens essem, quasi ex necessitate rejectis imaginationibus, spiritualitate recepta, ad exercitia commodiora perveni. Coepi igitur jam sero ad id, quod saepe a plurimis mihi bonis doctoribus.

Quando a pena do pecado me trouxe à consciência, a totalidade de meus estudos inúteis definhou. Como encontrava impaciência em ficar sem fazer nada, rejeitei minhas vãs imaginações e dei atenção para as coisas espirituais. Novamente, comecei a estudar exercícios mais apropriados. Embora tivesse perdido tempo, comecei ansiar por aquilo que me foi ensinado por bons doutores.52

Escritas há mais de oito séculos, as palavras de Guiberto nos abrem uma pequena janela no tempo e nos permitem vislumbrar, através de seus olhos, traços do cotidiano da vida dos monges dos séculos XI e XII. Preocupados em obrar para Deus, muitas vezes eles se perdiam em suas fraquezas humanas, o que lhes induzia a fortes crises de consciência. O melhor remédio que poderiam encontrar era a oração e o arrependimento.

Provavelmente, a história que Guiberto nos conta foi muito comum na vida desses atletas da oração, por muito tempo considerados entre os cristãos medievais como verdadeiros anjos na Terra53, cujos clamores eram os que melhor chegavam aos ouvidos de Deus: rezavam para a salvação de todas as almas – cura animarum. Entre o universo sagrado e a degradação do mundo material, lá estavam os monges entoando seus cânticos e orações. Por serem habitados por seres celestiais, os mosteiros eram considerados ilhas de paz em um mundo belicoso e hostil, o espaço perfeito no qual todos gostariam de um dia viver.54

A frequência desse drama na vida de outros monges pode ser comprovada pela preocupação do próprio Guiberto em mostrar o que aconteceu com ele, um drama ao qual qualquer jovem recluso inexperiente estava sujeito, mas que poderia ser superado com disciplina e reconhecimento do pecado cometido. Guiberto encontrou a cura para suas lascívias sem perder sua ânsia pelo conhecimento. Porém, ele buscou novos autores, mais apropriados àquela fase de sua evolução espiritual. Andar pelo mundo monástico guiados pelo abade Guiberto de Nogent é perceber um universo marcado pela onipresença de Deus, nem mesmo a educação de seu rebanho escapava de suas mãos.

Sobre esses escritos juvenis de Guiberto de Nogent, não se sabe mais nada além do que o próprio autor nos disse. Perguntamos: teria ele destruído esses poemas como uma maneira de apagar as lembranças de atos tão reprováveis? Como nenhum dos escritos de Guiberto dessa época sobreviveu55, somos impedidos de verificar a qualidade que possuíam. Porém, é possível conjeturar que Guiberto em pessoa tenha desaparecido com eles para não serem lidos por outros irmãos, cujas almas poderiam ser corrompidas assim como fora a sua.

Hipóteses a parte, o fato é que Guiberto mostrou em muitos capítulos de suas Monodies sua essência humana totalmente desnuda. Simples e prático em seus objetivos, ele se apresentou como um pecador confesso, mas que não se entregou e que soube aprender com suas numerosas quedas. Enfim, Guiberto era um pecador que muito viveu e decidiu que chegara a hora de ensinar um pouco de sua longa experiência a quem desejasse ouvir ou ler suas histórias.

A Prudência era um valor muito importante entre os monges medievais no trato com aqueles em processo de formação: as medidas corretivas eram aplicadas de acordo com a idade dos educandos.56 A esse respeito, recordamos a Regra de São Bento:

Seja vedada no mosteiro toda ocasião de presunção, e determinamos que ninguém seja lícito excomungar ou bater em qualquer dos seus irmãos, a não aquele a quem foi dado o poder pelo Abade. Que os transgressores sejam repreendidos diante de todos para que os demais tenham medo.57

A diligência da disciplina e guarda das crianças até quinze anos de idade caiba a todos, mas, também isso, com toda medida e inteligência. Quem de qualquer modo o presume, sem ordem do abade, contra os que já são mais velhos, ou bater sem discrição mesmo nas crianças, seja submetido à disciplina regular, porque está escrito: Não faças a outrem o que não queres que te façam.58

Ainda muito jovem, Guiberto foi alertado sobre os erros que cometia. Ao conversar e seguir os exemplos de pessoas mais experientes, ele conseguiu abrir seus olhos e enxergar o tamanho das desgraças que atraiu para si. Ao finalmente escutar as advertências que lhe eram feitas, Guiberto descobriu o exato sentido da palavra obediência. Humilde, ele assumiu sua culpa. Chegara a hora de mudar.

Como um verdadeiro soldado de Deus, Guiberto se reergueu. Decidido, ele tomou os estudos das Escrituras Sagradas como as armas que empunharia em sua luta contra o mal. Ao assumir a visão belicista que marcara profundamente o pensamento cristão medieval, que acreditava que as forças demoníacas estavam em constante peleja contra as forças do bem59, Guiberto sabia que seu estado anterior não lhe traria benesse alguma.

Como bom pai, Guiberto ansiava por dizer a seus filhos que os entendia. Em sua narrativa, ele afirmou que também passou por problemas existenciais, mas que fora capaz de superá­los graças à força da Palavra de Deus, o maior de todos os conhecimentos à disposição dos homens. Humilde, ele se confessou e deixou a vista de todos sua condição de pecador, mas de um pecador que não se entregou e que buscou se corrigir. O importante era perseverar, e ser capaz de se transformar a partir das boas lições recebidas.

Isso se explica porque o sentido de educação entre os medievais tinha a nítida intenção de trabalhar o homem tendo como base as reflexões acerca de sua vivência, o que incutia em seu pensamento questões sobre ética e moral, algo que se perdeu no mundo atual, afeito e entender o conhecimento como uma entidade isolada da existência60

Por fim, em meados do século XII, as escolas monásticas, responsáveis pela disseminação da educação no mundo medieval, gradativamente foram perdendo espaço. O monasticismo como grande incentivador da preservação do conhecimento e da cultura ruiu progressivamente. Embora não tenha conseguido mais recuperar a posição que outrora tivera, o monasticismo herdou aos tempos vindouros o livro, exatamente no formato que se manteve inalterado até nossos dias, o codex.61

Ademais, também incentivou a cópia de obras de pensadores do mundo antigo, e desenvolveu a escrita da caligrafia minúscula (carolíngia) e a leitura em silêncio, hábitos ainda mantidos atualmente. Tantas vezes descrita como a Idade das Trevas, tempo de atraso e do encastelamento do conhecimento entre os muros sombrios do clero, a Idade Média deixou um rico legado para a história da humanidade, um tesouro que merece ser reencontrado a cada dia.

Se a Idade Média testemunhou o surgimento do livro no formato que permanece ainda hoje praticamente inalterado, a maneira pela qual os autores elaboravam seus textos era diferente da nossa. Lúdicos e indiretos, não se preocupavam em transmitir sua mensagem com rapidez e objetividade, pois a visão de educação que prevalecia entre eles pautava-se na admoestação, no convite ao raciocínio e à construção de um julgamento a respeito das questões tratadas.

Guiberto de Nogent não fugiu dessa tradição. Instigador ele convidou os leitores de seu tempo a fazerem um exame de consciência, e os indagou acerca de seus pecados no sentido de fazê-los entender que a busca pelo saber virtuoso era a coisa mais importante de suas vidas. Como monge ciente de sua condição, Guiberto desejava salvar sua alma e a de seus irmãos pelos bons exemplos que era capaz de transmitir.

Conclusão

Um dos preceitos éticos mais importantes na vida de um monge medieval encontrava-se em sua preocupação em ser exemplo. Antes de proferir qualquer palavra, o irmão recluso deveria ser exemplar para seu próximo, sempre pronto a ensiná-lo a ser uma pessoa virtuosa e temente a Deus. Com sua obra, Guiberto de Nogent quis ser exemplo, um modelo no qual outros poderiam se espelhar e entender que a busca pelo saber passava por obstáculos, e estes somente eram superados quando a humildade, a obediência e o amor a Deus fossem as prerrogativas norteadoras de um monge digno de sua condição.

Ao oferecer suas memórias mais recônditas ao público leitor de seu tempo, Guiberto seguiu a exortação que Jesus fizera a Simão Pedro62 e também se tornou um pescador de homens. Sua experiência de vida foi a rede que lançou, seu pescado, eram seus irmãos no claustro e quem mais desejasse segui-lo. Assim, Guiberto seguiu à risca o trinômio educativo medieval conhecimento/fé/sabedoria. Sem eles, de que valeria o saber?

 

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Fontes

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Notas

  • 1. M. COLOMBÁS, García. La tradición benedictina: ensayo histórico (los siglos VIII­XI). Zamora: Monte Casino, tomo tercero, 1991, p. 495.
  • 2. Escrita entre 535 e 545 por São Bento de Núrsia, essa regra foi dividida em um Prólogo e 73 capítulos, e versa sobre a organização administrativa de um mosteiro e a ordenação espiritual cotidiana de seus reclusos. Nos séculos seguintes, foi reinterpretada de acordo com as necessidades dos locais onde foi aplicada. Ver A Regra de São Bento (edição bilíngüe: latim / português). Juiz de Fora: Mosteiro da Santa Cruz, 1999. Para uma análise mais profunda dos capítulos que compõem a regra e de sua história, ver M. COLOMBÁS, García. La tradición benedictina: ensayo histórico (los siglos VI y VII). Zamora: Monte Casino, tomo segundo, 1990, p. 23-170 e VAUCHEZ, André. “S. Bento e a revolução dos mosteiros”. In: BERLIOZ, Jacques (apres.). Monges e religiosos na Idade Média. Lisboa: Terramar, 1994, p. 15-­30.
  • 3. M. COLOMBÁS, García. La tradición benedictina: ensayo histórico (el siglo XII). Zamora: Monte Casino, vol. 4, tomo 1, 1993, p. 11.
  • 4. Sobre os estudos das sete artes liberais na Idade Média, ver, entre outros, COSTA, Ricardo da. “Las definiciones de las siete artes liberales y mecánicas en la obra de Ramón Llull”. In: Anales del Seminario de Historia de la Filosofía. Madrid: Universidad Complutense de Madrid (UCM), vol. 23 (2006), p. 131-164, e MONGELLI, Lênia Márcia (coord.). Trivium & quadrivium: as artes liberais na Idade Média. São Paulo: Íbis, 1999. Com relação à educação no mudo medieval, ver MONROE, Paul. História da educação. São Paulo: Nacional, 1978, p. 94-145 e NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da Educação na Idade Média. São Paulo: Edusp, 1979.
  • 5. LAUAND, Luiz Jean (org.). Cultura e educação na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 301.
  • 6. SAN ISIDORO DE SEVILLA. Etimologías I. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos (BAC), MM, p. 847.
  • 7. COSTA, Ricardo da. “Las definiciones de las siete artes liberales y mecánicas en la obra de Ramón Llull”. In: Anales del Seminario de Historia de la Filosofía. Madrid: Universidad Complutense de Madrid (UCM), vol. 23 (2006), p. 131-164.
  • 8. NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da Educação na Idade Média. São Paulo: Edusp, 1979, p. 11.
  • 9. Pr 23, 13­-14.
  • 10. SCHMITT, Jean­-Claude. “Corpo e alma”. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário Temático do Ocidente Medieval. São Paulo: Edusc / Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, vol. 1, 2002, p. 255-­256.
  • 11. COSTA, Ricardo da. “A Educação na Idade Média. A busca da Sabedoria como caminho para a Felicidade: al-Farabi (c.870-950) e Ramon Llull (1232-1316)”. In: Dimensões - Revista de História da UFES 15. Dossiê História, Educação e Cidadania. Vitória: EDUFES, 2003, p. 99-115.
  • 12. SAN BERNARDO DE CLARAVAL. “Sobre el Cantar de los Cantares. Sermón 85, 8”. In: Obras completas de San Bernardo V. Madrid: BAC, MCMLXXXVII, p. 1053.
  • 13. SAN BERNARDO DE CLARAVAL. “Sermón 16, 7” Obras completas de San Bernardo VI. Madrid: BAC, MCMLXXXVIII, p. 151.
  • 14. SAN BERNARDO DE CLARAVAL. “En la Epifanía del Señor, Serm. 4, 7”. In: Obras completas de San Bernardo III. Madrid: BAC, MCMLXXXV, p. 311.
  • 15. COSTA, Ricardo da. “A educação infantil na Idade Média”. In: LAUAND, Luiz Jean (coord.). Revista Videtur 17. Porto: Editora Mandruvá, 2002, p. 13­-20.
  • 16. NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da Educação na Idade Média. São Paulo: Edusp, 1979, p. 113.
  • 17. COSTA, Ricardo da. “A educação infantil na Idade Média”. In: LAUAND, Luiz Jean (coord.). Revista Videtur 17. Porto: Editora Mandruvá, 2002, p. 17.
  • 18. “[...] el término scriptorium evoca todo el conjunto de monjes que se ocupaban de multiplicar los libros: el jefe del taller, los copistas, los correctores, los miniaturistas, los encuadernadores. El trabajo más duro era el de los copistas. Se pasaban horas y más horas encorvados sobre el pergamino, moviendo incansablemente, trabajosamente la pluma con los dedos a menudo entumecidos por el frío, poniendo toda la atención en lo que hacían para no cometer ninguna falta, esmerándose en la caligrafía.” – M. COLOMBÁS, García. La tradición benedictina: ensayo histórico (los siglos VIII-­XI). Zamora: Monte Casino, tomo tercero, 1991, p. 436.
  • 19. JOHNSON, Paul. História do cristianismo. Rio de Janeiro: Imago, 2001, p. 187-188.
  • 20. LITTLE, Lester K. “Monges e religiosos”. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário Temático do Ocidente Medieval II. São Paulo: Edusc / Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, vol. 2, p. 234.
  • 21. NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da Educação na Idade Média. São Paulo: Edusp, 1979, p. 113.
  • 22. M. COLOMBÁS, García. La tradición benedictina: ensayo histórico (los siglos VIII-­XI). Zamora: Monte Casino, tomo tercero, 1991, p. 603.
  • 23. Na segunda metade do XI, o sentido de pureza e liberdade propagado no meio monástico ganhou as altas instâncias da Igreja Católica. Iniciava-se o movimento que a historiografia denominou “Reforma Gregoriana”. Comumente, atribui-se seu desencadeamento ao papa Gregório VII (1073­1085), ex-monge cluniacense. Todavia, o curso da Reforma não se restringiu ao pontificado de Gregório, já que adentrou os decênios posteriores. Sua principal proposta: estabelecer a superioridade do poder eclesiástico sobre o secular, e livrá-lo da submissão ao regime feudal leigo. Além do campo político, essa reforma da Igreja almejava a proibição da compra de cargos eclesiásticos (simonia), o controle da vida sexual de seus membros (nicolaísmo), e a demarcação de uma fronteira entre laicos e eclesiásticos. Ao contrário do que alguns autores costumam pensar, a Igreja no período medieval nunca conseguiu, de fato, impor a seus fiéis – ou à sociedade – a hegemonia de suas ideias.
  • 24. M. COLOMBÁS, García. La tradición benedictina: ensayo histórico (los siglos VIII-­XI). Zamora: Monte Casino, tomo tercero, 1991, p. 499.
  • 25. Edições críticas: 1. ARCHAMBAULT, Paul J. A monk’s confession: the memoirs of Guibert of Nogent. Pennsylvania State University Press, 1996; 2. BENTON, John F. Self and Society in Medieval France. Toronto: University of Toronto Press, 1984; 3. LABANDE, Edmond­-René. Guibert de Nogent: autobiographie. Paris: Les Belles Lettres, 1981. As citações em português apresentadas no corpo deste artigo foram traduzidas a partir das edições de Archambault e Labande. O texto latino original das respectivas citações apresentado em notas de rodapé foi retirado da edição de Labande.
  • 26. Para os monges medievais, o principal exemplo de obediência era Jesus Cristo, que se entregou aos suplícios impostos por seus algozes e à morte na cruz sem questionar os desígnios de seu Pai.
  • 27. MULDER­BAKKER, Anneke B. Lives of the anchoresses: the rise of the urban recluse in Medieval Europe. Philadelphia: University of Pennsylvania, 2005, p. 31-32.
  • 28. LANZIERI JÚNIOR, Carlile. “Formação, obediência e humanismo: considerações sobre a educação infantil medieval nas Monodies do abade Guiberto de Nogent (séc. XII)”. In: COSTA, Ricardo da (coord.). Mirabilia 6 (2006) – Revista Eletrônica de História Antiga e Medieval. Journal of Ancient and Medieval History. A Educação e a cultura laica na Idade Média – La educación y la cultura laica en la Edad Media – The educacion and secular culture in the Middle Ages, p. 34-49.
  • 29. LANZIERI JÚNIOR, Carlile. “Uma mulher sem nome: Guiberto de Nogent e o modelo de perfeição feminina no medievo (século XII)”. In: XXIII Simpósio Nacional de História. Londrina: ANPUH, 2005, CD­ROM.
  • 30. Sobre a história dos sonhos na Idade Média, ver LE GOFF, Jacques. O imaginário medieval. Lisboa: Estampa, 1994, p. 283-­348 e LE GOFF, Jacques. “Sonhos”. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário Temático do Ocidente Medieval II. São Paulo: Edusc / Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002, p. 511-529.
  • 31. LABANDE, Edmond­-René. Guibert de Nogent: autobiographie. Paris: Les Belles Lettres, 1981, p. 128 e 130.
  • 32. LITTLE, Lester K. “Monges e religiosos”. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário Temático do Ocidente Medieval II. São Paulo: Edusc / Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, vol. 2, p. 237.
  • 33. SAN BERNARDO DE CLARAVAL. “Tratado sobre los grados de humildad y soberbia”. In: Obras completas de San Bernardo I. Madrid: BAC, MCMXCIII, p. 169.
  • 34. PAUL, Jacques. La iglesia y la cultura en Occidente – siglos IX­XII: el despertar evangélico y las mentalidades religiosas. Barcelona: Nueva Clio, vol. 2, 1988, p. 581.
  • 35. RUBENTEIN, Jay. Guibert of Nogent: portrait of a medieval mind. New York: Routledge, 2002, p. 112.
  • 36. “Esta virtude romana é feita de vontade, de severidade (a gravitas, a seriedade, isenta de frivolidade), a dedicação à pátria. Talvez seja mesmo este último sentimento que determina e orienta todos os outros; só aparentemente é comparável ao patriotismo moderno, com o qual tem sido frequentemente confundido; na sua essência, é essencialmente a consciência de uma hierarquia que subordina estritamente o indivíduo aos diferentes grupos sociais, e estes grupos uns aos outros. Os imperativos mais constrangedores emanam da cidade; os mais imediatos, da família. O indivíduo não conta para além de sua função no grupo: o soldado, pertence de corpo e alma ao chefe; o trabalhador, deve colher da sua terra o melhor, ao serviço do pai ou do amo se é simples membro de uma família, para o bem da própria família presente e futura, se é pai de família e responsável por um domínio, por reduzido que seja. Magistrado, é nomeado pelos seus iguais para uma função, e esta não pode valer-lhe vantagens pessoais; se necessário, deve mesmo sacrificar-lhe tudo o que lhe seja caro, incluindo a sua pessoa.” – GRIMAL, Pierre. A civilização romana. Lisboa: Edições 70, 1993, p. 66.
  • 37. NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da Educação na Idade Média. São Paulo: Edusp, 1979, p. 150-151; PERNOUD, Régine. Idade Média: o que não nos ensinaram. Rio de Janeiro: Agir, 1994, p. 97.
  • 38. LABANDE, Edmond­-René. Guibert de Nogent: autobiographie. Paris: Les Belles Lettres, 1981, p. 134.
  • 39. BYNUM, Caroline Walker. Jesus as mother: studies in spirituality of the Middle Ages. Los Angeles: University of California, 1982, p. 40.
  • 40. LABANDE, Edmond­-René. Guibert de Nogent: autobiographie. Paris: Les Belles Lettres, 1981, p. 134.
  • 41. A Regra de São Bento (edição bilíngüe: latim / português). Juiz de Fora: Mosteiro da Santa Cruz, 1999, p. 3.
  • 42. LABANDE, Edmond­-René. Guibert de Nogent: autobiographie. Paris: Les Belles Lettres, 1981, p. 134.
  • 43. LE GOFF, Jacques. O imaginário medieval. Lisboa: Estampa, 1994, p. 145-147; SCHMITT, Jean­-Claude. “Corpo e alma”. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário Temático do Ocidente Medieval I. São Paulo: Edusc / Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002, p. 255-­256.
  • 44. LABANDE, Edmond­-René. Guibert de Nogent: autobiographie. Paris: Les Belles Lettres, 1981, p. 138.
  • 45. Jr 4, 10.
  • 46. LABANDE, Edmond­-René. Guibert de Nogent: autobiographie. Paris: Les Belles Lettres, 1981, p. 138.
  • 47. Teólogo humanista nascido na França, Hugo deu notoriedade à Abadia de Saint-­Victor, fundada em 1108, devido aos seus esforços e incentivos intelectuais. Para ele, o conhecimento de Deus somente seria obtido através de uma profunda experiência mística pessoal. Suas obras mais conhecidas são Summa Sententiarum, De Sacramentis e Didascalicon (Edição crítica: HUGO DE SÃO VÍTOR. Didascálicon: da arte de ler. Petrópolis: Vozes, 2001). Espécie de manual escolar para iniciantes, esta última é um de seus trabalhos mais famosos. Sobre Hugo de São Vítor, ver MARCHIONNI, Antonio. “Introdução”. In: HUGO DE SÃO VÍTOR. Didascálicon: da arte de ler. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 9­-39.
  • 48. HUGO DE SÃO VÍTOR. Didascálicon: da arte de ler. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 221.
  • 49. LABANDE, Edmond­-René. Guibert de Nogent: autobiographie. Paris: Les Belles Lettres, 1981, p. 136.
  • 50. Mt 6, 24.
  • 51. LANZIERI JÚNIOR, Carlile. “Monges pecadores, doenças punitivas: o discurso repressivo para o mau comportamento monástico nas memórias do abade Guiberto de Nogent (século XII)”. In: XV Encontro Regional de História. São João Del Rei: ANPUH, 2006, CD­ROM.
  • 52. LABANDE, Edmond­-René. Guibert de Nogent: autobiographie. Paris: Les Belles Lettres, 1981, p. 138.
  • 53. COSTA, Ricardo da. “Cluny, Jerusalém celeste encarnada (sécs. X-XII)”. InRevista Mediaevalia. Textos e Estudos 21 (2002), p. 115-137.
  • 54. FRANCO JÚNIOR, Hilário. As utopias medievais. São Paulo: Brasiliense, 1992, p. 15.
  • 55. ARCHAMBAULT, Paul J. A monk’s confession: the memoirs of Guibert of Nogent. Pennsylvania State University Press, 1996, p. 58, n. 98.
  • 56. NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da Educação na Idade Média. São Paulo: Edusp, 1979, p. 112.
  • 57. 1 Tm 5, 20.
  • 58. A Regra de São Bento (edição bilíngüe: latim / português). Juiz de Fora: Mosteiro da Santa Cruz, 1999, p. 333 e 335.
  • 59. FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Idade Média: nascimento da Europa. São Paulo: Brasiliense, 2001, p. 146-150.
  • 60. LAUAND, Luiz Jean (org.).Cultura e educação na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 301.
  • 61. PERNOUD, Régine. Idade Média: o que não nos ensinaram. Rio de Janeiro: Agir, 1994, p. 51.
  • 62. “À vista disso, Simão Pedro atirou­se aos pés de Jesus, dizendo: ‘Afasta­te de mim, Senhor, porque sou pecador!’ O espanto, com efeito, se apoderara dele e de todos os que estavam em sua companhia, por causa da pesca que haviam acabado de fazer, e também de Tiago e João, filhos de Zebedeu, que eram companheiros de Simão. Jesus, porém, disse a Simão: ‘Não tenhas medo! Doravante serás pescador de homens’. Então, reconduzindo, os barcos à terra e deixando tudo, eles o seguiram.” – Lc 5, 8-­11.

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