Entendo por céu a ciência e por céus as ciências

As sete Artes Liberais no Convivio (c.1304-1307) de Dante Alighieri

Ricardo da COSTA

Trabalho apresentado no
XVI Encontro Nacional da ANPOF,
Grupo de Trabalho Filosofia na Idade Média
no dia 28 de outubro de 2014.

In: CARVALHO, M., PICH, Roberto H., SILVA,
Marco Aurélio O. da, OLIVEIRA, Carlos E. (orgs.).
Filosofia Medieval. São Paulo: ANPOF, 2015, p. 333-355
(ISBN 978-85-88072-28-2).

Resumo: No segundo livro do Convívio (c. 1304-1307) o poeta-filósofo Dante Alighieri faz uma analogia entre as sete artes liberais (Gramática, Dialética e Retórica – o Trivium – Aritmética, Geometria, Música e Astronomia – o Quadrivium) e os então considerados planetas (Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter, Saturno). Para isso, vale-se explicitamente de Aristóteles (384-322 a. C.), Horácio (65-8 a. C.), Pitágoras (c. 571-497 a. C.), Ptolomeu (90-168) e Euclides (c. 325-265 a. C.), e implicitamente de Cícero (O Sonho de Cipião), de Boécio (A Consolação da Filosofia) e do Pseudo-Dionísio Areopagita (Da Hierarquia Celeste). A proposta do presente trabalho é analisar o conteúdo desse segundo livro do Convívio e discorrer sobre seus fundamentos filosóficos.

Abstract: In the second book of the Convivio (c. 1304-1307), the poet-philosopher Dante Alighieri makes an analogy between the seven liberal arts (Grammar, Dialectic and Rhetoric – Trivium – Arithmetic, Geometry, Music and Astronomy – the Quadrivium) and the planets (Moon, Mercury, Venus, Sun, Mars, Jupiter, Saturn). For this, he cites Aristotle, Horace, Pythagoras, Ptolemy and Euclid, and Cicero (The Dream of Scipio), Boethius (Consolation of Philosophy) and Seudo-Dionysius the Areopagite (The Heavenly Hierarchy). The purpose of this paper is to analyze the contents of the second book of the Convivio and discuss its philosophical foundations.

Palavras-chave: Dante – Convívio – Filosofia Medieval – Astrologia – Metafísica.

Keywords: Dante – Convivio – Medieval Philosophy – Astrology – Metaphisics.

Dentre todas as bestialidades, é estultíssima, vilíssima e perniciosíssima aquela que crê não haver outra vida depois desta. Caso revolvamos os escritos, tanto dos filósofos como dos outros sábios escritores, veremos que todos concordam que existe em nós uma parte imortal. Isso maximamente parece querer Aristóteles no livro De Anima; isto parece querer cada estoico; isto parece querer Túlio [Cícero], especialmente no livro De Senectute; isto parece querer todo poeta que falou de acordo com a fé dos pagãos; isto quer cada Lei, dos judeus, dos sarracenos, dos tártaros, e quaisquer outros que vivem segundo alguma razão. Caso todos estivessem enganados, seguir-se-ia uma impossibilidade que só o dizê-la seria horrível (Convívio, II, 8, 9-10).1

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A glória do Senhor, que tudo move / no Universo difunde-se e esplandece / onde mais, onde menos se comprove (La gloria di colui che tutto move / per l'universo penetra, e risplende / in una parte piú e meno altrove).2 Detalhe de uma iluminura de uma cópia genovesa (séc. XIV) da Divina Comédia de Dante (Norfolk, Holkham Hall, MS. 514, folio 113). Dante ascende à Luz divina pelas mãos de sua amada Beatriz.

I. A Filosofia tradicional: o Amor, as substâncias separadas e o movimento dos astros

Antes de colocar-se como filósofo, o poeta. No mundo da Filosofia tradicional3, a Poesia era uma das formas possíveis de se expressar filosoficamente.4 Trata-se de um lamento, uma fratura existencial, um diálogo em que Dante manifesta seu maravilhamento por estar dividido entre a visão de sua nova paixão, uma gentil dama, e a memória de sua amada Beatriz, falecida, que se encontra no céu coroado.

Essas inteligências, substâncias separadas da matéria, são os anjos5, impulsionadores da revolução dos céus, do céu de Vênus, o terceiro céu de sua estrutura celeste, céu das almas dos amantes, daqueles apaixonados que conduziram seus afetos de modo ordenado, ainda que pouco temperantes.

Vênus era então um topos mitológico, literário e filosófico muito recorrente entre os escritores e pensadores. Por exemplo, Isidoro de Sevilha (c. 556-636) a cita inúmeras vezes em suas Etimologias. Ao tratar dos deuses dos gentios, ele narra o mito:

76. Dizem que Vênus é assim chamada porque uma virgem feminina só deixa de sê-lo quando se recorre à força. Os gregos a chamam de Afrodite porque teve sua origem em uma espuma de sangue. Em grego, aphròs significa espuma. 77. Contam que Saturno cortou a genitália de seu pai, o Céu, seu sangue fluiu para o mar e que da espuma concreta do mar nasceu Vênus. Dizem isso porque mediante o coito se produz a ejaculação de um humor salgado, que é uma substância, e é por isso que chamam Afrodite de Vênus, porque o coito é a espuma de sangue que é uma secreção líquida e salgada que emana das vísceras. 78. Dizem que Vênus é a esposa de Vulcano porque a relação venérea se produz com o calor. Daí Virgílio: “O velho é frio para a lascívia (Enéadas, 3, 97). 79. Diz-se que Saturno amputou as partes viris de seu pai, o Céu, e que ao cair este humor no mar nasceu Vênus porque se a chuva não caísse do céu sobre a terra, nenhuma criatura nasceria.6

Além de deusa olímpica, Vênus era (e é) um planeta. Consequentemente, era fonte de influência do comportamento humano. Quando um poeta minimamente conhecedor da Filosofia escrevia sobre o Amor, sabia que personificava um acidente do ente, embora em relação a Vênus não tivesse tanta certeza.

Seja como for, o leitmotiv da descrição dantesca do terceiro céu é o angustiante e íntimo dilema da traição ao amor falecido pela donna gentile, conflito emocional que poucos são capazes de entender. Por isso, Dante dirige seu apelo ao céu de Vênus.7 A citação à deusa greco-romana do amor era muito recorrente na Idade Média. Por exemplo, na primeira parte de O Romance da Rosa (c. 1225), uma das obras mais lidas entre os séculos XIII e XV8, Vênus é o apetite sexual, força geradora da natureza que poderia ser contemplada filosoficamente.9

Por sua vez, a consideração metafísica-filosófica da existência de inteligências a moverem o universo não era nova, tampouco uma criação cristã. O problema, espinhoso, sempre fora o da origem do movimento. Na obra Do Céu (350 a. C.), Aristóteles (384-322 a. C.) discorrera de modo bastante aprofundado sobre a forma esférica do Céu, a circularidade do movimento celeste e o fato de a atividade imortal de Deus (θεός) ocorrer em um corpo circular – tudo alicerçado no estudo filosófico do movimento.10

Já em sua Metafísica, o Estagirita deduzira, “...com base em pesquisas da ciência matemática mais afim à Filosofia, ou seja, a Astronomia”11, a existência de cinquenta e cinco inteligências a moverem os “movimentos eternos de translação” dos corpos celestes.12 Não foi difícil aos pensadores medievais retraduzirem as substâncias aristotélicas suprassensíveis e moventes das esferas celestes nos anjos.

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Diagrama cosmológico com o cálculo das distâncias na esfera sublunar (as linhas brancas horizontais que cortam a Terra) e dois anjos nas extremidades do mundo sublunar a girar as manivelas e assim impulsionar o movimento da Lua. Matfré Ermengau de Béziers (c. 1245-1322), Breviari d’Amour, Catalunha (séc. XIV). Yates Thompson 31, folio 45. British Library, Catalogue of illuminated manuscripts.

II. Os Céus, o Empíreo e a Ordem da Hierarquia

Antes de tratar dos anjos que movem os céus, Dante rememora (criticamente) as considerações de Aristóteles e de Ptolomeu (90-168) sobre o número e a posição dos céus. O Estagirita defendeu a existência de oito céus, com o último a conter todos os demais, além das estrelas fixas. Por sua vez, o florentino aceitou os argumentos de Ptolomeu, tanto por sua capacidade de observação (com Perspectiva, Aritmética e Geometria) quanto por seu constrangimento pelos princípios da filosofia aplicados ao assunto.

Por isso, assim definiu a ordem dos céus:

1) Lua;
2) Mercúrio;
3) Vênus;
4) Sol;
5) Marte;
6) Júpiter;
7) Saturno;
8) Céu das estrelas;
9) Cristalino – céu diáfano, de vários movimentos, e
10) Empíreo (o “céu dos católicos”) – céu de fogo, luminoso, imóvel, céu do Primeiro Motor aristotélico.13

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Nicole Oresme (c. 1323-1372), Le livre du Ciel et du Monde (1377). Paris, BnF, Manuscrits, Fr. 565, folio 69r. Ainda que Oresme tenha proposto que a Terra se movia (ideia contrária à tradição cosmológica aristotélica/ptolomaica) e os corpos celestes estarem estáticos, manteve a estrutura e a ordem das esferas, como se vê no detalhe acima da iluminura do folio 69 de sua obra. De baixo para cima: Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter, Saturno, o Céu das Estrelas e o Cristalino/Empíreo (representado com Deus iluminado que abençoa Sua criação com a mão direita. Em Sua mão esquerda, Ele porta um globo dourado.

O acréscimo do Empíreo (ἔμπυρος) foi a contribuição da cosmologia cristã à estrutura do mundo clássica ou, em outras palavras, a personificação textual do espaço etéreo da substância suprasensível, imóvel e eterna, movente do universo, cuja substância é o próprio ato: Deus. Por mover como o que é amado14, Ele faz o Empíreo girar com tanto desejo que Sua velocidade é quase incompreensível:

9. E questo è cagione al Primo Mobile per avere velocissimo movimento; chè per lo ferventissimo appetito ch’è in ciascuna parte di quello nono cielo, che è immediato a quello, d’essere congiunta con ciascuna parte di quello divinissimo ciel quieto, in quello si rivolve con tanto desiderio, che la sua velocitade è quasi incomprensibile. 10. E quieto e pacifico è lo luogo di quella somma Deitade che sola [sè] compiutamente vede. Questo loco è di spiriti beati, secondo che la Santa Chiesa vuole, che non può dire menzogna; e Aristotile pare ciò sentire, a chi bene lo ’ntende, nel primo De Caelo et Mundo.15

E este é o motivo de ter o Primeiro Motor velocíssimo movimento; que, pelo ferventíssimo apetite que sente cada uma das partes daquele nono céu, que lhe é imediato, de se unir com cada parte daquele diviníssimo céu quieto, nele gira com tanto desejo que a sua velocidade é quase incompreensível. E quieto e pacífico é o lugar daquela suma Divindade que é a única que a si plenamente se contempla. Este lugar é o dos espíritos beatos, consoante quer a Santa Igreja, que não pode mentir; e Aristóteles parece perceber isso, para quem bem o entende, no primeiro livro do De Caelo et Mundo (Convívio, II, 3, 9-10).

Dante considerava o Empíreo a própria estrutura do mundo. Mas não se trata de um lugar físico, ressalta, pois foi constituído na Mente Primeva (que os gregos chamavam Protonoè).16 Lugar etéreo de Deus e dos espíritos beatos (sumamente felizes). Trata-se, quase literalmente, de uma releitura filosófico-literária cristã (com comentários e correções, como vimos) da cosmologia aristotélica/ptolomaica!

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Deus no Empíreo a abençoar o cosmo. Abaixo, o Céu das Estrelas, o de Saturno e o de Júpiter. Detalhe do folio 69r de Le livre du Ciel et du Monde (1377) de Nicole Oresme (c. 1323-1372). Paris, BnF, Manuscrits, Fr. 565.

A seguir, antes de discorrer sobre o que a gente vulgar nomeia anjos, Dante também rememora criticamente as considerações de Aristóteles e de Platão (c. 428-328 a. C.) sobre o tema, método realizado pelo próprio Aristóteles com seus antecessores (tanto na Metafísica quanto em Do Céu). A leitura que o florentino faz do Estagirita é correta: na Metafísica, Aristóteles defendeu que as inteligências são tantas quantos os movimentos dos céus (e, no Do Céu, parece considerar de outro modo). Por sua vez, tanto Platão, varão excelentíssimo, quanto os outros filósofos, defenderam que há tantas inteligências não só quanto os movimentos dos céus, mas também em relação às espécies das coisas. Platão chamou-as de Ideias, isto é, formas e naturezas universais (Livro II, IV).

Ninguém duvida – nem filósofo, nem pagão, nem judeu, nem cristão, nem qualquer seita – que essas inteligências se encontrem cheias de felicidade, a felicidade eterna e suprema (beatitudine). Aristóteles parece não se opor a isso, em seu Livro X da Ética.17 Por sua vez, a Igreja crê e prega que essas nobilíssimas criaturas, quase inumeráveis, repartem-se em três hierarquias, cada uma com três ordens:

I.
1) Anjos;
2) Arcanjos;
3) Tronos;

II.
4) Dominações;
5) Virtudes;
6) Principados;

III.
7) Potestades;
8) Querubins;
9) Serafins.

O Pai olha a primeira hierarquia, o Filho a segunda, e o Espírito Santo a terceira, diz Dante.

Essa hierarquia transcendental fora motivo de uma consideração filosófica influentíssima desde o século V, quando o filósofo Pseudo-Dionísio Areopagita escreveu seu Corpus Areopagiticum.18 A partir de então, esse pensamento, neoplatônico, que privilegiava os conceitos de ordem, de harmonia e de hierarquia (aliás, todos gregos!19), moldou praticamente toda a percepção da realidade, da própria sociedade.20 O mundo medieval passou a se ver nela refletido.21 Com o peso dessa tradição filosófica, Dante então afirma que é razoável crer que haja uma analogia entre o número de céus e a hierarquia celeste: os movedores do céu da Lua são os Anjos, os do Mercúrio os Arcanjos, os de Vênus os Tronos, etc.22 Estes, nascidos do amor do Espírito Santo, movimentam o terceiro céu, que é cheio de amor, e fazem com que as almas daqui de baixo sejam amorosamente acesas. Foi isso que Virgílio (70-19 a. C.) e Ovídio (43 a. C. - 17 d. C.), na Eneida e nas Metamorfoses, respectivamente, testemunharam em suas percepções do Terceiro Céu.

15. E sono questi Troni, che al governo di questo cielo sono dispensati, in numero non grande, de lo quale per li filosofi e per li astrologi diversamente è sentito, secondo che diversamente sentiro de le sue circulazioni; avvenga che tutti siano accordati in questo, che tanti sono quanti movimenti esso fae.23

E são estes Tronos, que para o governo deste céu são designados, em número não quantioso, o qual pelos filósofos e pelos astrólogos é diversamente entendido, segundo diversamente entendem dos movimentos dele; inda que todos acordem nisto de que são tantos quantos estes (Convívio, II, 5, 14).

Não deixa de ser curioso o fato de que, comparado ao que diz o Areopagita, Dante corporifica, ou melhor, traz o céu de Vênus – com a ordem dos Tronos, respectivamente – para o mundo da carne, das paixões, do amor. Senão vejamos o que diz o filósofo do século V:

O nome dos sublimes e excelsíssimos tronos indica que estão muito acima de qualquer deficiência terrena, como se manifesta por sua ascensão até os cumes. Estão sempre distantes de qualquer baixeza e, como entraram inteiramente na vida eterna da presença daquele que realmente é o Altíssimo e estão livres de toda paixão e cuidados materiais, estão sempre prontos para receber a visita da Deidade, já que são portadores de Deus e estão prontos, como servos, para acolhê-Lo e Seus dons.24

IV. O Céu de Vênus e as sete artes liberais

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Com os Príncipes do céu estamos neste / giro, neste girar, na sede ardente; / aos quais, um dia, no mundo tu disseste: / – Vós, de quem move o céu terceiro a mente – / e temos tanto amor que pra te o dar / uma parada será conveniente (Noi ci volgiam coi principi celesti / d'un giro e d'un girate e d'una sete, / ai quali tu del mondo già dicesti: / 'Voi che 'intendendo il terzo ciel movente'; / e sem sí pien d'amor, che, per piacerti, / non fia men dolce un poco di quiete).25 Detalhe de uma iluminura de uma cópia genovesa (séc. XIV) da Divina Comédia de Dante (Norfolk, Holkham Hall, MS. 514), folio 113. À esquerda, Vênus, coroada, que aponta para cima, está acompanhada pelos signos de Touro e de Libra. Entrementes, à direita, Dante e Beatriz conversam animadamente. 

Para se consolar da morte de sua amada Beatriz, Dante pôs-se a ler duas obras: A Consolação da Filosofia, de Boécio (c. 480-525)26, e Da Amizade, de Cícero (106-43 a. C.).27 Assim pôde encontrar remédio para suas lágrimas, entre as palavras daqueles autores, na ciência, nos livros, na Filosofia. Do desconsolo o florentino passou a recitar Vós que, pensando, o céu terceiro moveis, e entendeu, graças à Filosofia, os movedores do terceiro céu, o de Vênus.28

Dante entendeu por “céu” a ciência e por “céus” as ciências, por sua ordem e por seu número. Elencou Platão, Avicena (c. 980-1037), Algazel (c. 1058-1111), Aristóteles “e outros peripatéticos” para apresentar as semelhanças entre os céus e as ciências. Assim, alegoricamente, os sete primeiros céus correspondem às sete ciências, às sete artes do Trivium29 e do Quadrivium30:

1) Lua – Gramática;
2) Mercúrio – Dialética;
3) Vênus – Retórica;
4) Sol – Aritmética;
5) Marte – Música;
6) Júpiter – Geometria;
7) Saturno – Astrologia.

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As Sete Artes Liberais. Livro de registro da biblioteca da Universidade de Tübinger (séc. XV). Da esquerda para a direita: Geometria, Lógica, Aritmética, Gramática, Música, Física (ao invés da Astronomia) e Retórica. Abaixo, as analogias com os céus (repare no Sol sob a Gramática, enquanto para Dante deveria ser a Aritmética) e a Lua sob a Retórica (para Dante, seria Vênus).

O oitavo céu, das estrelas, corresponderia à Física (Ciência Natural), o Cristalino à Ciência Moral e o Empíreo à Teologia. Com as respectivas substâncias separadas a mover as esferas, o sistema alegórico-cosmológico dantesco no Convivio é esse:

1) Lua – Gramática – Anjos; 
2) Mercúrio – Dialética – Arcanjos;
3) Vênus – Retórica – Tronos;
4) Sol – Aritmética – Dominações;
5) Marte – Música – Virtudes;
6) Júpiter – Geometria – Principados;
7) Saturno – Astrologia – Potestades;
8) Céu das estrelas – Querubins;
9) Cristalino – Serafins, e
10) Empíreo – Deus e os espíritos beatos.

Para cada Céu, Dante estabeleceu duas propriedades analógicas com as Artes Liberais. O Trivium está relacionado aos três primeiros céus, mais próximos da Terra. A Lua e a Gramática são semelhantes pela escassa densidade e a variação da luminosidade (os raios da razão não penetram inteiramente na Gramática, e seus vocábulos vêm e vão conforme a luz da Lua); o Mercúrio e a Dialética se relacionam pela pequenez e por sua cobertura. Mercúrio é a menor das estrelas, e a mais velada aos raios solares; como essa pequena estrela, a Dialética é a arte com menor extensão de todas e a mais velada, já que atua com argumentos sofísticos (para Dante, inseguros).

Por sua vez, Vênus e a Retórica compartilham as belas virtudes da clareza e da suavidade:

13. E lo cielo di Venere si può comparare a la Rettorica per due proprietadi: l’una sì è la chiarezza del suo aspetto, che è soavissima a vedere più che altra stella; l’altra sì è la sua apparenza, or da mane or da sera. 14. E queste due proprietadi sono ne la Rettorica: chè la Rettorica è soavissima di tutte le altre scienze, però che a ciò principalmente intende; e appare da mane, quando dinanzi al viso de l’uditore lo rettorico parla, appare da sera, cioè retro, quando da lettera, per la parte remota, si parla per lo rettorico.31

O céu de Vênus se pode comparar à Retórica por duas propriedades: uma é a de que é tanta a clareza do seu rosto que, mais do que as outras estrelas, é suavíssima de ver; a outra é que aparece ora de manhã ora de tarde. E estas duas propriedades estão na Retórica: pois que a Retórica é suavíssima entre todas as ciências, por isso que a isto principalmente aspira; e aparece de manhã, quando diante do ouvinte fala o retórico, aparecendo de tarde, isto é, por detrás, quando por carta, para a parte remota, se fala para o retórico (Convívio, II, 13, 13-14).

A seguir, o Quadrivium. A Aritmética e o Sol se relacionam porque todas as outras estrelas recebem a luz solar e o olho não pode fitá-la. Do mesmo modo, da Aritmética todas as artes recebem, de algum modo, relações numéricas, e o olho não pode abarcar o número porque, em si considerado, é infinito, e isso é incompreensível.32

Marte e a Música se harmonizam pela bela relação com os demais céus, por Marte estar no meio, no quinto (ou, em termos musicais, por ser a quinta [Dó/Sol], harmonia perfeita) e por queimar as coisas com seu calor. Como ele, a Música é inteiramente relacional, na harmonia das palavras, nos cantos, nas notas, e sua melodia incendeia os espíritos humanos (que são como vapores do coração).

Júpiter e a Geometria se coadunam por serem temperados e argênteos. Júpiter se move entre dois céus opostos à sua temperatura, Marte (quente) e Saturno (frio), de acordo com Ptolomeu. Ademais, dentre as estrelas brancas, Júpiter se destaca, pois é quase argênteo. O mesmo ocorre com a Geometria, pois tem o ponto como princípio, e se move entre o ponto e o círculo, entre o princípio e o fim. É alvíssima por não ter mancha de erro: é certíssima. Sua flâmula, a Perspectiva, a comprova.

Por fim, Saturno e a Astrologia. O céu de Saturno tem duas propriedades comparadas à Astrologia: a lentidão dos movimentos pelos doze signos e o fato de superar todos os outros planetas. Segundo Dante, Saturno leva vinte e oito anos para percorrer os doze signos.

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Diagrama com os símbolos zodiacais (c. 1335-1350, Avinhão, França) de Opicinus de Canistris (1296-c. 1354). Biblioteca Apostolica Vaticana, Vatican City, Pal. Lat. 1993, folio 24r. Internet. Este coloridíssimo e complexo fólio feito pouco após a morte de Dante (e, por isso, um bom exemplo do ambiente intelectual de seu tempo) concatena uma vasta quantidade de informações, muito mais do que qualquer um dos outros desenhos de Opicinus, conhecido padre, escritor, místico e cartógrafo de seu tempo. O Diagrama inclui mais de vinte tipos de conteúdos, incluindo os profetas bíblicos, símbolos do Zodíaco, doutores da Igreja, quatro ordens monásticas, os meses e dias, um mapa mundi implícito, a genealogia de Maria, personificações da Igreja, os dons do Espírito Santo, os quatro tipos de exegese bíblica, os quatro Evangelistas, os apóstolos e os nomes das cartas de Paulo, o que exige intensa meditação e exegese. Ele fez uso da tradição medieval de diagramas para investigar as conexões entre o cósmico, o terrestre e o corpóreo.

Como Saturno, a Astrologia requer, como a lentidão do astro, muitos anos para que seja aprendida, tanto pelas demonstrações quanto pela experiência que se exige para um bom juízo astrológico.33 Ademais, ela é altíssima entre todas as demais artes – e, como diz Aristóteles em seu tratado De Anima, a ciência é elevada pela nobreza de seu objeto.34 Por isso, a Astrologia, mais do qualquer outra, por estudar o movimento do Céu, é nobre, alta e perfeita, pois trata do que é consequência do princípio, que é perfeitíssimo e reguladíssimo. Consequentemente, não se admite falha nela. Qualquer erro, deve-se atribuir à negligência do astrólogo, não à Astrologia.

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Rothschild Canticles: as Sete Artes Liberais (da esquerda para a direita, de cima para baixo: Gramática, Astronomia, Aritmética e Geometria), folio 6v, França (sécs. XIII-XIV), Yale University, Beinecke Rare Book and Manuscript Library. Enquanto a Gramática surra um aluno, para o delírio da classe de crianças, a Astronomia aponta para o céu (com o Sol, a Lua e as estrelas em meio a um etéreo fundo rosa), a Aritmética conta moedas (ofício prático par excellence) e a Geometria, com um compasso, calcula a esfericidade do mundo, como Deus ao criá-lo.

Conclusão

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Prestes a ascenderem ao Empíreo, Dante e Beatriz (à esquerda) param para contemplar o espetáculo dos planetas, a revolução das sete esferas celestes (de baixo para cima, da Lua até Saturno). Na extrema esquerda, o signo de Gêmeos. A seguir, à direita, o casal se prepara para continuar sua maravilhosa viagem rumo a Deus. Detalhe de uma iluminura de uma cópia genovesa (séc. XIV) da Divina Comédia de Dante (Norfolk, Holkham Hall, MS. 514, folio 141).

10. Poi nel quarto verso, dove dice: uno spiritel d’amore, s’intende uno pensiero che nasce del mio studio. Onde è da sapere che per amore, in questa allegoria, sempre s’intende esso studio, lo quale è applicazione de l’animo innamorato de la cosa a quella cosa. (...)

12. Tutto l’altro che segue poi di questa canzone, sofficientemente è per l’altra esposizione manifesto. E così, in fine di questo secondo trattato, dico e affermo che la donna di cu’ io innamorai appresso lo primo amore fu la bellissima e onestissima figlia de lo Imperadore de lo universo, a la quale Pittagora pose nome Filosofia.35

Depois, no quarto verso, onde se diz: um espírito de amor, entende-se um pensamento que nasce do meu estudo. De onde é de saber que por amor, nesta alegoria, sempre se entende o estudo, que é a aplicação do ânimo enamorado de uma coisa a essa coisa. (...)

Tudo o mais que segue depois desta canção é pela outra exposição suficientemente manifesto. E assim, no fim deste segundo tratado, digo e afirmo que a dama de quem me enamorei após o primeiro amor foi a belíssima e honestíssima filha do Imperador do universo, à qual Pitágoras pôs o nome de Filosofia (Convívio, II, 13, 10-12).

Como os antigos, os medievais não renunciaram à Poesia para tratar da Ciência, da Filosofia. Por isso, a alegoria tornou-se a base de interpretação de qualquer texto.36 A Poesia era identificada com a Sapientia e a Philosofia. Por esse motivo é que Dante definiu a alegoria e a utilizou para tratar filosoficamente o tema das Artes Liberais nos céus da Astrologia.

As esferas de conhecimento estavam imbricadas, interligadas em uma concepção totalizante do saber. Essa ordem do mundo pressupunha uma conexão causal dos acontecimentos e fenômenos.37 A Filosofia era, desde a herança greco-romana, transmitida por vários autores como amor à Sabedoria, conhecimento que deveria ser amorosamente procurado como o fizeram os discípulos de Platão. Dante, nesse sentido, é um dos últimos expoentes da Tradição que, na Idade Média, mesclava Platão e Aristóteles indistintamente, ou melhor, apresentava temas aristotélicos com viés cristianizante e em um pano de fundo platônico-agostiniano. Ademais, sua visão cosmológica é monumental: combinou as cosmologias geocêntrica e heliocêntrica (seu limite era o Empíreo).38

As sete Artes Liberais, filhas da Razão, foram por Dante projetadas nas estrelas porque o Amor que as movia era, para o poeta-filósofo, o mesmo amor serenamente conduzido pela gentilíssima dama chamada Filosofia, jovem “cheia de doçura, ornada de honestidade, admirável por seu saber e gloriosa por sua liberdade” (Convívio, II, 15, 2). Por isso era mister considerar o que existia na ordem dos céus e o que existe na das ciências. Afinal, quem quisesse ver a salvação, além de meditar e especular as correlações entre os mundos, deveria fitar os olhos da Filosofia, perscrutá-los, pois assim teria sua alma enamorada e liberta das contradições do instável e perecível mundo supralunar.

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Fontes

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco (trad., textos adicionais de notas de Edson Bini). Bauru, SP: EDIPRO, 2007.
ARISTÓTELES. Metafísica (ensaio introdutório, texto grego com tradução e comentário de Giovanni Reale). São Paulo: Edições Loyola, 2005. 03 volumes.
ARISTÓTELES. Acerca del alma (pres. y trad. de Tomás Calvo Martínez). Madrid: Editorial Gredos, 2010.
ARISTÓTELES. Do céu (tradução, textos adicionais e notas de Edson Bini). São Paulo: Edipro, 2014.
BOÉCIO. A Consolação da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
CICERÓ. Leli (De l'amistat) (introd., text revisat, traducció i notes de Pere Villalba i Varneda). Barcelona: Fundació Bernat Metge, 1999.
DANTE ALIGHIERI. A Divina Comédia. Paraíso (trad. e notas de Italo Eugenio Mauro). São Paulo: Ed. 34, 1998.
DANTE ALIGHIERI. Convívio (trad. literal e notas de Carlos Eduardo de Soveral). Lisboa: Guimarães Editores, 1992.
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RAMON LLULL. Doutrina para crianças (c. 1274-1276) (trad.: Ricardo da Costa e Grupo de Pesquisas Medievais da UFES III). Alicante: IVITRA, 2010.

Bibliografia

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BURLANDO, Giannina (ed.). De las Pasiones en la Filosofía Medieval. Santiago: Pontificia Universidad Católica de Chile, 2009.
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RISSET, Jacqueline. “Dante Alighieri (1265-1321)”. In: LE GOFF, Jacques. Homens e Mulheres da Idade Média. São Paulo: Estação Liberdade, 2013, p. 283-287.
SMITH, Wolfgang. A sabedoria da antiga cosmologia. Campinas, SP: Vide Editorial, 2017
TERRA, Carlos Alexandre. “Alguns Aspectos da Metodologia Científica do Tratado Aristotélico Sobre o Céu”. InCad. Hist. Fil. Ci. Campinas, Série 3, v. 18, n. 1, p. 85-120, jan.-jun. 2008.
TROVATO, Mario. “Against Aristotle: Cosmological Vision in Dante's Convivio”. In: Essays in Medieval Studies 20.1 (2003): 31-46.

Notas

  • 1. 8. Dico che intra tutte le bestialitadi quella è stoltissima, vilissima e dannosissima, chi crede dopo questa vita non essere altra vita; però che, se noi rivolgiamo tutte le scritture, sì de’ filosofi come de li altri savi scrittori, tutti concordano in questo, che in noi sia parte alcuna perpetuale. 9. E questo massimamente par volere Aristotile in quello de l’Anima; questo par volere massimamente ciascuno Stoico; questo par volere Tullio, spezialmente in quello libello de la Vegliezza; questo par volere ciascuno poeta che secondo la fede de’ Gentili hanno parlato; questo vuole ciascuna legge, Giudei, Saracini, Tartari, e qualunque altri vivono secondo alcuna ragione. 10. Che se tutti fossero ingannati, seguiterebbe una impossibilitade, che pure a ritraere sarebbe orribile. Convivio (1304-1307), Livro II, VIII, 8-10. Internet.
  • 2. DANTE ALIGHIERI. A Divina Comédia. Paraíso (trad. e notas de Italo Eugenio Mauro). São Paulo: Ed. 34, 1998, Canto I, 1-3, p. 13.
  • 3. Com o termo Filosofia tradicional, abranjo as filosofias clássica e medieval, até a ruptura provocada pelo pensamento político de Maquiavel (1469-1527). Para o limite cronológico do pensador florentino, ícone tratadístico do Renascimento italiano, ver FLASCH, Kurt. El pensament filosòfic a l'Edat Mitjana: d'Agustí a Maquiavel. Santa Coloma de Queralt: Obrador Edèndum 2006.
  • 4. Por isso, logo no início do Convívio (c. 134-1307), após sugerir ao leitor que a melhor maneira de explicar o conteúdo de sua obra era utilizar as interpretações literal e alegórica (as duas primeiras que o estudo gramatical na Idade Média requeria – as outras duas eram a moral e a anagógica), Dante apresenta uma canção, Voi che 'ntendendo il terzo ciel movete. Nela, se dirige às inteligências que movem o terceiro céu de sua Cosmologia (κοσμολογία, literalmente, o estudo da ordem do mundo), com a alma chorosa e o coração magoado, mas palpitante, com a suavidade de sua vida interior.
               Para a discussão sobre a Canzone Prima do Convívio, ver PAZZAGLIA, Mario. "Voi che 'ntendendo il terzo ciel movete". Treccani.it. L'Enciclopedia italiana.
  • 5. Para o tema filosófico dos anjos (a Angelologia), ver ASTORGA, Luiz Augusto de Oliveira. El intelecto de la sustancia separada: su perfección y unidad según Tomás de Aquino. Pamplona: EUNSA, Ediciones Universidad de Navarra, S. A., 2016.
  • 6. 76. Venerem exinde dicunt nuncupatam, quod sine vi femina virgo esse non desinat. Hanc Graeci Ἀφροδίτηv vocant propter spumam sanguinis generatem. Ἀφρòç enim Graece spuma vocatur. 77. Quod autem fingunt Saturnum Caelo patri genitalia abscidisse, et sanguinem fluxisse in mare, atque eo spuma maris concreta Venus nata est, illud aiunt quod per coitum salsi humoris substancia est; et inde Ἀφροδίτηv Venerem dici, quod coitus spuma est sanguinis, quae ex suco viscerum liquido salsoque constat. 78. Ideo autem Venerem Vulcani dicunt uxorem, quia Venerium officium nonnisi calore consistit, unde est (Virg. Georg. 3, 97): Frigidus in Venerem senior. 79. Nam quod Saturnus dicitur patri Caelo virilia amputasse, quae in mare cadentia Venerem creaverunt, quod ideo fingitur quia nisi humor de caelo in terram descenderit, nihil creatur.” – SAN ISIDORO DE SEVILLA. Etimologías I. Madrid: BAC, MM, p. 732-733 (Livro VIII, 11, 76-79).
  • 7. Este apelo também pode ser compreendido como um chamado à Filosofia: “En la tradición tomista se incluye también a Dante Alighieri, cuya prosa literaria versa sobre una pasión, una exclusiva del ser humano: la pasión por la filosofía. Su misión consiste en llevar al hombre a la realización de su telos, vale decir, al conocimiento de sí mismo, a la sabiduría de quién quiere y debe ser. Ciertamente, cuando Dante escribe sobre el hombre se refiere a su humanidad completa, de modo que convierte a la filosofía en la pasión por conocer y entender al Hombre.” – BURLANDO, Giannina. “Prólogo”. In: BURLANDO, Giannina (ed.). De las Pasiones en la Filosofía Medieval. Santiago: Pontificia Universidad Católica de Chile, 2009, p. 14.
  • 8. “Por cerca de dois séculos essa obra de Guillaume de Lorris e de Jean Clopinel [ou Chopinel] de Meun, iniciada antes de 1240 e concluída antes de 1280, não só dominou totalmente as configurações do amor aristocrático como também, dada a riqueza de suas digressões enciclopédicas em todas as áreas possíveis, foi o tesouro de onde as pessoas cultas extraíam os elementos mais vivos para a sua erudição.” – HUIZINGA, Johan. O Outono da Idade Média. São Paulo: Cosac Naif, 2010, p. 178. Traduzimos a Primeira Parte de O Romance da Rosa, disponível nesse link.
  • 9. Ver LEWIS, C. S. Alegoria do Amor. Um Estudo da Tradição Medieval. São Paulo: É Realizações, 2012, p. 130.
  • 10. “A atividade de Deus é imortalidade, ou seja, vida eterna. A consequência necessária é o movimento divino ser eterno. E, visto ser essa a natureza do céu (um corpo divino), por isso a ele é conferido um corpo circular, o qual naturalmente move-se sempre num círculo (...) O Céu necessariamente possui a forma esférica. Trata-se do mais apropriado à sua substância, além dessa forma ser primária na natureza (...) o movimento circular mais exterior do céu é simples e o mais célere de todos, e o das outras esferas mais lento e composto (considerando-se que cada uma realiza seu próprio movimento circular contrariando o movimento do céu; assim, é razoável que [o astro] que se apresenta como o mais próximo do movimento circular simples e primário leve mais tempo para percorrer sua própria órbita, enquanto [o astro] situado mais remotamente leva menos tempo.” – ARISTÓTELES. Do céu (tradução, textos adicionais e notas de Edson Bini). São Paulo: Edipro, 2014, Livro II, 3, 9-10; 4, 10-12; 10, 35 291b1, 8., p. 107, 109 e 124.
  • 11. “O Princípio e o primeiro dos seres é imóvel, tanto absolutamente como relativamente, e produz o movimento primeiro, eterno e único. E como é necessário que o que é movido seja movido por algo, e que o Movente primeiro seja essencialmente imóvel, e que o movimento eterno seja produzido por um ser eterno e que o movimento único seja produzido por um ser único (...) há também outros movimentos eternos de translação, ou seja, o dos planetas (...) é necessário que também cada um desses movimentos seja produzido por uma substância imóvel e eterna (...). Portanto, é evidente que deverão existir necessariamente outras substâncias e que deverão ser eternas por sua natureza.” – ARISTÓTELES. Metafísica (ensaio introdutório, texto grego com tradução e comentário de Giovanni Reale). São Paulo: Edições Loyola, 2005, vol. II (Livro Décimo-segundo, 8, 1073b, 3-5), p. 569.
  • 12. ARISTÓTELES. Metafísica, op. cit., vol. II (Livro Décimo-segundo, 8, 1074a, 12), p. 573.
  • 13.  O “ὃ οὐ κινούμενον κινεῖ”, “o que se move sem ser movido” – Aristóteles, Metafísica, XII, 1072a.
  • 14. “Portanto, [o primeiro movente] move como o que é amado.” – ARISTÓTELES, Metafísica, op. cit., vol. II (Livro Décimo-segundo, 7, 1072b), p. 563.
  • 15. Convivio/Trattato secondo. Internet.
  • 16. Ver BAROLINI, Teodolinda. “Ulysses”. In: The Dante Encyclopedia (ed. Richard Lansing). Garland, 2000, p. 842.
  • 17. “A atividade do intelecto, especulativa, é superior em mérito, não visa a fim algum a não ser o que transcenda a si mesma e é auto-suficiente. Por isso, todos os atributos do indivíduo bem-aventurado são vinculados a essa atividade e, portanto, essa é a felicidade humana suprema.” – ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco (trad., textos adicionais de notas de Edson Bini). Bauru, SP: EDIPRO, 2007, p. 308, 1177b1, 15-27.
  • 18. Obras completas del Pseudo Dionisio Areopagita. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos (BAC), 1995.
  • 19. Por exemplo, o conceito de hierarquia (ιεραρχία) remonta a Platão – a hierarquia do mundo inteligível, do mundo sensível, e do mundo das ideias – e em Plotino (Enéadas, III, 2, 17). Por sua vez, a harmonia (αρμονία), qualidade de ordem e organização inerente ao cosmos, é um dos conceitos mais tipicamente gregos. De origem pitagórica, ela tem inúmeras passagens nas obras clássicas. Uma bela digressão encontra-se no Fédon (86a-d). Por fim, a definição de ordem, disposição das partes, está na Metafísica: “Disposição significa o ordenamento das partes de uma coisa: ordenamento segundo o lugar, ou segundo a potência, ou segundo a forma. Impõe-se, com efeito, que exista uma certa posição, como sugere a própria palavra disposição.” – ARISTÓTELES, Metafísica, Livro Quinto, 19, 1022b.
  • 20. “As ordens e graus daqui abaixo simbolizam as harmoniosas relações do Reino de Deus.” – PSEUDO DIONISIO AREOPAGITA. A Hierarquia Celeste, I, 3, 124a.
  • 21. IOGNA-PRAT, Dominique. “Ordem”. In: LE GOFF, Jacques & SCHMITT, Jean-Claude (coord.). Dicionário Temático do Ocidente Medieval II. Bauru, SP: EDUSC; São Paulo, SP: Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 305-319.
              “Desde una óptica rudimentariamente sociológica, las sociedades de carácter estamental previas a las revoluciones burguesas se sitúan a medio camino entre las sociedades de castas, compuestas por unidades cerradas y endogámicas, y las sociedades de clases marcadas por la permeabilidad entre sus componentes y por una teórica apertura de oportunidades para todos.” – MITRE FERNÁNDEZ, Emilio. “Sociedad y Cultura cristianas en el Occidente Altomedieval”. In: MITRE FERNÁNDEZ, Emilio (coord.). Historia del cristianismo. II. El mundo medieval. Madrid: Editorial Trotta, 2004, p. 97.
  • 22. Como defende Aristóteles: as coisas em ato não são iguais entre si, mas o são por analogia. Por isso, “não é necessário buscar definição de tudo, mas é preciso contentar-se com compreender intuitivamente certas coisas mediante a analogia (...) Nem todas as coisas se dizem em ato do mesmo modo, mas só por analogia.” – ARISTÓTELES, Metafísica, IX, 1048a, 35.
  • 23.  Convivio/Trattato secondo. Internet.
  • 24.  PSEUDO DIONISIO AREOPAGITA. A Hierarquia Celeste, VII, 1, 205d.
  • 25.  DANTE ALIGHIERI. A Divina Comédia. Paraíso (trad. e notas de Italo Eugenio Mauro). São Paulo: Ed. 34, 1998, Canto VIII, 34-39, p. 58.
  • 26. BOÉCIO. Consolação da Filosofia (trad. de Luís M. G. Cerqueira). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011. Há uma edição brasileira – BOÉCIO. A Consolação da Filosofia (trad.: Willian Li). São Paulo: Martins Fontes, 1998 – mas de qualidade visivelmente inferior à edição portuguesa, tanto em seu aparato crítico quanto a tradução.
  • 27. Uma excelente edição, bilíngue, é a da Fundació Bernat Metge: CICERÓ. Leli (De l'amistat) (introd., text revisat, traducció i notes de Pere Villalba i Varneda). Barcelona: Fundació Bernat Metge, 1999.
  • 28. MARTINEAU, John. “Um pequeno livro da coincidência no sistema solar”. In: MARTINEAU, John (org.). Quadrivium. As Quatro Artes Liberais Clássicas da Aritmética, da Geometria, da Música e da Cosmologia. São Paulo: É Realizações, 2014, p. 294-357 (especialmente as páginas 322-325, com os temas “O beijo de Vênus. Nossa mais bela relação” e “A beleza perfeita de Vênus. As coisas que não nos ensinam na escola”).
  • 29. Ver especialmente JOSEPH, Irmã Miriam. O Trivium. As Artes Liberais da Lógica, da Gramática e da Retórica. São Paulo: É Realizações, 2014.
  • 30. “O Quadrivium surge do mais reverenciado de todos os assuntos disponíveis à mente humana: o número (...) A quarta dessas disciplinas é a Astronomia ou o número no espaço e no tempo. Todos esses estudos oferecem uma escala segura e confiável para alcançar os valores simultâneos da Verdade, da Beleza e da Bondade. Por sua vez, isso leva ao valor essencial e harmonioso da Totalidade.” – CRITCHLOW, Keith. “Introdução Geral”. In: MARTINEAU, John (org.). Quadrivium. As Quatro Artes Liberais Clássicas da Aritmética, da Geometria, da Música e da Cosmologia, op. cit., p. 07.
  • 31. Convivio/Trattato secondo. Internet.
  • 32. Passagem em que Dante mostra sua simpatia pelo Pitagorismo (chega, inclusive, a citar Pitágoras nominalmente, “conforme o que diz Aristóteles no primeiro livro da Física, punha como princípio das coisas naturais o par e o ímpar, concebendo todas as coisas como número”, Convívio, II, 13, 18).
  • 33. Curiosamente, o filósofo Ramon Llull (1232-1316) desaconselha o estudo da Astrologia a seu filho Domingos exatamente pela dificuldade e incerteza dessa ciência: “9. Amável filho, não te aconselho que aprendas essa arte, pois exige um esforço muito grande e facilmente se pode errar. É perigosa, pois os homens que a conhecem melhor usam-na mal, porque, pelo poder dos corpos celestiais desconhecem e menosprezam o poder e a bondade de Deus”. RAMON LLULL. Doutrina para crianças (c. 1274-1276) (trad.: Ricardo da Costa e Grupo de Pesquisas Medievais da UFES III). Alicante: IVITRA, 2010, cap. LXXIV, 9, p. 63.
  • 34. “O saber é uma das coisas mais valiosas e dignas de estima, e certos saberes são superiores a outros bens por seu rigor e por ocuparem-se de objetos maiores e mais admiráveis...” – ARISTÓTELES. Acerca del alma (pres. y trad. de Tomás Calvo Martínez). Madrid: Editorial Gredos, 2010, Livro I, cap, 1, 402a, p. 37.
  • 35. Convivio/Trattato secondo. Internet.
  • 36. “No fim da Antiguidade a alegoria adquire novo poder sobre os espíritos, e o judeu helenizado Fílon aplica-a ao Antigo Testamento. Desse alegorismo bíblico judaico procede o alegorismo cristão dos Padres da Igreja. O paganismo agonizante estendeu também a Virgílio a explicação alegórica (Macróbio). O alegorismo bíblico e o virgiliano confluem na Idade Média; daí a alegoria tornar-se, geralmente, a base de qualquer intrepretação de texto. Aqui está a raiz de tudo o que se pode denominar alegorismo medieval.” – CURTIUS, Ernst Robert. Literatura Européia e Idade Média Latina, op. cit., p. 265.
  • 37. Como a teoria agostiniana da Ordem. Ver “Introducción”. In: Obras Completas de San Agustin I. Escritos filosóficos (1º). Madrid: BAC, MCMXCIV, p. 590.
  • 38. SMITH, Wolfgang. A sabedoria da antiga cosmologia. Campinas, SP: Vide Editorial, 2017, p. 272.

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